O Senado acionou o STF (Supremo Tribunal Federal) nesta sexta-feira (26) contra a decisão liminar que suspendeu trechos da lei que prorrogou a desoneração da folha de empresas e prefeituras e disse que o ministro Cristiano Zanin baseou-se "em pressupostos fáticos equivocados".
A decisão liminar deve ser referendada pelos demais ministros do Supremo. Até o momento, ao todo, são cinco votos para manter a suspensão. Além de Zanin, votaram pela manutenção da liminar Gilmar Mendes, Flávio Dino, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin.
A medida estava por um voto para formar maioria na corte quando o ministro Luiz Fux pediu vista (mais tempo para análise). O pedido de vista não afeta a liminar, ou seja, permanece suspensa a desoneração da folha. O caso abriu mais uma crise entre governo e Congresso. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), havia prometido recorrer.
A Advocacia do Senado defende a revogação da liminar, afirma que Zanin não tinha competência "para conceder medida cautelar monocrática, por violação à cláusula de reserva de plenário", e, por fim, pede que o plenário casse a decisão.
A petição, assinada pelos advogados Hugo Souto Kalil, Mateus Fernandes Vilela Lima, Fernando César Cunha e Gabrielle Tatith Pereira, afirma que o "chefe da Advocacia-Geral da União [Jorge Messias], neste caso, deixa de observar o seu papel de curador da lei, já que assina a inicial da ADI [ação direta de inconstitucionalidade]".
O Senado cita ainda o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que também assinou o pedido para derrubar a lei com Messias. "E mais. A leitura apresentada pelo excelentíssimo senhor presidente da República, ora agravado, desconsidera a existência de uma autorização constitucional para a prorrogação que se operou pela Lei n. 14.784/2023", afirma a petição.
A ação afirma que a suspensão do benefício se deu por decisão monocrática – tomada por só um só ministro – e foi submetida ao plenário virtual "sem que sequer fossem ouvidos, tempestivamente, o Congresso Nacional e o Procurador-Geral da República".
Ao suspender parte da lei, Zanin deu dez dias para que a Câmara dos Deputados, o Senado e a Presidência da República se manifestem. O Senado afirma, no entanto, que o prazo é "inútil" porque a decisão do plenário "antecede" os dez dias.
"Trata-se de uma decisão nula, porque violadora do devido processo legal e, ainda, do princípio da independência e harmonia entre os Poderes, já que a simetria constitucional exige que uma norma aprovada pelo colegiado das duas Casas do Congresso Nacional somente tenha sua eficácia suspensa pela maioria absoluta dos membros do Supremo Tribunal Federal."
Na decisão que suspendeu a desoneração fiscal, Zanin afirmou que a proposta que deu origem à legislação "não foi acompanhada, em nenhuma das etapas de sua tramitação legislativa, da estimativa apropriada do impacto orçamentário e financeiro da desoneração".
O Senado rebateu o argumento com trechos do projeto de lei e da emenda apresentada pelo relator, senador Ângelo Coronel (PSD-BA), que beneficiou as prefeituras. O trecho, copiado pelo Senado no recurso protocolado ao Supremo, dizia: "Em números, o governo federal deixaria de arrecadar R$ 9 bilhões anualmente, valores reduzidos diante dos benefícios aos demais entes federados".
Na manhã desta sexta, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), reuniu-se com consultores legislativos e o autor do projeto de lei, senador Efraim Filho (União Brasil-PB), e chamou a ação da AGU de "catastrófica". "[O assunto] surpreendeu a todos, especialmente pelo momento que nós estamos vivendo de discussão e busca por alinhamento entre o governo federal e o Congresso Nacional", disse Pacheco após se reunir com consultores do Senado.
O presidente do Senado elencou medidas do Ministério da Fazenda aprovadas pelo Congresso que deram fôlego às contas públicas e disse que o governo agiu como se o problema do Brasil fosse provocado pelos municípios e pelos 17 setores da economia beneficiados.
"O que gerou perplexidade e muita insatisfação ao Congresso Nacional foi o comportamento do governo federal. Por que precipitar uma ação dessa natureza, que acaba fomentando o fenômeno que nós queremos evitar no Brasil, que é a judicialização política, quando nós estamos discutindo justamente nessa semana adiamento de sessão do Congresso Nacional [...]?".
Apesar das duras críticas ao governo federal, o senador poupou o Supremo e fez questão de dizer que "a indignação é com o governo e não com o Judiciário". Pacheco declarou ainda que "qualquer decisão será respeitada", "evidentemente".
"Decisões judiciais, não nos cabe fazer qualquer tipo de ataque. Por mais que a gente discorde, a gente respeita. É muito importante que a gente retome a lógica de respeito a decisões judiciais no Brasil. O que nos surpreendeu foi a decisão do governo federal."
