Completa 60 anos nesta quarta-feira (3/4) o caso de perseguição da ditadura que talvez mais exponha ao vexame o senso de desconfiança dos militares golpistas de 1964. A Comissão de Anistia aprovou nesta terça (2/4) a condição de anistiados políticos a nove chineses que foram presos, torturados, acusados de subversivos e de estarem no Brasil para implantar o comunismo no país. Se tratava, na verdade de uma missão diplomática da China que estava no Brasil comercializando algodão.
Os chineses, condenados a dez anos prisão, foram expulsos do Brasil, sem que tenham encontrado qualquer prova que demonstrasse a teoria descabida dos militares.
Entre as "provas" encontradas pelas autoridades estavam algumas agulhas de acupuntura, entendidas pelos agentes do novo governo como uma arma mortífera, em que acreditavam se tratar de injeções envenenadas que seriam aplicadas em alguns oficiais.
Julgamento
O caso foi ridicularizado no julgamento da comissão. O relator, o conselheiro Manoel Almeida, citou em seu voto que a suposta ameaça foi tratada como "um plano diabólico que saía da aventura do 007", famoso agente secreto fictício do serviço de espionagem britânico. "Estou tentando não rir e dar um ar de solenidade a esse julgamento", disse o relator.
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"Bastante surreal acreditar que a China de Mao (Mao Tsé-Tung, líder da revolução chinesa) mandou nove homens, com crachá diplomático, para aplicar injeção indolor que fulmina alguém", se manifestou o relator.
Outro conselheiro, Marcelo Uchôa disse se tratar do "processo mais esdrúxulo" que já julgou no colegiado. "Além de tudo é xenofobia. Só foram presos por serem chineses. E foram achincalhados pela ditadura", disse Uchôa.
Anistia
O pedido de anistia aos chineses é de autoria de João Vicente Goulart, filho do ex-presidente João Goulart, deposto pelos militares. O governo brasileiro da época ainda se apropriou do dinheiro que estava em poder dos detidos, que, em valor atualizado, chega a R$ 800mil.
O advogado Victor Neiva, que defendeu o pedido a favor dos chineses na comissão, afirmou que o regime militar "precisa prendê-los para justificar a ameaça comunista". E completou: "Talvez seja esse caso o maior erro do Judiciário da nossa história. Foi instalada uma ação penal com base apenas na nacionalidade dos réus. Eles foram presos, barbaramente torturados e esse processo permanece engavetado."
O caso, oficialmente, ainda não foi extinto judicialmente. A anistia coletiva aos chineses foi aprovada por unanimidade e, no final, a presidente da comissão, Eneá Stutz, fez o pedido de perdão oficial do Estado. Dos nove chineses, apenas um está vivo.