As negociações para tentar encontrar uma solução para a dívida bilionária de Minas com a União têm envolvido autoridades federais como o presidente da República, ministros e o presidente do Senado, além de outros parlamentares. Mas não é só Minas Gerais que está mergulhado no vermelho. Com base no Painel de endividamento dos entes subnacionais, sistema disponibilizado pelo Portal da Transparência do Tesouro Nacional, o EM listou os estados que têm suas contas mais comprometidas pelo saldo devedor com a União. Com débitos quase 70% superiores à receita, a situação mineira só não é pior que a do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, que já aderiram ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) e vivem dificuldades para se manter na linha das regras de austeridade determinadas pela medida.
De acordo com o sistema do Tesouro Nacional, Minas Gerais aparece na terceira posição, com 168% de sua arrecadação comprometida por sua dívida com a União. Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul têm sua razão entre a dívida consolidada líquida e receita corrente líquida (DCL/RCL) na casa de 188,41% e 185,4%, respectivamente. São Paulo vem na sequência, com o índice de 127,92% e fecha o grupo de estados com débitos em cifras superiores à receita.
Este indicador é feito a partir do cálculo do débito dividido pelos valores da receita. Um índice de 100%, por exemplo, seria obtido por um estado que arrecada exatamente o quanto deve, tendo uma divisão de resultado 1. Ultrapassar os 200% seria o mesmo que determinar que o saldo devedor de um ente da federação é mais que o dobro de sua receita corrente.
Em números brutos, a dívida paulista é a maior do país, girando na casa dos R$ 293,4 bilhões, segundo números informados pelos entes da federação ao Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi) até 31 de dezembro de 2023. Na sequência estão Rio de Janeiro, com R$ 166 bilhões em débitos; Minas Gerais, com R$ 154,9 bilhões; e Rio Grande do Sul, com 104,9 bilhões.
A relação DCL/RCL é um dos indicadores de saúde financeira de uma administração. De acordo com o Tesouro Nacional, o limite de endividamento para estados é o valor de 200% na relação entre a dívida consolidada líquida e receita corrente líquida (DCL/RCL).
Quando a razão ultrapassa os 180%, o estado chega ao patamar de alerta, situação na qual atualmente se encontram Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Esses dois estados aderiram ao RRF, mas observam atentamente os movimentos no Ministério da Fazenda por uma alternativa ao regime.
Na última semana, o governador Romeu Zema esteve em Brasília, onde se reuniu com a tríade que articula os caminhos para a dívida mineira na capital do país: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT-SP); e o presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O governador retornou a BH com a promessa reforçada de que o governo federal apresentará sua proposta até o fim do mês. O planejamento é tido como uma reformulação do Regime de Recuperação Fiscal e busca alternativas para que a dívida seja paga com menor comprometimento de investimentos do estado e de reajustes para o funcionalismo público.
Liminar
Minas trabalha com a corda no pescoço. Desde o início de sua gestão, Zema governa sob vigência de liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) que desobriga o estado a pagar as parcelas da dívida. Essa medida perderia o efeito em dezembro do ano passado, mas foi prorrogada pela Suprema Corte diante das tratativas em andamento com o governo federal para a resolução do problema. O novo prazo se extingue em 20 de abril e já há uma movimentação mineira junto ao Ministério da Fazenda para nova extensão. Um dos motivos é de que o plano a ser apresentado por Haddad pode ter que passar por validação no Congresso, servindo assim como uma alternativa a outros estados em débito.
A extensão do projeto da Fazenda a outros entes da federação tornou-se uma das bandeiras recentes de Zema ao tratar sobre os débitos mineiros com a União, que estão na casa dos R$ 160 bilhões. No início do mês, na cerimônia de encerramento do 10º encontro do Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud), o governador cobrou uma resposta rápida para o problema da dívida na região, citando que Minas, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul têm dívidas que chegam à marca dos R$ 600 bilhões.
“Nós temos enxugado gelo. Tivemos anos em que a arrecadação de ICMS recuou devido a uma pandemia e a dívida continuou crescendo. Em média a dívida cresce 10% ao ano e a arrecadação do estado segue a economia, com um crescimento de 2% ao ano em média. Não podemos resolver daqui a dois anos, temos que resolver agora”, disse na ocasião, citando a relação entre receita e os débitos.
RRF escanteado
A entrada de Rodrigo Pacheco na discussão da dívida de Minas Gerais e a posterior aproximação de Zema a Lula e Haddad fez com que a renegociação dos débitos diretamente com o governo federal fosse ganhando força na mesma medida em que a figura do Regime de Recuperação Fiscal esmaeceu-se nos discursos do governador mineiro e seus apoiadores. A medida, no entanto, foi tratada como via única pelo estado durante os cinco primeiros anos da gestão.
