Na semana retrasada, a novela sobre a administração da BR-040 entre Belo Horizonte e Juiz de Fora teve um capítulo marcante com a escolha da futura responsável pelo trecho. Na quinta-feira (11/4), na bolsa de valores de São Paulo, a EPR sagrou-se a vencedora do leilão de concessão da rodovia e terá o direito de operá-la pelos próximos 30 anos.
A EPR, uma joint venture da Equipav, que atua no setor de infraestrutura, e a Perfin, gestora de fundos de investimentos em infraestrutura, já atua em três lotes de estradas em Minas Gerais: um no Triângulo e dois no Sul do estado. A reportagem do Estado de Minas percorreu vias nas localidades e encontrou realidades diferentes na qualidade do asfalto e na estrutura oferecida aos motoristas, mas uma reclamação é constante: o preço dos pedágios.
No leilão da BR-040, quatro empresas se candidataram e apenas três delas deram lances para conseguir a concessão. Venceria o pregão quem apresentasse a maior taxa de desconto na tarifa do pedágio fixada no contrato do governo federal. A EPR ofereceu 11,21% sobre os R$ 13,91 determinados no edital e levou a melhor. O resultado é que o preço a ser cobrado nas três praças de cobrança entre BH e Juiz de Fora girará em torno de R$ 12,35.
O preço da 040 sob a EPR está próximo dos R$ 12,70 já praticados no Triângulo Mineiro; dos R$ 9,20 do lote Sul de Minas e dos cerca de R$ 13 no lote Vias do Café, também no Sul. Na porção austral do estado, é difícil encontrar quem se queixe da qualidade das pistas.
A reportagem percorreu centenas de quilômetros dos dois conjuntos de estradas e se deparou com rodovias quase sempre em pistas simples e com poucos trechos de acostamento e terceira faixa, mas de asfalto recém-renovado e de boa qualidade. Diferentes pessoas ouvidas pelo EM, no entanto, têm uma queixa uníssona: o alto valor cobrado nas praças de pedágio.
“A estrada ficou boa, mas o preço é muito caro. A gente precisa sair muito. Quase metade da cidade trabalha em Pouso Alegre. Eles vão e voltam todos os dias, dá quase R$ 20, não tem jeito. Eu tenho um bar e sempre tenho que ir à cidade vizinha com mais opções. Às vezes, tenho que ir lá comprar algumas coisas. De mês em mês, vamos lá comprar uma coisinha e tem que aumentar os preços. Tem que fazer as contas. Muita gente está cortando volta. Indo para a estrada de terra para evitar o pedágio”, relata Edson Resende, de 52 anos.
Edson é dono de um bar na pequena Cachoeira de Minas. Ele relata que boa parte dos cerca de 11,5 mil habitantes da cidade depende economicamente de realizar trajetos frequentes até Pouso Alegre, polo da região. Entre os dois municípios está uma das oito praças de pedágio do lote EPR Sul de Minas, que cobra R$ 9,20 para a passagem de carros de passeio.
Trechos da EPR no Sul de Minas
Os serviços da EPR no lote Sul de Minas – que passa por cidades como Poços de Caldas, Monte Sião, Paraisópolis e Itajubá – começaram em outubro do ano passado nas oito rodovias que o integram: BR- 459; LMG-877; MGC-146; MG-455; MG-290; MG-295; MG-173; e MG-459. De acordo com a concessionária, o início das cobranças se deu no mesmo mês de forma gradativa e deve ser completamente implementado até maio deste ano.
Ainda de acordo com a concessionária, até 18 de abril foram realizados 2.884 atendimentos de guincho leve e pesado, 417 atendimentos pré-hospitalares e 21.115 atendimentos gerais em todas as rodovias do lote Sul de Minas. A empresa ainda aponta que já investiu mais de R$ 269 milhões em obras e melhorias, que consistem em: 454,3km de tapa buraco; mais de 216km de pavimento recuperado com nova sinalização horizontal; instalação de 4.080 novas placas de sinalização vertical; mais de 77 mil unidades de tachas refletivas na rodovia e mais de 12,5 metros de defensas metálicas.
A concessionária aponta que os novos investimentos para o restante do tempo da concessão incluem obras para implementação de estruturas como 1km de via marginal; 39,15km de faixas adicionais; 1 contorno viário; 68 melhorias de acesso; 23 dispositivos interseções (retornos, rotatórias, trevo em desnível); 21 adequações de pontes e viadutos; 335,45 km de acostamentos; 9 travessias de pedestres e 56 paradas de ônibus.
