Presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), desembargador José Arthur Filho, concedeu entrevista ao programa EM Minas, da TV Alterosa -  (crédito: Reprodução/TV Alterosa)

Presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), desembargador José Arthur Filho, concedeu entrevista ao programa EM Minas, da TV Alterosa

crédito: Reprodução/TV Alterosa

O presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), desembargador José Arthur Filho, afirmou, em entrevista ao programa "EM Minas", da TV Alterosa, que a mediação e a conciliação precisam ter papéis fundamentais no Brasil - dentro e fora do sistema judiciário, inclusive no acordo pela tragédia de Mariana.

 

O magistrado também falou sobre privilégios dos juízes, lentidão da Justiça, ataques ao Poder Judiciário e violência contra a mulher.

 

“Eu confio muito nas mediações e conciliações. A sentença não é pacificadora, ela tem, às vezes, potencialismo ao litígio. Já as mediações e conciliações, essas sim são pacificadoras, porque as partes passam a ser protagonistas do seu próprio destino. Elas é que fazem, através desse consenso, uma decisão que seja mais justa ao olhar delas próprias. Então temos inclusive incentivado muito o Judiciário nesta área”, declarou.

 

Antes de ingressar na corte mineira, José Arthur Filho foi advogado por 30 anos, sendo sócio-fundador de um escritório, onde atuou na advocacia liberal, em todas as áreas do direito privado, com foco no direito empresarial, bem como na advocacia contenciosa e assessoria a grandes empresas nacionais, sobretudo na área de gestão de contratos e negócios. Ele também foi juiz do Tribunal Regional Eleitoral de 1993 a 1995, na vaga de advogado, sendo reconduzido para o mesmo cargo no biênio seguinte, de 1995 a 1997.

 

Em 2014, foi nomeado desembargador do TJMG pelo então governador Alberto Pinto Coelho, a partir de uma lista tríplice das vagas destinadas ao quinto constitucional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). No tribunal, ocupou duas superintendências e presidiu sete comissões permanentes. Ao ser eleito em 2022, José Arthur Filho se tornou o 55º presidente da história do TJMG em 150 anos de existência do órgão.

 

Historicamente, o Poder Judiciário no Brasil é visto como um órgão lento. Isso corresponde à verdade?

Infelizmente, corresponde à realidade. Nós temos hoje no Brasil, 80 milhões de processos pendentes de julgamento e a cada momento, a cada movimento que fazemos, este volume reduz um pouco, mas ainda assim a litigiosidade no Brasil é muito grande. Talvez, seja o país onde mais se briga no mundo, então há um costume de tudo ser levado ao Judiciário. Infelizmente, essa essa morosidade persiste.

 

Qual é a comparação que você faria com outros países?

Na verdade, os litígios aqui eles se multiplicam vertiginosamente e não há nenhum país que se possa comparar ao Brasil. Infelizmente, nós temos esse pecado. Por outro lado, os nossos magistrados são os mais ágeis do mundo, são os que julgam mais processos. Como tem esse volume enorme, nós aprendemos a julgar rápido, mas, na verdade, nós precisamos mudar essa cultura, mudar esse paradigma. Eu confio muito nas mediações e conciliações. A sentença não é pacificadora, ela tem, às vezes, potencialismo ao litígio. Já as mediações e conciliações, essas sim são pacificadoras, porque as partes passam a ser protagonistas do seu próprio destino. Elas é que fazem, através desse consenso, uma decisão que seja mais justa ao olhar delas próprias. Então temos inclusive incentivado muito o Judiciário nesta área.

 

Como o STF chega a julgar, por exemplo, uma mulher que roubou um pacote de macarrão no supermercado?


Os nossos códigos de processo viabilizam muitos recursos e isso vai sendo julgado em primeira instância, depois do Tribunal de Justiça, vai para o STJ e chegam, por exemplo, ao Supremo matérias que deveriam ser só constitucionais. É um equívoco que nós precisamos corrigir. Eu acho que o sistema de Justiça, hoje, é um sistema falido e precisa ser repensado. Por isto que entram as mediações e conciliações. Há também um aspecto cultural. O brasileiro tem que levar menos questões para o Judiciário, tentar conversar mais, ampliar a escuta e o diálogo. Hoje, qualquer problema que se tenha com um vizinho, uma batida de carro, vai para a Justiça. Por exemplo, nós fizemos uma mediação com a questão da Vale em Brumadinho. Nós levamos 200 horas para mediar este problema e disto resolve-se, que veio para o estado, R$ 37 bilhões. Se esse processo fosse levado ao juízo, levaria décadas.

 

Como está o processo de digitalização dos processos?

Com a COVID-19, todos os tribunais foram obrigados a digitalizar os seus processos e a trabalhar de modo remoto. Nós, do TJMG, entregamos agora no dia 12 o tribunal todo digitalizado. Não temos mais papel - nas varas cível e criminal. A pandemia nos obrigou a romper estas barreiras e digitalizar essa montanha de cinco milhões de processos em Minas.

 

Como está o balanço de julgamentos em Minas?

Nós cumprimos a meta do CNJ, que é julgar mais processos do que aqueles que foram recebidos. Então, nós conseguimos essa façanha e digo isto porque das 298 comarcas, 100 estão sem juiz. Como conseguimos isso? Criamos duas inovações importantíssimas. Uma é o Núcleo 4.0, que é de cooperação entre juízes. E criamos um outro programa chamado Pontualidade, que busca os processos digitalizados e julga aqui. Então, nós conseguimos através da tecnologia e da inovação, criar mecanismos que efetivamente nos levaram a prestar jurisdição de forma efetiva e dinâmica.

