Em meio a um cabo de guerra entre Executivo e Legislativo em Brasília, tramita no Senado uma pauta que, em paralelo aos assuntos de primeira urgência do país, acrescenta mais elementos à intrincada relação entre o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e os parlamentares. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 10/2023, conhecida como PEC do Quinquênio, de autoria do presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), prevê aumentos de 5% nos vencimentos de juízes, promotores e outras carreiras do Judiciário a cada cinco anos.
O secretário-geral do Sinfazfisco-MG, João Batista Soares, explica o cálculo realizado a partir da folha salarial anual dos magistrados e integrantes do Ministério Público no estado. Ele ressalta que a cifra de R$ 75 milhões não leva em consideração eventuais manobras no Judiciário para ampliar os benefícios concedidos. O auditor-fiscal também faz uma breve análise do cenário político no qual a PEC tramita e acredita que o texto não deve ter futuro em Brasília.
“O impacto estimado será de R$75 milhões no primeiro ano de vigência, cujos gastos se repetirão a cada 5 anos. Isso se não houver alguma manobra do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), que frequentemente as fazem para adiantar valores ou retroagir os direitos criados. O cálculo foi em cima da massa salarial anual, na ordem de R$ 1,34 bilhão anuais para os dois órgãos. Esse valor fica ainda maior se os efeitos da PEC se estenderem para outras carreiras como membros da Advocacia-Geral do Estado (AGE), auditores da Secretaria de Estado da Fazenda e conselheiros do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Mas parece que o governo federal conseguirá impedir a tramitação dessa PEC. Há um esforço tremendo para isso”, destacou Soares.
A proposta de Pacheco, que está em rota de colisão com Lula nas últimas semanas, é temida pelo governo federal, que calcula um rombo anual na casa dos R$ 40 bilhões causado pelas bonificações. Neste ínterim, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT-SP) tem se reunido com senadores para tentar desarmar a pauta-bomba implantada pelo presidente do Congresso. O petista apela para o discurso da responsabilidade fiscal, tema historicamente caro aos opositores de gestões do partido, para desidratar a PEC ou tirá-la de tramitação.
Na última quinta-feira aconteceu a terceira sessão de discussão em primeiro turno da PEC 10/2023. Mais duas ainda devem ser pautadas antes que a proposta vá a votação no Senado. Para entrar em vigência, uma Proposta de Emenda à Constituição deve ser votada no Senado e na Câmara em dois turnos e necessita de 49 e 308 votos favoráveis em cada casa, respectivamente, para ser aprovada. Neste caso, a medida é inserida no texto constitucional sem a necessidade de sanção presidencial.
Texto turbinado
A oposição não perdeu a oportunidade de tornar a PEC apresentada por Pacheco ainda mais incômoda ao governo federal. O projeto foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado com um substitutivo apresentado pelo relator do texto, o senador Eduardo Gomes (PL-TO). A nova designação da medida acrescenta mais categorias como beneficiárias dos aumentos quinquenais, como membros da Advocacia Pública da União, dos estados e do Distrito Federal; membros da Defensoria Pública; delegados; e ministros e conselheiros de Tribunais de Contas.
Os aumentos de 5% nos salários a cada cinco anos tem limite de 35% de reajuste, ou seja, 35 anos de serviço público. O texto ainda assegura a contagem de tempo anterior à data da publicação da PEC e também será válida para aposentados e pensionistas que têm direito a igualdade de rendimentos com os funcionários em atividade.
Analisando apenas a folha de março deste ano dos magistrados mineiros, o total de créditos concedidos à categoria somam mais de R$ 542 milhões, sendo compostos por quase R$ 3 milhões em gratificações; R$ 50,5 milhões em auxílios para alimentação, transporte, educação, saúde, natalidade, moradia e ajuda de custo. Bonificações como adicional por tempo de serviço, somaram R$ 203,4 milhões.
Oposição ampla
Além dos governistas no Congresso, entidades de diferentes espectros ideológicos já se manifestaram contra a aprovação da PEC do Quinquênio. Nota publicada pelos grupos Liberais Livres e Ranking dos Políticos argumentam contra a medida a partir da discrepância já existente entre os rendimentos dos servidores que se beneficiariam com a proposta e a média nacional. De acordo com o documento, o custo médio mensal por magistrado é de R$ 69,8 mil ante a um rendimento médio per capita de R$ 1.848 no ano passado, segundo o IBGE. A Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Judiciário Federal e Ministério Público da União (Fenajufe) também emitiu nota pública sobre o tema. “Considerando que não está previsto orçamento complementar para atender esta emenda constitucional (nem para magistratura), a sua aplicação vai ocupar ainda mais o orçamento com a cúpula, não deixando espaço para as reivindicações básicas dos/as servidores/as”.