A empresa justifica o preço cobrado pelos R$ 2,3 bilhões em investimentos previstos nos 30 anos de concessão e aponta que a tarifa está prevista em contrato e foi determinada a partir de estudos conduzidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
O preço do pedágio além da praça de cobrança
“Está muito caro. Nosso movimento aqui caiu para uns 40% do que era antes. No fim do mês, a gente arrecadava R$ 50 mil e hoje caiu para R$ 30 mil. É muito significativo, um montante grande para o comércio. As pessoas estão cortando caminho e está ficando muito difícil para nós aqui. Os colegas caminhoneiros reclamam demais e não tem um que senta aqui e não acha ruim e fala com a gente. Os caras deixam de se alimentar, de tomar um refrigerante, de almoçar ou jantar para poder economizar para o pedágio. Não é que eu esteja puxando a sardinha para o lado do comércio, mas temos que ser realistas. Não justifica esse preço de R$ 9,20 porque tem estrada melhor com o pedágio bem abaixo disso”.
O relato acima é de Paulo Roberto Alves, que trabalha na cozinha Casa do Caipira, lanchonete e restaurante completamente vazio enquanto ele dava seu depoimento à reportagem por volta das 16h de uma terça-feira. O estabelecimento está localizado às margens da MG-290 no município de Borda da Mata. Poucos quilômetros à frente está localizada uma das oito praças de pedágio que cobra R$ 9,20 como taxa básica para veículos de passeio.
A MG-290 integra o lote Sul de Minas, um dos três concedidos pelo governo estadual à EPR no ano passado, ao lado do conjunto de rodovias do Triângulo Mineiro e outro também no Sul do estado, chamado de Vias do Café. Os pontos de cobrança espalhados por oito rodovias começaram a operar a partir de outubro de 2023 e estarão funcionando em sua totalidade até o fim do mês que vem.
A empresa arrematou, na semana retrasada, o direito de administrar a BR-040 entre BH e Juiz de Fora pelos próximos 30 anos e o preço cobrado nas três praças de pedágio do trecho deve girar em torno de R$ 12,35.
Impactos sobre pequenas cidades
As estradas no Sul de Minas são de boa qualidade. Embora não tenham grandes extensões de acostamentos e faixas adicionais, o asfalto tem aparência de recém-instalado e há poucos buracos e irregularidades no calçamento. A reclamação geral, no entanto, jaz no preço cobrado aos motoristas e moradores locais. Como as concessões foram feitas em lotes, os pedágios estão também nas pequenas estradas que conectam cidades com menos de 10 mil habitantes aos polos da região, o que gera reclamação por parte de quem tem sua atividade econômica dependente de circular diariamente por estes trechos.
É o caso do caminhoneiro José Maria de Souza, que circula entre cidades de dois lotes concedidos à EPR, o Sul de Minas e o Vias do Café. O segundo ainda não tem pedágios funcionando, mas eles terão a tarifa de R$ 13,18 acrescida do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) no momento de início das atividades, previsto para acontecer ainda este ano.
“A gente passa ali entre Varginha e Três Corações. Se for mais de R$ 12 para lá e R$ 12 para cá, fica em 24 ‘contos’ todo dia. Chega no final do mês e fica como? A Fernão Dias duplicada é R$ 2,90. Aí, uma rodovia simples daquela vai ser R$ 12? Para justificar, tinham que no mínimo duplicar, como é para São Paulo. Agora eles fazem uma rodovia simples dessas e cobram esse valor. Não vai reduzir as viagens, mas o preço da mercadoria vai subir. O pedágio aqui tinha que ser no máximo R$ 4”, afirma o profissional, citando o valor cobrado na via Fernão Dias, trecho da BR-381 entre Belo Horizonte e São Paulo.
Preocupação entre produtores rurais
José Maria reclamava do valor cobrado nas estradas do sul do estado em frente à sede da CooperRita, cooperativa de produtores de leite de Santa Rita do Sapucaí, às margens da BR-459. A percepção de quem trabalha com transporte na região é que o valor cobrado nos pedágios vai afetar todos os lados da cadeia produtiva, desde quem fornece a matéria-prima até o consumidor final, passando, é claro, pelo setor de transportes.
