Há 60 anos, liderada pelo general Olympio Mourão Filho, comandante da 4ª Região Militar do Exército, uma tropa partiu de Juiz de Fora, na Zona da Mata Mineira, em direção ao Rio de Janeiro, para dar apoio ao golpe civil-militar, que destituiu o governo de João Goulart (PTB) e impôs no Brasil uma ditadura de 21 anos. Ontem, para relembrar esse fato, diversas entidades fizeram a “Marcha da Democracia” que partiu logo pela manhã da Cinelândia, no Rio de Janeiro, em direção a Juiz de Fora, onde chegou na Praça Antônio Carlos, no centro da cidade, quase no fim da tarde.

O evento reuniu, em um ato público para celebrar a democracia, familiares do presidente João Goulart, agraciado pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) com o título de Doutor Honoris Causa pós-morte, ex-presos políticos, parlamentares cassados e parentes de pessoas presas e assassinadas pelo regime militar.



A entrega do título de doutor ao ex-presidente foi feita em sessão solene do Conselho Superior (Consu) da UFJF, no Museu de Arte Murilo Mendes, antes do ato na Praça Antônio Carlos, na presença de filhos e netos de Goulart.

João Vicente Goulart, um dos filhos do ex-presidente, chamou o golpe militar de “tragédia de 64” que levou o país a “21 anos de silêncio, ditadura, perseguição e morte”. “O povo brasileiro não merecia ter passado por toda essa tragédia”, disse João Vicente, no ato na Praça Antônio Carlos, que foi transmitido ao vivo pela Prefeitura de Juiz de Fora nas redes sociais. João Vicente agradeceu o “sangue e sacrifício de todos aqueles que tombaram no caminho da democracia” e afirmou que o Brasil não pode mais conviver com ameaças de golpe feitas por “generais de quatro estrelas”. “O país tem dono. E o dono é o povo brasileiro que precisa recuperar seus direitos e viver em uma sociedade igualitária”, defendeu o filho do ex-presidente, que já foi deputado estadual pelo Rio Grande do Sul e candidato à Presidência da República em 2018.

A prefeita de Juiz de Fora, Margarida Salomão (PT), anfitriã do ato, afirmou que a marcha, também batizada de reversa, não muda “infelizmente os acontecimentos que levaram à longa noite de 21 anos”, mas é necessária para lembrar à população do que ocorreu e evitar que novamente aconteça. Margarida leu uma postagem feita anteontem pela ex-presidente Dilma, afastada do cargo em 2016, e ex-presa política, na véspera do golpe de 64, que relacionou os acontecimentos do passado com a tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023. Na rede social X, Dilma, que hoje preside o Brics, afirmou que “manter a memória e a verdade histórica sobre o golpe militar que ocorreu no Brasil há 60 anos, em 31 de março de 1964, é crucial para assegurar que essa tragédia não se repita, como quase ocorreu recentemente, em 8 de janeiro de 2023”.

A prefeita também saudou a concessão do título de doutor ao ex-presidente, segundo ela, “uma reparação imprescindível à memória de João Goulart, um presidente que teve a coragem de brandir uma pauta progressista”.

Exposição


Em Belo Horizonte, também houve manifestação para lembrar os 60 anos do golpe militar. Uma exposição no centro trouxe à luz os rostos e os nomes de 49 mineiros que foram vítimas da ditadura ou que ainda estão desaparecidos até os dias de hoje. Um varal com as fotos dessas pessoas foi estendido no quarteirão fechado da rua Rio de Janeiro, no Centro, onde as pessoas puderam conhecer um pouco mais sobre esse período sombrio da nossa história.

A exposição foi organizada pelo Superintendente do Ministério do Trabalho e Emprego em Minas Gerais (MTE-MG), Carlos Calazans. Quem passou pelo local pôde observar um cenário de memória e resistência. As imagens estavam acompanhadas das frases “memória, justiça e reparação” e “ditadura nunca mais!”.

O óptico Wellerson Borges de Oliveira, de 49 anos, passava pelo local e se interessou pela manifestação artística. Ele foi flagrado pela reportagem observando o retrato da estilista mineira Zuzu Angel, mãe do militante Stuart Edgar Angel Jones, torturado e assassinado pela ditadura. “Mulher promissora, batalhadora, estava à frente do seu tempo”, descreve Wellerson ao admirar o retrato da estilista.

Zuzu passou anos denunciando as arbitrariedades da repressão até morrer em um acidente de carro suspeito em 1976, conforme informa o "Memórias da Ditadura", portal do Instituto Vladimir Herzog.
À reportagem, Wellerson disse que não sabia da exposição e foi surpreendido. “Fui pego de surpresa. Já estudei um pouco de Zuzu Angel, já estudei um pouco da ditadura militar, muitos foram injustamente, que é o caso da Zuzu Angel, que lutava por um ideal. Lutava por direitos da mulher, direitos da criança, do adolescente, do jovem, e de uma liberdade expressiva e política naquela época, quando o Brasil era massacrado por uma ditadura inescrupulosa”, disse.

Na tarde de ontem, também foi realizado o ato público “Sem anistia! Ditadura nunca mais!”, convocado por centrais sindicais, movimentos sociais e partidos políticos. Os manifestantes se reuniram em frente a antiga sede do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), na Avenida Afonso Pena, onde será instalado o Memorial dos Direitos Humanos. A ex-deputada federal Jô Moraes (PCdoB), ex-presa política durante o regime militar, levou para o ato os documentos falsos que teve que usar para escapar da repressão. "É preciso que a sociedade entenda que o ditadura militar que nós vivemos, que eu vivi, não pode se repetir. Nós não podemos nos enganar com o discurso autoritário que temos hoje. A ditadura trouxe sofrimento, me afastou da minha família. Minha mãe morreu sem que eu pudesse ir no velório vê-la porque tinha polícia me esperando", lembrou. 

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