Após a declaração, o ministro da AGU, Jorge Messias, afirmou em nota que tem "profundo respeito" por Pacheco, que o ministério apresentou argumentos técnicos jurídicos na ação e que é importante o "diálogo institucional". "Do ponto de vista da atuação institucional da AGU, faz-se necessário pontuar que apresentamos argumentos técnicos jurídicos pela inconstitucionalidade da chamada legislação que prorrogou e/ou criou desoneração para 17 setores e para os cerca de 5 mil municípios", disse Messias.
"A atuação da AGU, portanto, em assistência ao Presidente da República, sempre se pautará pelo mais elevado respeito institucional aos Poderes da República e seguirá no bom rumo da construção da harmonia entre os Poderes", afirmou o ministro na nota.
O principal argumento do relator da matéria no STF é o de que a desoneração foi aprovada pelo Congresso "sem a adequada demonstração do impacto financeiro". O governo diz que há violação da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) e da Constituição.
Do ponto de vista técnico, Pacheco afirmou que o Congresso vai demonstrar ao Supremo que houve a estimativa orçamentária e financeira exigida por lei. O senador ainda sugeriu um estudo para analisar o impacto da desoneração no pagamento da contribuição por parte das prefeituras.
"Esse requisito invocado pela AGU como descumprido para justificar o acolhimento da ADI [ação direta de inconstitucionalidade] não procede. Isso está materializado no processo legislativo e nas demonstrações que nós faremos ao Supremo Tribunal Federal."
A desoneração da folha foi criada em 2011, na gestão Dilma Rousseff (PT), e prorrogada sucessivas vezes. A medida permite o pagamento de alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, em vez de 20% sobre a folha de salários para a Previdência.
A desoneração vale para 17 setores da economia. Entre eles está o de comunicação, no qual se insere o Grupo Folha, empresa que edita a Folha. Também são contemplados os segmentos de calçados, call center, confecção e vestuário, construção civil, entre outros.
A prorrogação do benefício até o fim de 2027 foi aprovada pelo Congresso no ano passado e o benefício foi estendido às prefeituras, mas o texto foi integralmente vetado por Lula. Em dezembro, o Legislativo decidiu derrubar o veto.
SETORES FALAM EM 'RETROCESSO' E AUMENTO DO DESEMPREGO
As entidades afetadas pela medida reagiram com reprovação. Uma nota conjunta assinada por representantes dos 17 setores destaca que eles empregam 9,3 milhões de profissionais, e que foram criados 151 mil empregos nos dois primeiros meses de 2024. "Além disso, o salário médio nestes setores é 12,7% superior aos setores que não contam com essa desoneração tributária."
De acordo com a Cbic (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), restabelecer a tributação exclusivamente sobre a mão de obra implicará na queda da competitividade e na redução de postos de trabalho.
"A construção trabalha com ciclos de produção e planejamento de longo prazo. É danoso para o setor que uma obra seja iniciada considerando uma forma de contribuição e que, no meio do processo, [a empresa] precise considerar um novo formato", diz Renato Correia, presidente da entidade.
O presidente executivo da Abicalçados (Associação Brasileira da Indústria de Calçados), Haroldo Ferreira, classifica a medida como um "retrocesso".
"É um balde de água fria para o setor calçadista, que recentemente reportou a criação de mais de 5 mil empregos no primeiro bimestre do ano, no que parecia ser o início de uma recuperação lenta e importante depois de um ano de 2023 de dificuldades."
Um estudo divulgado pela entidade estima um impacto de redução da produção acima de 20% (o equivalente a 150 milhões de pares), e a demissão de aproximadamente 30 mil trabalhadores após dois anos de reoneração da folha.
"Ao judicializar a questão, o Executivo cria um cenário de total imprevisibilidade, que gera incertezas, abala a confiança dos setores produtivos e conspira contra a manutenção e criação de empregos", avalia a Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção).
Para os representantes do setor têxtil, a insegurança jurídica tem corroído a competitividade e agravado os custos das empresas que operam no Brasil.
Segundo a Fetpesp (Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo), a decisão, "claramente contrária à preservação dos empregos no país", vai ter um impacto negativo nas empresas de transporte que ainda sofrem com os efeitos da pandemia.
"Além disso, aumentará o custo das tarifas de ônibus, sobrecarregando a população que depende desse meio de transporte."
"Caso a medida seja derrubada, os impactos socioeconômicos serão graves, pois a imprevisibilidade referente à contribuição previdenciária patronal, agravando os ônus trabalhistas, causará imenso prejuízo às empresas", diz nota da Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo).
Segundo a entidade, as empresas já fizeram investimentos e admitiram trabalhadores a partir de cálculos que consideravam a manutenção da desoneração.
A Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro) defende a manutenção da lei, "de forma a manter a competitividade de importantes setores da economia nacional, evitando, assim, penalizar novamente o setor produtivo".