O provincianismo é o maior entrave para o crescimento de Minas Gerais, posto que os políticos se mostram ignorantes no tocante à economia e os empresários são tímidos. A reflexão, para uns tantos ainda válida, para uns poucos, superada, datada de 1992, é do historiador Francisco Iglésias (1923-1999). Autor do livro “História e ideologia”, considerado um democrata radical, era homem sem meias palavras, de cortante maledicência. Ainda jovem se inseriu no ambiente intelectual belo-horizontino, ao lado de Otto Lara Resende, Hélio Pellegrino, Autran Dourado, João Etienne Filho, Paulo Mendes Campos, Wilson Figueiredo e outros, como colaborador de revistas literárias, a partir de “Edifícios” (1946). Ele ousou escrever sobre o Brasil fora do eixo Rio-São Paulo, observou José Murilo de Carvalho, aclamado estudioso da historiografia brasileira. Dono de saber universal, Iglésias adorava cinema, teatro, música e poesia. Ao jornalista Luiz Carlos Bernardes, o professor da Faculdade de Ciências Econômicas disse que “a elite política mineira continua medíocre, provinciana e, com raras exceções, sem enxergar um palmo além da Serra da Mantiqueira”. O escritor João Antônio de Paula assinou uma biografia sobre o historiador, que se dizia barranqueiro do São Francisco, pois nascera em Pirapora. Ele era amigo de Celso Furtado, Mário de Andrade, Sábato Magaldi, Sérgio Buarque de Holanda e Pedro Nava. Reverenciado nos meios acadêmicos em âmbito nacional, Iglésias não se deixou seduzir pela ideia de que o sucesso na carreira profissional se faz além das fronteiras do estado. Em boa parte, a documentação, a correspondência e a biblioteca desse mineiro talentoso se encontram no acervo do Instituto Walter Moreira Salles, em São Paulo.


À DISTÂNCIA

É provável que nem o jornalista carioca Merval Pereira saiba que a edificação na cor vermelho-terra, resquício arquitetônico dos primórdios da capital mineira, em estilo eclético, localizada na esquina da Rua da Bahia com a Avenida Augusto de Lima (104), no Centro de Belo Horizonte, pertence à Academia Brasileira de Letras, entidade presidida por ele. Ali funcionou por mais de um século o Colégio Minas Gerais e, hoje, abriga uma drogaria no térreo.


BOTULISMO

Surgiu a informação repugnante e cavernosa de que o poeta chileno Pablo Neruda (1904-1973) morreu envenenado durante a ditadura chilena, vítima da bactéria Clostridium botulinum, reproduzida nos laboratórios do Instituto Butantã, em São Paulo, ao invés de câncer. Aqui o seu poema XXVI, do livro Ainda: “Se encontras num caminho um menino roubando maçãs e um velho surdo com um acordeom, recorda que eu sou o menino, as maçãs e o ancião. Não me magoes perseguindo o menino, não batas no velho vagabundo, não atires ao rio as maçãs”.


O SILÊNCIO DE MINAS

Como as novas gerações tomaram para si a ideia de que o mundo existe depois de sua chegada, é bom lembrar fatos passados, visto que um bocado de talentos em todos os campos iniciou carreira por aqui ou buscou realização profissional em outras bandas, seja na cultura, literatura, finanças, futebol, etc. Na música, por exemplo, Vicentina de Paula Oliveira, a Dalva de Oliveira, soltou sua voz no início de carreira na rádio Guarani. O cantor e compositor Nélson Ned, de sucesso estrondoso na América Latina, que sofria de nanismo, entrava no colo do radialista Aldair Pinto, como a um bebê, ao se apresentar em programa radiofônico. Clara Nunes aqui cantou boleros, no rastro de Núbia Lafayette, antes de ser considerada a grande sambista brasileira. Agnaldo Timóteo, o “Caratinga”, foi chefe da torcida organizada do Botafogo e motorista de Ângela Maria, a “Sapoti”, depois que se mudou para o Rio de Janeiro, mas fez sucesso com “O grito” e “Os brutos também amam”, ambas de Erasmo e Roberto Carlos. “Os titulares do ritmo”, conjunto formado por cinco deficientes visuais, oriundos do Instituto São Rafael, chegaram ao disco de ouro em vendagem nacional. Sílvio Aleixo, o showman das casas noturnas, deu canja no Maletta antes de cair nas graças do apresentador Flávio Cavalcante, na TV Tupi. Durante apresentação por divertimento em uma boate em Buenos Aires, onde fora a passeio, o cantor Léo Belico, natural de Ponte Nova, ganhou contrato e se apresentou, posteriormente, em várias rádios, embora interpretasse apenas em português. Ganhou enorme popularidade no país vizinho, a ponto de emprestar seu nome a um baton que, dizem, coloriu a boca de Evita Perón. Márcio Greik, que ainda hoje navega no sucesso de “Aparências”, era considerado carta na manga pelas gravadoras em caso de substituição de Roberto Carlos. Martinha, Isnard Simone e Eduardo Araújo são artistas que ganharam o mundo a partir de Minas, o que pouca gente se lembra, mas que fizeram história na música popular.


TRAVESSEIRO DE PENAS

Atento às variações estético-urbanas tão típicas da capital mineira, o motorista de táxi sapecou ao constatar que a cada quarteirão existem duas ou mais farmácias e uma loja de colchões recém-inaugurada: “O belo-horizontino, além de invariavelmente atacado por alguma doença, parece ser o povo que mais dorme neste país”.

 

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