Acompanhado da primeira-dama Cilia Flores, Maduro exibe imagens de Simón Bolívar e de Hugo Chávez, ao visitar o Conselho Nacional Eleitoral  -  (crédito: Federico Parra/AFP)

Acompanhado da primeira-dama Cilia Flores, Maduro exibe imagens de Simón Bolívar e de Hugo Chávez, ao visitar o Conselho Nacional Eleitoral

crédito: Federico Parra/AFP

As relações entre Venezuela e Brasil sofreram o primeiro choque durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, após o regime de Nicolás Maduro impedir o registro da candidatura de Corina Yoris, escolhida para disputar as eleições de 28 de julho no lugar da ex-deputada María Corina Machado.

 

Em nota divulgada na tarde de ontem, em português e em espanhol, o Ministério do Poder Popular para as Relações Exteriores da Venezuela afirma que "repudia o comunicado cinzento e intervencionista redigido por funcionários da chancelaria brasileira, que parece ter sido ditado pelo Departamento de Estado dos EUA, no qual são emitidos comentários carregados de desconhecimento e ignorância sobre a realidade política na Venezuela". 

 

O governo venezuelano assegurou que não emite, nem emitirá, juízos de valor sobre processos políticos e judiciais ocorridos no Brasil. "Consequentemente, tem a moral para exigir o mais estrito respeito pelo princípio da não ingerência nos assuntos internos e em nossa democracia, uma das mais robustas da região", assegura o texto de Caracas. Além de chamar a atenção para o fato de que o Itamaraty "não esteja preocupado com as tentativas de magnicídio e de desestabilização" desmanteladas pela Venezuela, o texto agradece a solidariedade de Lula ao condenar "de forma direta e inequívoca o bloqueio criminoso e as sanções que o governo dos EUA impôs ilegalmente" à Venezuela.

 

Guinada

 

Em uma mudança inédita de postura do governo Lula, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil afirmou acompanhar "com expectativa e preocupação o desenrolar do processo eleitoral" na Venezuela. "Com base nas informações disponíveis, (o governo brasileiro) observa que a candidata indicada pela Plataforma Unitária, força política de oposição, e sobre a qual não pairavam decisões judiciais, foi impedida de registrar-se, o que não é compatível com os acordos de Barbados. O impedimento não foi, até o momento, objeto de qualquer explicação oficial", diz o texto.

 

 

O Itamaraty também reiterou que 11 candidatos ligados a correntes de oposição conseguiram o registro eleitoral. "O Brasil reitera seu repúdio a quaisquer tipos de sanção que, além de ilegais, apenas contribuem para isolar a Venezuela e aumentar o sofrimento do seu povo." Até então, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva evitava condenar o regime de Maduro. Por sua vez, a Casa Branca admitiu estar "profundamente preocupada" com o impedimento do registro de Yoris.  "É muito importante que o regime reconheça e respeite o direito de todos os candidatos se apresentarem", declarou a porta-voz Karine Jean-Pierre. 

 

A oposição conseguiu registrar dois candidatos: Manuel Rosales, governador do estado petroleiro de Zulia (oeste) e ex-adversário de Hugo Chávez; e o diplomata e ex-embaixador Edmundo González Urrutia, cujo nome foi inscrito provisoriamente pela Plataforma Unitária Democrática (PUD). A coalizão explicou que tomou a decisão "em vista da clara impossibilidade de inscrever até o momento a candidatura eleita", a fim de "preservar o exercício dos direitos políticos que correspondem" à sua organização.

