A empresária mineira Luziana Lanna viajou a Londres, nos anos 90, para assinatura de contrato com empresa detentora das melhores técnicas de ensino da língua inglesa no estrangeiro, visto que, por esforço e mérito próprios, aqui se multiplicavam às dezenas os cursos de idiomas com sua valorosa chancela. Garbosa e elegante, ela foi recebida por dois sujeitos enfatiotados para a assinatura dos papéis. Um destes dirigiu-lhe a palavra com fleuma e desdém típicos do chá das cinco. “A senhora está desacompanhada?”, estranhou. “Sim!”, emendou a professora. Insatisfeito com a resposta monossilábica, o tal sugeriu se o presidente da empresa brasileira estava por chegar. “Sou a presidente de minhas escolas”, esbravejou Lanna. “Qual a sua competência na empresa?”, questionou, ciente, doravante, que dialogava com o diretor. “Exijo paridade de tratamento. Com você nada assino, apenas na presença do presidente”, reivindicou. Dito e feito, no dia seguinte, com pompas e circunstâncias. Hoje aposentada, a cuidar dos netos, como contou orgulhosa, Luziana Lanna faz brotar respeito e sabedoria por onde passa. Ela participou do debate “A violência e a discriminação da mulher no ambiente de trabalho”, promovido pela ACMinas, sob a mediação do advogado Túlio de Souza. Os tempos são outros, mas, pelo visto, para quem se impõe ontem já eram também. 

 



 

AFOITEZA JOVIAL

 

A capital mineira era de circunspecto rigor comportamental há mais de 50 anos. Durante a quaresma, a cidade empalidecia no cumprimento à risca de rigoroso jejum sugerido pela Igreja Católica, exigente no tocante a vestimentas discretas, distância de carne no sentido amplo, bebidas alcoólicas, etc. Pois foi neste cenário, que um solitário jovem imberbe saiu de casa para um bordejo numa Sexta-Feira da Paixão. Lá pelas tantas, defrontou-se com bela mulher em ponto de ônibus. A conversa afinou em desejos mútuos. O casal bateu à porta de uma espelunca no Barro Preto, a fim de saciar vontades contidas. Atendido por uma senhora, ambos solicitaram um quarto, mas foram severamente repreendidos, posto que a data era sagrada. Murchos como flor exposta ao pé de uma lápide, tentaram argumento derradeiro: o relógio dobrava à meia-noite, dando início ao sábado de aleluia, de festa e carnaval. Ela coçou a cabeça, pensou por segundos, e ordenou: “Então, esperem na varanda”. O sacrilégio esvaiu-se assim por questão de um minuto.

 

BICUDO RAIZ

 

Corria a procissão de Cristo em Baependi, cidade no Sul de Minas. O povo todo de terço nas mãos acompanhava o calvário no passo a passo. A representação do filho de Deus ficou por conta de um cidadão cheio de fé e apreciador de aguardente. No popular, emérito pinguço. Ele apanhou deveras dos centuriões, caprichosos nas chibatadas, mas aguentou firme, pois o papel assim o exigia no martírio infindável. A certa altura, um dos soldados, a título de consolidação da maldade, já com o Cristo sofredor atado à cruz, trocou a água pela cachaça e enfiou a estopa encharcada na sua boca. “Mais fel! Mais fel!”, gritava o crucificado para incompreensão da atônita assistência.

 

 

ENTRELAÇAMENTOS

 

Sempre intrigou aos curiosos o fato de que outrora corriqueiros casamentos se davam entre parentes nessas Minas Gerais, em especial no interior, com o propósito de preservar patrimônios, sobrenomes e, claro, sentimentos. A professora Laura de Mello e Souza, recém-agraciada com o Prêmio Internacional de História, concedido pelo Comitê Internacional de Ciências Históricas, no livro “Norma e conflito - Aspectos da história de Minas no século XVIII”, pesquisou as motivações de época. Segundo ela, os homens livres pobres desfrutavam de incidência maciça de concubinatos na Minas setecentista, resultante do alto custo do matrimônio cobrado pela Igreja e pelo fenômeno da transitoriedade, inclusive entre abonados, no Ciclo do Ouro. A promiscuidade imperava geral com abrangentes relações incestuosas. As devassas eclesiásticas, registrou a mestra, apontam por delituoso o ajuntamento de parentes por consanguinidade ou afinidade em grau proibido, comadre com compadre, padrinho com afilhada e madrinha com afilhado, irmãos entre si, filhos com as mães, filhas e pais, sobrinhos com tias, tios com sobrinhas e compadres, padrinhos e afilhados. A natalidade caracterizou-se por elevadas taxas de ilegitimidade no período, com crescentes nascimentos indesejáveis. Muitos milhares de recém-nascidos nos séculos 18 e 19 foram entregues ao anonimato da “Roda dos Enjeitados”, em irmandades religiosas e de caridade, por mulheres pobres, solteiras, viúvas, abandonadas, escravas e prostitutas. Donas abastadas também faziam-no com discrição e adjutório financeiro.

 

CENAS MACABRAS

 

Durante a duplicação da rodovia Fernão Dias, na altura do distrito do Retiro dos Pimentas, em Perdões, o maquinário a trabalhar expôs toda a ossada de parte de um cemitério nas proximidades, o que indignou a população. A cena se repete agora no distrito de Alvorada, em Carangola, na Região Leste. Crânios, pernas, braços... num cenário de horror, descartados no lixão da cidade, por conta da demolição de gaveteiro no campo santo local. De cabelos eriçados ficaram os catadores de material para reciclagem.

 

 

INACREDITÁVEL

 

Correspondência endereçada a um amigo no dia 21 de julho do ano passado retornou esta semana às mãos do autor. Passados nove meses do evento de alto grau de civilidade, ressalte-se, cada vez mais raro, isto é, a elaboração e envio de missiva em letra cursiva destinada a outrem, os Correios devolveram-na, sob alegação de que o destinatário mudou de endereço. O remetente anda em dúvida se agradece à estatal pelo zelo ou se a espinafra pelo longo tempo da providencial restituição, porque a distância entre fulano e beltrano se soma a três quarteirões.

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