Comitê de Assuntos Judiciários da Câmara dos Deputados dos EUA de fato publicou documentos emitidos pelo STF e pelo TSE, mas como parte de um ato de supervisão sobre o governo do presidente Joe Biden, e não sobre o Judiciário brasileiro -  (crédito: Projeto Comprova)

Comitê de Assuntos Judiciários da Câmara dos Deputados dos EUA de fato publicou documentos emitidos pelo STF e pelo TSE, mas como parte de um ato de supervisão sobre o governo do presidente Joe Biden, e não sobre o Judiciário brasileiro

crédito: Projeto Comprova

Enganoso

Não é verdade que o Congresso dos Estados Unidos esteja investigando o STF, instância máxima do Judiciário brasileiro, e que possa punir seus integrantes. O Comitê de Assuntos Judiciários da Câmara de Deputados norte-americana de fato divulgou ofícios do STF e TSE, mas eles foram obtidos por meio de solicitação à X Corp., empresa de Elon Musk. A ação do comitê legislativo dos EUA, portanto, não tem consequências legais. O fato de o Brasil ser um país soberano impede que qualquer decisão do STF ou do TSE esteja sujeita a revisão por instâncias estrangeiras, do mesmo modo que seus integrantes não podem ser julgados por decisões tomadas no território nacional.

Conteúdo investigado: Publicação afirma que foi “péssima” ideia investigar o empresário Elon Musk no inquérito das milícias digitais, ao qual se refere como “fora da lei”. O post diz ainda que o STF foi incluído em uma investigação do Congresso dos Estados Unidos e seus membros “estarão sujeitos às penalidades legais e criminais do direito americano e internacional”.

Onde foi publicado: X.

Conclusão do Comprova: Publicação nas redes sociais engana ao afirmar que o Supremo Tribunal Federal (STF) ficará “sujeito às penalidades legais e criminais do direito americano e internacional” por ter sido citado em um relatório do Congresso dos Estados Unidos. Nesta semana, o Comitê de Assuntos Judiciários da Câmara dos Deputados dos EUA de fato publicou documentos emitidos pelo STF e pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mas como parte de um ato de supervisão sobre o governo do presidente Joe Biden, e não sobre o Judiciário brasileiro.

Os documentos foram obtidos pelo Congresso norte-americano uma semana após o ministro Alexandre de Moraes determinar que Elon Musk, dono do X (ex-Twitter), fosse investigado no inquérito das milícias digitais. A decisão de Moraes foi anunciada em 7 de abril, depois que Musk fez uma série de ataques às determinações do magistrado de bloquear perfis na plataforma e chamou a medida de “censura agressiva”.

Ao Comprova, o professor do Departamento de Direito do Estado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Wallace Corbo explicou que as comissões americanas podem discutir questões que considerem politicamente relevantes e até requisitar informações e depoimentos, mas que possíveis conclusões não têm força de decisão judicial. “Essa eventual decisão ou conclusão a que chegue essa comissão não implica qualquer tipo de condenação a quem quer que seja, seja ao Brasil, seja a um ministro do Supremo”, disse.

No Brasil, quem pode julgar os ministros do STF é o Senado, por violação à legislação brasileira. E as decisões da jurisdição brasileira não estão sujeitas a nenhum tipo de reavaliação por instâncias estrangeiras. “Está completamente fora de cogitação a decisão judicial brasileira ser revista pelos Estados Unidos”, afirmou Corbo.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 19 de abril, a publicação teve 432,2 mil visualizações, além de 8 mil curtidas, mil compartilhamentos e 808 comentários.

Fontes que consultamos: Inicialmente, procuramos por informações sobre o Congresso dos Estados Unidos investigar o STF brasileiro na imprensa profissional, que nos levou a matérias sobre uma comissão da Câmara dos Deputados americana ter solicitado informações ao X Corp. a respeito de decisões do Supremo e TSE relacionadas à rede social. Em seguida, buscamos informações sobre a inclusão de Elon Musk no inquérito das milícias digitais e os embates entre o empresário e Alexandre de Moraes. Por fim, consultamos especialistas em Direito do Estado e em Legislação Internacional.