 

Por telefone, Juan Guaidó, ex-presidente autoproclamado da Venezuela e um dos líderes da oposição, acusou Maduro não apenas de impedir a candidatura de Corina Yoris, mas também de inabilitar María Corina, travar uma perseguição judicial contra a ex-deputada, deter assessores da política e apreender as cédulas eleitorais. "É todo um sistema que tem bloqueado e cerceado os direitos na Venezuela, que vive um momento de tensão, novamente por impossibilitar uma solução eleitoral", declarou ao Correio

De acordo com Guaidó, o regime de Maduro convocou as eleições para uma data preferencial para o Palácio de Miraflores e se beneficiou de um Conselho Nacional Eleitoral (CNE) feito "sob medida". "Ainda assim, eles têm medo de medir forças com Corina Yoris, que foi a representante designada por todos os fatores da Mesa de Unidade Democrática, e com María Corina, eleita em 22 de outubro para representar os venezuelanos", lembrou. 

 

Direitos

 

Guaidó disse esperar que a oposição siga na defesa de seus direitos. "Temos que exigir que se permita a inscrição da candidatura da oposição. Não permitiram à Plataforma Unitária Democrática registrar a candidata escolhida por eles, pela Venezuela e por nós", lamentou. Para o opositor, o propósito de Maduro é óbvio: ser parte de um novo sistema totalitário. Ele explicou que a inscrição de Rosales foi unilateral e de última hora. "Não representa os fatores da unidade (da oposição). Ele tem que dar respostas ao país por voltar as costas para a Plataforma Unitária e para María Corina Machado."

 

María Corina Machado: "O que alertávamos há muitos meses ocorreu. O regime escolheu seus candidatos"
María Corina Machado: "O que alertávamos há muitos meses ocorreu. O regime escolheu seus candidatos" (foto: Ronald Peña/AFP)

 

"Farei tudo o que tiver que fazer pela unidade", disse Rosales, durante coletiva de imprensa. "Se a plataforma pedir, acordar, decidir qualquer coisa, estou na plataforma, não me movo daí nem um milímetro", afirmou. Por sua vez, María Corina reforçou que não apoiará Rosales e repetiu que sua candidata é Corina Yoris. "O que alertávamos há muitos meses ocorreu. O regime escolheu seus candidatos", declarou.  

 

Coordenador do Conselho Político Internacional da campanha de María Corina, Antonio Ledezma saudou a mudança de postura do Brasil. "Para nós, uma maneira de protestar e de pressionar são os pronunciamentos das últimas horas, incluindo o do presidente Lula, que externou sua preocupação e as expectativas do governo brasileiro pela atitude arbitrária de Maduro de não permitir a inscrição da substituta de María Corina Machado", disse à reportagem, também por telefone. Ledezma — ex-prefeito de Caracas e preso político exilado em Madri — considera que o tema da Venezuela tem recuperado espaço na agenda internacional. "As críticas do Brasil têm a ver com o modo que Maduro tem ignorado e descumprido com os Acordos de Barbados."

 

EU ACHO...

 

(FILES) In this file photo taken on February 03, 2021, Venezuelan opposition leader Juan Guaido gestures while speaking during a press conference in which he announced he was resuming his political agenda, at Los Palos Grandes square in Caracas.  Venezuelan opposition leader Juan Guaido reported on March 27 that he contracted covid-19 with "mild" symptoms and is in isolation. / AFP / Yuri CORTEZ
Juan Guaidó, ex-presidente autoproclamado da Venezuela e um dos líderes da oposição, hoje exilado em Miami (foto: Yuri Cortez/AFP)

 

"Embora a declaração do Brasil seja morna, a exigência feita pelo Acordo de Barbados de eleições livres e de que a oposição possa registrar o candidato decidido pelos venezuelanos parece ser um progresso."

Juan Guaidó, ex-presidente autoproclamado da Venezuela e um dos líderes da oposição, hoje exilado em Miami

 

Antonio Ledezma, ex-prefeito de Caracas
Antonio Ledezma, ex-prefeito de Caracas (foto: Wikipedia)
 

"Vale a pena destacar que quem manifesta preocupação é um governo amigo do regime da Venezuela. Porque ninguém duvida da amizade entre Lula e o chavismo e o madurismo. No entanto, esse governo (Brasil) priva o interesse de defender a democracia em vez de cegamente defender um amigo político."

Antonio Ledezma, coordenador do Conselho Político Internacional da campanha de María Corina