A proposta de emenda à Constituição (PEC) que restringe a participação de militares nas eleições, de autoria do líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), está travada por falta de consenso entre as bancadas. Mas não só por isso. Iniciativa dos governistas, a PEC está causando racha também entre os aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, com isso, desgastando a relação entre lideranças no Senado e o Ministério da Defesa. Apesar do impasse, uma audiência pública foi marcada para o próximo dia 25.

 

O líder do PSD, Otto Alencar (BA), falou que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), "ficou de avaliar o tema, mas não houve um consenso dos líderes a esse respeito". "Houve a discordância de outros senadores e de lideranças de outros partidos. Portanto, não ficou definida e pacificada essa votação", explicou Otto, após a tradicional reunião entre as lideranças.

 



 

A PEC, que veio como uma resposta do governo Lula à politização das Forças Armadas durante o mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), altera o artigo 14 da Constituição Federal, ao inserir um inciso que prevê que o militar, no ato de registro de sua candidatura, seja transferido para a reserva não remunerada. Só poderão ir para a reserva remunerada aqueles que tiverem mais de 35 anos de serviço.

 

"Na minha opinião, (a PEC) tem que ser apreciada. Se a matéria está aí já há tanto tempo para ser analisada, ela deve ser apreciada. Que o Senado venha deliberar a respeito de um tema que, na minha opinião, precisa ser debatido e esclarecido dentro do possível. Até porque causou problemas dentro da estrutura do governo federal, agora, no último governo, do ex-presidente Bolsonaro. A participação foi muito ativa, e levou, inclusive, à estimulação do 8 de janeiro", opinou Otto.

 

A matéria, relatada pelo senador Jorge Kajuru (PSB-GO), acaba esbarrando no projeto de lei que institui o novo Código Eleitoral, sob relatoria de Marcelo Castro (MDB-PI). Ambos os textos apresentam restrições para a candidatura de membros do Exército, da Marinha, da Aeronáutica e da Polícia Militar, e enfrentam impasse e resistência na Casa Alta.

 

A discussão das duas propostas tem gerado divergências, não só entre oposição e situação, mas dentro da base do governo Lula. Para o líder do PSD, a importância de se votar logo a PEC dos Militares está justamente na maturação que o texto tem, em relação ao novo Código Eleitoral. "O texto relatado pelo Marcelo Castro é mais amplo e não vai ser, na minha opinião, resolvido nesse semestre."

 

"Têm várias emendas, várias discussões. Eu, por exemplo, apresentei uma emenda e eu não sou contra a reeleição, sou contra eleição de dois em dois anos. Na minha opinião, não dá para continuar assim, por vários motivos. Eu acho que as eleições devem ser feitas no mesmo ano para todos os cargos. Para Executivo, para Legislativo. Então, isso vai merecer uma discussão mais ampla", declarou Alencar.

 

Lula, em resposta à militarização da Esplanada — espólio da gestão Bolsonaro —, reduziu, no início de 2023, a quantidade de militares nas vagas comissionadas. Entretanto, o primeiro ano do governo petista acabou marcado por rusgas com as Forças Armadas em meio aos ataques aos prédios dos Três Poderes no 8 de janeiro e, por isso, o chefe do Executivo voltou a fazer acenos para o grupo, em busca de apaziguar as relações. O ministro da Defesa, José Múcio, vem atuando como conciliador, tentando melhorar a imagem do Executivo nesse sentido.

 

Na prática, a movimentação acabou adiando indefinidamente a apreciação da proposta. No caso da PEC, o governo escalou Múcio para costurar o parecer junto a Kajuru, para moldar um texto mais aceitável para os militares, como limitar a participação do setor nas eleições, mas permitindo que exercessem cargos como ministros. Mesmo assim, a matéria continua encontrando obstáculos para avançar no Senado, já que a oposição uniu esforços para dificultar a tramitação.

