Avaliação do presidente caiu entre os evangélicos -  (crédito: Ricardo Stuckert/PR)

Avaliação do presidente caiu entre os evangélicos

crédito: Ricardo Stuckert/PR

Em uma mudança na sua retórica, o presidente Lula (PT) aumentou a quantidade de expressões religiosas em seu discurso e fez referência a "Deus" ou à palavra "milagre" mais de uma vez a cada minuto, em média, durante fala em Arcoverde, no estado de Pernambuco.

 

A repetição das expressões religiosas ocorre em um momento de queda na aprovação de seu governo, em particular com o público evangélico. Por isso alguns aliados têm sugerido ao mandatário alguns gestos para esse grupo, que mantém uma proximidade maior com o seu antecessor e rival Jair Bolsonaro (PL).

 

Lula está em uma viagem de dois dias ao Nordeste, com compromissos oficiais em Pernambuco e Ceará. Na tarde de quinta-feira (4/4), ele participou de cerimônia de inauguração da Estação Elevatória de Água Bruta de Ipojuca, em Arcoverde.

 

O presidente discursou por cerca de 25 minutos no evento. A sua fala conteve 11 referências a Deus, além de ter usado 16 vezes a palavra "milagre", duas vezes "crença", uma vez "fé" e outra vez "homem lá de cima".

 

"Eu queria perguntar se vocês acreditam em milagre? Então, eu vou contar dois milagres para vocês que estão acontecendo aqui agora. O primeiro milagre só pode ter acontecido por ser um milagre por essa obra de Deus", disse o presidente, em referência à transposição do Rio São Francisco, quando na sequência afirma que tem obsessão pela questão da água na região Nordeste, lembrando os seus tempos de infância.

 

"Ô gente, esse é um milagre, é um milagre que aconteceu com um cara que viveu a seca. Com sete anos de idade eu saí da Caetés para São Paulo com a mãe e oito filhos num pau de arara para não morrer de fome e não morrer de sede. E esse nordestino, que saiu daqui para não morrer de sede, volta 150 anos depois e faz a transposição do São Francisco para trazer água para o povo brasileiro", acrescentou Lula.

 

 

"E isso só pode acontecer por uma coisa, só pode acontecer esse milagre por causa da fé de vocês, por causa da fé, por causa da crença de vocês. Se vocês não acreditassem, se vocês não tivessem fé, jamais vocês teriam votado para presidente da República num pernambucano que não tem diploma universitário, que só tem um diploma primário e um curso do Senai", completou.

 

A quantidade de vezes em que recorreu a expressões religiosas marca uma ruptura com a retórica que vinha sendo adotada anteriormente. A Folha de S.Paulo analisou os 52 discursos de Lula feitos neste ano, disponibilizados no site do Palácio do Planalto.

 

O mandatário costumava usar a palavra Deus, em média, menos de uma vez, por discurso - a reportagem excluiu dessa conta as menções à comunidade Cidade de Deus, no Rio. Foram 53 menções a Deus nas demais falas entre janeiro e o início de abril.

 

A maior parte das vezes, Lula ainda fez as referências como uma figura de retórica, como para cobrar ministros e outras autoridades de seu governo, falando "pelo amor de Deus".

 

"Então, pelo amor de Deus, cientistas brasileiros, comunidade científica e querida [ministra da Ciência e Tecnologia] Luciana [Santos], vamos aceitar o desafio [de criar uma política de inteligência artificial]", disse durante reunião do Conselho de Ciência e Tecnologia.

 

 

Lula também costuma encerrar os seus discursos, com a expressão "Deus abençoe". "Um abraço, boa conferência e que Deus nos abençoe e até outro dia se Deus quiser", disse, durante abertura da Conferência Nacional de Cultura.

 

Em outros momentos neste ano, as referências a Deus eram usadas justamente para criticar pastores e outros políticos que usam a religião para fazer política.

 

"Ninguém pode viver a vida inteira utilizando o nome de Deus em vão quando nem parece que ele acredita em Deus. Ninguém pode, ninguém pode continuar assistindo a indústria do fake news mentindo 24 horas por dia", afirmou no mesmo evento da área da cultura.

 

 

A mudança na retórica do presidente acontece em um momento de queda na aprovação do governo. Pesquisa Datafolha publicada no mês passado mostrou que, pela primeira vez em seu terceiro mandato, o presidente vê sua aprovação empatar tecnicamente com a rejeição a seu governo. Consideram o trabalho do petista ótimo ou bom 35%, ante 33% que o avaliam como ruim ou péssimo e 30% como regular.

 

Um recorte específico junto ao público evangélico mostra que a sua reprovação que era de 38% em dezembro e depois subiu no terceiro mês de 2024 para 43%.

 

Para reverter esse quadro, aliados passaram a recomendar que Lula abandonasse temas e falas polêmicos -- como ao comparar as ações de Israel na Faixa de Gaza com Hitler -- e realizar alguns gestos, para romper a barreira com o público evangélico.

 

Também houve mudanças na área de comunicação do governo, tão critica por integrantes da Esplanada e pelo próprio Lula, durante reunião ministerial.

 

A Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência) lança neste mês uma campanha com apelo religioso na tentativa de reverter a tendência de piora de popularidade e de reduzir a polarização política.

 

Apresentado na manhã de quarta-feira (3/4) a Lula, durante reunião no Palácio da Alvorada, o mote "fé no Brasil" servirá como norte estratégico para as ações de comunicação em toda a Esplanada.

 

Além da marca, as peças publicitárias deverão ser acompanhadas da mensagem "isso é para todo mundo", descrita como um gatilho cognitivo para a despolarização no país. A ideia é mostrar que os programas de governo melhoram a vida de todos.

 

Apesar da menção à fé, integrantes do governo negam que a campanha tenha como alvo o eleitor evangélico, podendo representar a crença em tempos melhores.

 

Nesta sexta (5/4), em evento na cidade de Iguatu (365 km de Fortaleza), Lula sobrevoou as obras da ferrovia Transnordestina e assinou a ordem de serviço do Ramal do Apodi, obra que vai encurtar a ligação entre o eixo norte da transposição do rio São Francisco e o açude do Castanhão.

 

Em discurso sem referências religiosas, afirmou que não voltou à Presidência para fazer o mesmo e disse que quer fazer mais do que em seus dois primeiros governos, entre 2003 e 2010.

 

"Eu não voltei para ser presidente da República para fazer a mesma coisa que eu já tinha feito. Eu preciso fazer mais, eu preciso fazer melhor, eu preciso cuidar desse povo. E não é fácil porque eu estou competindo comigo mesmo", disse.

 

No fim do ato, Lula chamou à frente do palco o responsável pela concessionária da ferrovia e um trabalhador da obra que havia discursado no início da solenidade. Em tom de brincadeira, deu uma bronca no operário por ele ter cumprimentado a primeira-dama, Janja. "Você nunca mais beije minha mulher, rapaz. Você nunca mais encoste na minha mulher para beijar ela porque eu fico arretado, eu fico nervoso", disse.