O impasse na regulação das redes digitais e as escaramuças de Elon Musk no campo político no Brasil são um bom exemplo das contradições criadas pela transição para a sociedade digital. Ilustra também os entraves para a boa governança nascidos da crise do presidencialismo de coalizão. As plataformas como o X (Twitter), Instagram, Facebook e TikTok são entidades privadas que abrigam um espaço público de debates, troca de informação e contatos, o chamado networking no mundo profissional.

 

É uma contradição insolúvel. O miolo do conflito entre Musk e o Estado brasileiro nasce daí. Musk vocaliza o pesado e bilionário lobby das plataformas que conseguiu paralisar o processo de regulação das redes na Câmara dos Deputados.

 

Representando o espectro de interesses econômicos e políticos da extrema direita, ele usa um falso conceito de liberdade de expressão, segundo o qual tudo pode ser dito ou postado, inclusive ofensas graves, assédio moral, mentiras danosas, calúnias e difamação. Nenhum pensador liberal sério, desde Hobbes no século 17 até os contemporâneos, adotou um conceito de liberdade que abrigasse o direito de cometer crimes desta natureza.

 



 

O espaço público abrigado pelas plataformas é a semente da democracia digital, mas está dominado pela linguagem do ódio. Pior, os ataques ofensivos e difamatórios não são inciativa de indivíduos, são ações articuladas por milícias digitais. Quem já foi vítima delas sabe que são mensagens toscas, repetidas por numerosos perfis desimportantes e robôs, que atacam qualquer crítica ou postagem que desagrade aos articuladores das milícias. Estes sim, são agentes políticos influentes.

 

Quem já denunciou ofensas, calúnias e mentiras danosas à reputação já deve ter recebido, principalmente do X resposta que a postagem, apesar de evidentemente criminosa, não desrespeita as regras da plataforma. Significa dizer que essas regras não consideram crimes capitulados na legislação local desrespeito aos padrões da plataforma.

 

Só existe uma solução para este dilema que é a regulação. E ela terá que ser dinâmica, flexível, para se adaptar às mudanças recorrentes nas plataformas que adotam novas possibilidades de postagem. Deveria ser ponto pacífico que as plataformas precisam ser reguladas. Em toda A Europa democrática, isto está pacificado. Nos Estados Unidos, também, embora a extrema direita defenda que a Primeira Emenda da Constituição do país permite tudo.

 

No Brasil, especialmente na Câmara dos Deputados, tornou-se matéria de conflito mesquinho que envolve pelo menos três eixos. O primeiro, reação ao que chamam “ativismo judiciário” por causa de decisões do Supremo Tribunal Federal que caberiam ao Legislativo. Mas boa parte dessas decisões é causada pelo silêncio legislativo, pela omissão do Poder Legislativo na sua função de legislar.

 

O segundo eixo é descontentamento com o governo Lula, a liberação de emendas e a permanência de determinados ministros em posições que o centrão gostaria de controlar, seja porque têm verbas e cargos de seu interesse, seja porque têm poder e influência que afetam seus interesses.

 

O terceiro eixo, maior causador de obstáculos na regulação das plataformas digitais e da inteligência artificial, é a extrema direita que usa como método de ação política a mentira, a ofensa e a desqualificação dos que trata como inimigos.

 

O presidencialismo de coalizão, que garante a governabilidade no Brasil, está em crise. Na composição do Congresso atual, particularmente na Câmara, não existem coalizões viáveis de governo e há muitas coalizões de veto possíveis. Viveremos crises e impasses sucessivos que afetarão negativamente o interesse coletivo, como neste caso da regulação das redes.

 

Criar um ambiente regulatório que estimule o crescimento do espaço público pluralista e inclusivo da democracia digital nas plataformas privadas é de interesse coletivo. Transcende as disputas de território político entre Legislativo, Executivo e Judiciário. Deveria ser objeto da mais ampla cooperação entre os Poderes. As plataformas privadas têm que se adequar às leis locais e aos princípios universais de convivência democrática e tolerante, não com o crime e sim com a diversidade de opiniões.

 

Os algoritmos podem ser reprogramados para fazer a diferença entre opinião e ofensa criminosa. As plataformas não o fazem porque faturam com o tráfego produzido pela linguagem do ódio. Se o fizessem, a regulação legal poderia ser mais genérica e deixaria o específico para a autorregulação.

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