Correio Braziliense - Convidados do Podcast do Correio desta segunda-feira (1/4), os jornalistas Armando Rollemberg, diretor da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), e Aylé Salassié, professor da Universidade de Brasília (UnB), relembraram o período em que foram perseguidos pelo regime militar e traçaram uma análise do que chamaram de “herança maldita” do período, que se estende para além das torturas.

Aos jornalistas Carlos Alexandre de Souza e Evandro Éboli, Armando Rollemberg explicou que a ditadura deixou uma série de legados maléficos para a sociedade brasileira. Ele explicou que, para além das torturas e desaparecimentos, o período foi responsável pelo aumento da desigualdade de renda no país e pela geração de uma enorme dívida decorrente do “milagre econômico”.

 



 

“Houve uma herança maldita, como se começou a comentar, e essa expressão ganhou um cunho histórico. Sem falar na tortura, nos 434 desaparecidos — segundo a Comissão Nacional da Verdade —, os 176 parlamentares cassados de uma só vez, ministros do Supremo (Tribunal Federal) que foram também, os quatro fechamentos do Congresso Nacional. Então, sob qualquer aspecto que se fale dos 21 anos do regime militar, existe essa herança”, lamentou.

Sobre os desdobramentos que levaram à realização do golpe, a dupla vê como uma “quebra de legalidade” a justificativa de que o presidente João Goulart (Jango) — que era um latifundiário do Rio Grande do Sul — fosse comunista. Eles explicaram que o golpe se baseou em uma insatisfação existente dentro das Forças Armadas e utilizou o discurso pró-reforma agrária do presidente para dominar a opinião pública com uma narrativa de “ameaça comunista”.

“O discurso que Jango fez em frente à Central do Brasil, em frente à área militar, que hoje é tido como o grande catalisador do processo, se você for ver, é um discurso inteligente, de medidas necessárias. Nenhum país civilizado no mundo chegou onde chegou sem reforma agrária. Nós nunca tivemos a reforma agrária no Brasil. Somos um país imenso, onde seria muito mais fácil do que foi na Europa e em diversas regiões do mundo. Isso foi um fator importantíssimo para deflagrar o clima dentro das forças, além de outras medidas que, naquele discurso histórico, foram colocadas. Era um plano de governo diferenciado, interessantíssimo”, explicou Rollemberg.

A dupla contou sobre os primeiros contatos que tiveram com a ditadura. Rollemberg relembrou um episódio em que, ainda menino, viu três tanques das Forças Armadas estacionarem em frente ao Bloco E da Quadra 206, na Asa Sul, em uma tentativa de pressão política.


“Foi a primeira vez que três tanques estacionaram em frente ao Bloco E da 206 Sul, um em cada canto e um no meio, numa maneira de pressionar — ninguém sabe direito o porquê —, mas aquilo me marcou muito enquanto menino. Três tanques do exército manobrando. Além disso, também me lembro do meu pai, à noite, muito preocupado com as listas de cassações que eram lidas na Voz do Brasil”, relatou.

Por sua vez, Selassié — que está lançando o livro Território Livre — é proibido proibir —, contou que cursava o primeiro ano de jornalismo, na Universidade de Brasília (UnB), quando a universidade foi invadida pelos militares, o que acabou forçando-o a assumir a presidência do diretório de estudantes.

“No primeiro ano que eu estava lá foi quando aconteceu a invasão da universidade. Fecharam o curso de cinema. Eu era de uma turma que tinha entrado com 40 alunos, a outra turma de jornalismo, que era uma turma de funcionário público, tinha 20 alunos. E também o curso de cinema tinha menos de 20 alunos. Os 40 que me acompanhavam me indicaram para ser candidato e o cinema indicou um aluno que era genial, Evandro Mauro, que foi eleito; e eu como vice-presidente dele. Aí veio a invasão da universidade, o curso de cinema foi embora, e sobrou para mim a presidência do diretório acadêmico”, lembrou.

Polarização


Rollemberg argumentou que a diferenciação entre “direita” e “esquerda” — a qual Aylé Selassié chamou de “invenção de marketing” — é insuficiente para compreender o debate ideológico que engloba a sociedade atual. Para ele, a ditadura e outros eventos ocorridos no país desde então provam que a democracia é a única “salvação” para a sociedade brasileira.

“Fora da democracia não há salvação. Ou seja, é um cidadão, um voto. Só que isso demanda um regime de liberdade de expressão, liberdade de organização, de ampla possibilidade de as pessoas discutirem suas ideias e mobilizarem seus correligionários. Ficou provado nesses momentos históricos recentes, não só do nosso país, mas como no mundo moderno, que fora da democracia não há solução. Não há como justificar a ditadura militar. Por qualquer viés que você analise, ela é reprovável. O que nós temos que fazer agora é acabar com esse paroxismo que existe no Brasil, que dominou a política”, defendeu.

*Estagiário sob supervisão de Mariana Niederauer

compartilhe