Elon Musk no inquérito das milícias digitais

No dia 7 de abril, Alexandre de Moraes determinou que o dono do X fosse incluído como investigado no inquérito das milícias digitais. A decisão ocorreu depois que o empresário fez uma série de publicações na rede social que, segundo o ministro, são uma “campanha de desinformação” que instiga “desobediência e obstrução à Justiça”. O magistrado estabeleceu que, caso a plataforma desobedeça qualquer ordem judicial e reative perfis bloqueados pelo STF ou TSE, será aplicada à empresa multa diária de R$ 100 mil por perfil.

Em 9 de abril, Moraes negou o pedido de isentar a representação brasileira do X de ser afetada por decisões judiciais tomadas no Brasil. A plataforma solicitou que somente a sede internacional respondesse a possíveis processos. Em 13 de abril, o magistrado autorizou depoimentos de representantes do X no país, atendendo a um pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), que busca saber se Elon Musk ordenou alguma postagem em relação a perfis vedados por ordem judicial, se a empresa desbloqueou alguma conta suspensa por determinação judicial e, caso tenha ocorrido, quem é o responsável.

Ao informar o Supremo sobre o requerimento do comitê legislativo americano à X Corp., a defesa do X Brasil afirmou que todas as ordens expedidas pelo STF e TSE “permanecem e continuarão a ser integralmente cumpridas”. Os advogados esclareceram ainda que os documentos solicitados são confidenciais e estão resguardados por sigilo judicial e, por isso, solicitou que as autoridades dos Estados Unidos mantenham e respeitem a confidencialidade e o sigilo.

Contudo, em 17 de abril, a ala republicana da Comissão de Assuntos Judiciários da Câmara dos EUA divulgou um relatório afirmando existir uma “campanha de censura do Brasil” e criticando o que chamou de “silêncio da administração” do presidente americano Joe Biden em relação ao “ataque da liberdade de expressão no exterior”. O documento inclui ofícios enviados às plataformas para cumprimento de decisões do Supremo e do TSE, determinando a retirada de perfis de plataformas como X, Facebook e Instagram e afirma que seu objetivo é examinar “como os governos de outros países têm procurado censurar o discurso online”.

De acordo com o STF, o material divulgado não contém as decisões que determinaram a retirada de conteúdos ou perfis, mas sim dos ofícios enviados às plataformas para cumprimento da decisão. “Fazendo uma comparação, para compreensão de todos, é como se tivessem divulgado o mandado de prisão (e não a decisão que fundamentou a prisão) ou o ofício para cumprimento do bloqueio de uma conta (e não a decisão que fundamentou o bloqueio),” afirmou o Tribunal em nota ao Comprova. “Todas as decisões tomadas pelo STF são fundamentadas, como prevê a Constituição, e as partes, as pessoas afetadas, têm acesso à fundamentação”, concluiu.

Para Corbo, uma vez que a comissão do Congresso dos EUA tem a presença de republicanos que dialogam com a direita internacional, as medidas adotadas estão no campo político. “O máximo que eles podem conseguir, na melhor das hipóteses, para esse movimento, é algum tipo de manifestação de política externa, de relações diplomáticas, mas mesmo isso é muito remoto”, afirmou o professor, que lembrou das relações diplomáticas entre os dois países.

“A gente está falando de um pequeno grupo de republicanos dentro de uma comissão na Câmara dos Deputados, num país que ainda é governado por um presidente democrata, um país que tem relações comerciais muito sólidas com o Brasil”, analisa.

O trabalho da comissão pode resultar em relatórios com recomendações, por exemplo, de mudanças na política de uso do X, conforme explicou Erick Beyrut, mestre em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e especialista em Legislação Internacional. “O que pode acontecer é eles elaborarem, ao final, relatórios com sugestões de diretrizes de atuação para o X, como os termos de uso a serem adotados”.

O advogado ressalta, no entanto, que todas as propostas devem, obrigatoriamente, seguir as leis brasileiras e estar em conformidade com as decisões judiciais do país.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: É comum que a aplicação das legislações brasileira e americana, bem como a política nacional e internacional, gerem dúvidas e provoquem desinformação. Recentemente, o Comprova explicou as diferenças entre a liberdade de expressão no Brasil e nos Estados Unidos. O Comprova também desmentiu que o FBI tenha investigado Alexandre de Moraes por envolvimento com narcotráfico e que o presidente Lula (PT) desfez acordo do Mercosul com a União Europeia por tratado com a França.

Investigado por: Estado de Minas e O Dia

Verificado por: UOL, Estadão, Revista piauí, Band News FM e Folha de S. Paulo