 

 

Como tem sido a atuação do Tribunal em crimes de violência contra mulher?

Esse problema é lamentável. Infelizmente, é nacional, mas Minas lidera as questões ligadas a feminicídios no Brasil. O Tribunal de Justiça fez mutirões para julgamentos de casos ligados a feminicídio e violência doméstica. O TJMG também criou uma câmara especializada, a primeira no Brasil, para julgar de maneira especializada esses casos.

 

Temos ainda um outro programa que eu acho muito interessante que é o atendimento também do agressor porque acaba que esse problema é múltiplo. Então esse agressor também precisa ser tratado, de maneira a entender o absurdo daquela violência porque às vezes a coisa está incorporada na cultura da violência. Então, nós estamos tratando muito bem essa questão com agilidade em julgamentos e estamos tratando também, às vezes, a causa dessa desinformação e esta banalização da violência. As sentenças têm sido rigorosas e rápidas. Estamos agora com um novo mutirão em todo o estado para julgar em tempo recorde todos os casos ligados a feminicídio.

 

 

O Tribunal Regional Federal (TRF6) vai completar dois anos. Como avalia?

Foi um presente para Minas e para o Brasil porque ele estava ligado ao TRF1 em Brasília e praticamente 60% dos casos julgados eram de Minas, então ao criar o TRF6 nós passamos a ter agilidade aqui no julgamento e desafogamos o TRF1. Ganhamos de um lado e do outro. O TRF6 está com 1 milhão de processos e cada desembargador recebeu já de início 12 mil processos.

 

Os últimos anos foram marcados por uma série de ataques ao Poder Judiciário em todo o país. Como isto afeta o trabalho e a vida dos magistrados?

Estes ataques não são ideais e obviamente afetam negativamente o Judiciário. Às vezes a população, o leigo, não consegue compreender bem algumas decisões e o Judiciário, infelizmente, sofre com essa má interpretação. Penso que seja isso.

 

Há uma noção também, disseminada na população de uma forma geral, de que os juízes têm muitos privilégios. O senhor vê assim também?

Olha, eu vou dizer muito sincero, eu acho que não e digo porque: o juiz é um servidor que não pode ter nenhuma outra função a não ser juiz. É vedado a ele por expressa disposição de lei de ter um comércio, etc. Ou seja, ele tem que ter uma dedicação exclusiva com a magistratura - pode no máximo ser professor de uma matéria em uma universidade. Então, essa questão de ter uma dedicação exclusiva tem que ser valorizada.

 

Ao mesmo tempo, nós precisamos de magistrados independentes, cultos, valorosos. Então, a remuneração tem que estar adequada para que possa suportar uma vida digna. Não acho que o magistrado ganhe exageradamente muito e não vejo porque este questionamento. Acho que, na verdade, há muitas interpretações equivocadas sobre esses penduricalhos, como abono saúde, etc. Isto tudo deveria compor uma única remuneração e isso seria resolvido.

 

O mandato do senhor acaba em junho e não há reeleição. Poderemos ter a primeira mulher presidente do TJMG?

Nós estamos com três candidatos, que já se apresentaram. São magistrados de altíssimo gabarito, cultos, éticos. Com qualquer um deles o Tribunal estará em excelentes mãos. Uma das candidatas é a Áurea, que foi servidora do tribunal, juíza, desembargadora, mulher de alto gabarito. Os outros dois candidatos são os desembargadores: Luiz Carlos Correia Júnior, que já faz parte da atual gestão na qualidade de corregedor-geral, e Maurício Soares que já presidiu a Amagis e o TRE. São três desembargadores de altíssima qualificação.

 

Quem for eleito vai enfrentar o problema da falta de juízes e de servidores. Qual o cenário?

O concurso dos servidores foi paralisado pelo CNJ, mas fizemos uma mediação para destravá-lo e agora vai ser homologado. Estamos também com um Projeto de Lei na Assembleia Legislativa para a criação de novos cargos porque hoje eu não consigo criar qualquer cargo ou unidade judiciária no Tribunal porque não tem nem juiz e nem servidor. O concurso de juízes deve terminar em abril e o concurso de servidores deve sair esse ano ainda.

 

O caso de Mariana infelizmente ainda tá travado, o que é que aconteceu?

O caso não está com o TJMG e sim com o TRF6 porque envolve Minas Gerais e o Espírito Santo. Tem uma perspectiva de mediação, que está entregue ao desembargador Ricardo Machado, que é um excelente desembargador e muito bom mediador, então acho que isso vai se resolver. O que atrapalhou um pouco foi que o Supremo puxou esse acordo lá para Brasília, então tinha distanciamento e dificuldade atravancava a decisão. Voltando agora para Minas, no ambiente do TRF6, tenho certeza que em breve isso será resolvido. Toda mediação tem que ser muito bem trabalhada e as partes têm que entrar mais desarmadas.

 

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O Fórum Lafaiete continua em obras?

Vamos reformar todo o fórum, que era muito antigo. Vamos entregar, se não me engano, em janeiro de 2026. Vai ser um fórum modelo para Minas Gerais. É uma reforma geral, um outro prédio, revitalizado.