O Regime de Recuperação Fiscal foi sancionado pelo então presidente Michel Temer (MDB-SP) em 2017 a partir da aprovação da Lei Complementar nº 159. A medida estabelece uma estrutura para que estados endividados consigam obter vantagens como a suspensão do pagamento de parcelas do débito e concessão de créditos. Para tanto, os entes da federação precisam se submeter a uma série de medidas de austeridade durante a vigência do regime, que pode ser de até nove anos.
Em Minas Gerais, o projeto enviado pelo governo do estado à Assembleia Legislativa (ALMG) encontrou resistência desde o primeiro ano de Zema no poder. O Projeto de Lei (PL) 1202/2019 só começou a tramitar na Casa no fim do ano passado sob forte resistência da oposição e dividindo a opinião até mesmo de deputados da base governista. A proposta de adesão ao RRF enviada aos parlamentares incluía, entre outras, medidas de restrição de investimentos, venda de estatais e estabelecia que os reajustes aos servidores seriam limitados a duas parcelas de 3% cada pagas em 2024 e 2028 durante toda a vigência do regime.
Mesmo com medidas de austeridade, a dívida ao final de nove anos de vigência do RRF não seria reduzida. Segundo admitiu o então secretário da Fazenda, Gustavo Barbosa, Minas pagaria apenas o serviço da dívida até 2032 e o saldo devedor saltaria de R$ 160 bilhões para cerca de R$ 210 bilhões ao fim do período.
Conforme já publicado pelo EM, segundo a Secretaria de Estado da Fazenda, Minas tem R$ 93,67 bilhões de sua dívida administrada pela Secretaria do Tesouro Nacional; R$ 68,25 bilhões garantidos pela União; e mais R$ 9,02 bilhões contraídos junto a bancos internacionais. De acordo com dados obtidos pelo Sistema de Análise da Dívida Pública, Operações de Crédito e Garantias da União, Estados e Municípios (SADIPEM), os estados que aderiram ao RRF têm a composição de suas dívidas em situações distintas: 72,87% do total que o Rio de Janeiro deve foi contraído junto à União; no Rio Grande do Sul este percentual é de 26,7%; e em Goiás, de 12,8%.
Após encontro com Lula na última quarta-feira (6/3), Zema chegou a citar os estados que aderiram ao RRF como um exemplo de falta de sucesso a longo prazo do projeto, indicando uma mudança de postura ao que antes era tido como a tábua de salvação para Minas. “Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Goiás, esses estados aderem, conseguem pagar no início, mas logo depois enfrentam dificuldades novamente, já que a receita nunca consegue acompanhar o crescimento da dívida”, disse em entrevista após reunião com o petista.
Proposta alternativa
O projeto alternativo à RRF apresentado por Pacheco a Zema traz propostas para pagamento efetivo da dívida do estado com a União sem, teoricamente, estar atrelado a medidas de austeridade que afetem os servidores e as políticas de investimentos públicos em Minas. O plano do senador é a base da proposta a ser preparada no Ministério da Fazenda. O primeiro ponto sugerido pelo presidente do Congresso em costura com Tadeu Leite e Silveira foi a federalização de estatais como a Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig), Cemig e a Copasas. O valor das empresas seria abatido do débito com a União e o estado teria prioridade de recompra das companhias em até 20 anos. Até então, foi a medida que mais contou com a aprovação pública de Zema.
Outro ponto sugerido na alternativa foi a utilização dos valores devidos a Minas pelas tragédias de Mariana e Brumadinho como forma de pagar a dívida. O repasse do recurso à União seria feito mediante a condição de que as cifras fossem integralmente utilizadas em investimentos no estado. Outro valor devido a Minas que poderia entrar na conta são os cerca de R$ 6,5 bilhões relativos à compensação pelas perdas da Lei Kandir. Também é discutida a elaboração de novo Programa de Recuperação Fiscal (Refis) voltado especificamente para entes da federação.
AÇÃO NO STF
O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), anunciou que vai acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) para revisar a dívida do seu estado com a União. Após reunião ontem com a bancada de parlamentares federais, o chefe do Palácio Guanabara afirmou que “há uma lógica federativa perversa” com os estados pagadores e vai pleitear mudanças na indexação do débito. Segundo Castro, desde 1990 o Estado já pagou R$ 153 bilhões da dívida. Atualmente a regra de cobrança é feita em cima do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) + 4% e um coeficiente de correção monetária. O governador quer um cálculo apenas com base na inflação.