 

Tensão

Múcio chegou a se encontrar com Jaques Wagner no início de março. A reunião, entretanto, não incluiu o relator, que tem falado abertamente sobre o descontentamento em relação às tratativas.

 

"Eu perdi a paciência. Eu fui chamado para ser relator da PEC, ouvi o ministro Múcio e ouvi o meu ídolo político, que é o Jaques Wagner, que é meu amigo, minha maior referência política. Eles apresentaram os argumentos deles, e eu apresentei os meus. Com isso, nós fizemos o relatório, certíssimo e irretocável. Depois disso, eles recuaram, eu não sei por que", afirmou Kajuru ao Correio.

 

O senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), por sua vez, é contra a emenda e está capitaneando a oposição. Ele tem defendido um ajuste no texto com a manutenção da remuneração dos militares que quiserem se candidatar. Múcio teria se reunido com o ex-vice-presidente de Bolsonaro para tratar sobre a PEC e buscar um consenso, que também não envolveu o relator.

 

A articulação de Múcio acabou causando tensão na relação com Kajuru, que é um dos vice-líderes governistas no Senado, que assegura ter rompido relações com o ministro. "Eu fiquei de saco cheio porque você não acha que o Múcio tinha obrigação de me ligar e contar como foi a conversa dele com Mourão? É o mínimo. Mas, aí, o cara me chama para ir lá, eu fui, ele conversa comigo, aplaude o relatório, chama o Mourão para conversar e não avisa o relator. Eu fiquei ofendido", disse.

 

Com as articulações em busca de um meio-termo, o texto caminha para ser desidratado, mesmo contra a vontade de Kajuru. "Eu não quero mais falar sobre esse assunto. A PEC está pronta. Eu não mudo nada. Se eles (o governo) estão conversando com os militares, é problema deles. Agora, se eles encherem muito o saco, aí eu saio da PEC. Eu devolvo a PEC", assegurou.

 

Quarentena para policiais e juízes

O novo Código Eleitoral foi encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e está no período de receber emendas. O debate sobre a matéria ainda não começou no colegiado, mas alguns senadores já apontaram descontentamento com a limitação para candidaturas de militares. Esse projeto é ainda mais restritivo do que a proposta de emenda à Constituição (PEC), que restringe a participação de militares nas eleições, pois engloba, além das Forças Armadas, policiais, juízes e promotores.

 

Ao Correio Braziliense, o senador Sergio Moro (União-PR), que pediu para registrar voto contrário em novembro, quando a CCJ do Senado aprovou a PEC que retira da ativa os militares que se candidatarem para cargo público, sinalizou que vai se reunir com representantes das categorias antes de assumir um posicionamento definitivo, mas que não concorda com as limitações. "Sou contra a imposição de restrições adicionais aos direitos políticos de categorias específicas de cidadãos, como juízes, policiais e militares. Pretendo ouvir as associações e os representantes dessas categorias antes de um posicionamento definitivo", afirmou o ex-juiz.

 

O Projeto de Lei Complementar (PLP) 112/2021, que institui o novo Código Eleitoral, foi aprovado na Câmara em setembro de 2021, ainda durante o governo de Jair Bolsonaro. Mesmo em meio a um mandato marcado pela atuação de militares nos Três Poderes, inclusive com o ex-vice, Hamilton Mourão, que é general da reserva do Exército, a Casa Baixa aprovou o texto que estabelece uma espécie de "quarentena" para membros das Forças Armadas.

 

De acordo com a matéria, policiais, militares, promotores e juízes que queiram se candidatar a algum cargo político deverão abandonar suas funções quatro anos antes do pleito de interesse. Ao chegar ao Senado, o relator, Jorge Kajuru (PSB-GO) optou por não fazer alterações nessa parte do texto, visando agilizar a tramitação. Isso porque, caso seja aprovado pelos senadores e volte para a análise dos deputados, esse ponto do PLP não poderá ser alterado, tendo em vista que já passou pelo crivo dos deputados.

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