Ouvindo o depoimento queixoso do colega enquanto aguardava a entrada na cooperativa estava Antônio Marcos dos Santos, dono de uma transportadora. Ele deixou claro que não se opõe à ideia de pagar pedágios, mas discorda do preço cobrado pela EPR no lote Sul de Minas e apela para o argumento de que as tarifas altas podem impactar nos preços dos produtos na região.
“Tem pedágio que fica por conta dos produtores e outros por minha conta. Mas é uma reclamação geral. Às vezes, o cliente quer baixar o preço do frete por causa do pedágio. Isso acaba afetando o produtor porque, veja bem, eu pago o pedágio ou o comprador paga o pedágio para mim. De onde ele vai tirar essa diferença? Vai querer pagar um pouco menos para o produtor para reembolsar a perda pela tarifa. Não sou contra cobrar pedágio não, mas poderia ser um valor pequeno, não um absurdo desse”, afirmou o empresário.
Em resposta às reclamações, a EPR afirma que os pedágios da empresa contam com o mecanismo do Desconto de Usuário Frequente. Por meio dele, a depender da praça de pedágio, pode variar de 13% a 98% nas rodovias EPR Sul de Minas, e de 56% a 92% nas rodovias EPR Vias do Café. Para tanto, é necessário comprar uma tag. Nas praças de cobrança percorridas pela reportagem, não havia avisos sobre o benefício.
Preço único e modelos de concessão
A EPR é responsável por seis rodovias no lote Vias do Café e por oito no Sul de Minas. Este modelo de concessão é diferente do que será realizado pela empresa na BR-040, quando esta será a única estrada administrada pela concessionária. Professor do Departamento de Engenharia de Transportes e Geotecnia da Escola de Engenharia da UFMG, José Elievam Bessa Júnior explica que entende o modelo de concessão por lotes de estradas mais interessante que o de rodovia única, por permitir que a privatização das vias alcance também os caminhos que não seriam interessantes no caso de uma tentativa de concessão.
“Acho que o modelo de concessão que é focado numa rodovia acaba sendo pior do que esses que levam em consideração uma rede. O que eu quero dizer é que toda rodovia que tem uma capacidade alta, como é o caso da BR-381 ou da 040, é alimentada por outras rodovias. Então, se você colocar essas vias estruturais, que ligam regiões mais desenvolvidas, há uma tendência a ter mais gente interessada na concessão, o que não vai acontecer nas rodovias de menor capacidade. Então, se alguém vai gerir só rodovias de menor capacidade, a empresa, para não correr o risco de ter um problema no futuro, vai se interessar em concessões com uma taxa de retorno maior do que no caso de concessões de rodovias mais estruturais”, avalia.
Estratégia comum
Uma das críticas apontadas por motoristas que circulam nos lotes concedidos pelo estado à EPR é que o preço do pedágio é o mesmo em todas as praças de cobrança, não fazendo distinção entre rodovias de menor porte que ligam pequenos municípios com as que ligam cidades polo com vias de acesso à grandes metrópoles, como a BR-381, no caso específico. o professor da Escola de Engenharia explica que o modelo não é obrigatório em todos os casos, mas é uma estratégia comum.
“Desconheço que haja sempre uma obrigatoriedade em manter o mesmo valor de pedágio em todas as praças. No entanto, entendo que possa existir, algumas vezes, essa solução de ter um pedágio único para que o usuário se sinta confortável ao percorrer uma rodovia ou rede viária sem grandes variações no preço. É possível fazer um paralelo com o transporte público urbano. Tem gente que sai das regiões mais periféricas da cidade e gente que usa o transporte público mais na região central, e todos pagam a mesma tarifa. Percebe-se que alguns usuários utilizaram menos da infraestrutura, mas acabaram pagando o mesmo que aqueles que percorreram distâncias maiores. Vale ressaltar que questões como essa também podem estar amarradas em contrato, podendo haver contratos que determinam a política do preço único, embora o contrário, em algum momento, também poderá vir a ocorrer”, destaca.
De acordo com a EPR, os valores das tarifas estavam preestabelecidos no edital de licitação publicado pelo Governo de Minas com base em estudos técnicos para viabilizar os investimentos previstos ao longo de todo o contrato de concessão. Em nota, a empresa ressalta que todas as estradas receberão investimentos de grande porte ao longo do prazo de concessão e que a recuperação estrutural de base do pavimento será realizada em todas as rodovias.