Os caminhos para se chegar ao Palácio do Planalto podem ser vários, mas não, necessariamente, que o postulante tenha passado, antes, pela experiência de governar um estado. Desde a redemocratização do país, considerando a primeira eleição direta pós-ditadura, em 1989, apenas um governador elegeu-se presidente da República: Fernando Collor de Mello, em 1989, pelo nanico PRN (Partido da Reconstrução Nacional), após comandar Alagoas, estado de menor dimensão política.

 

De lá até hoje, 11 ex-governadores disputaram 17 vezes a Presidência da República nas nove eleições que se sucederam nesses últimos 34 anos. Ciro Gomes é o recordista de participações. Ex-governador do Ceará (1991-1994), concorreu quatro vezes ao Planalto, duas pelo PPS e duas pelo PDT, sempre colecionou infortúnios no sonho de dirigir a nação brasileira.

 

Três governadores tentaram duas vezes cada, e foram igualmente derrotados nas urnas: Leonel Brizola (PDT-RJ), em 1989 e em 1994; José Serra (PSDB-SP), em 2002 e 2010; e Geraldo Alckmin (PSDB-SP), em 2006 e 2018. O atual vice-presidente governou São Paulo por quatro mandatos.

 

Exceto Collor — o primeiro eleito pelo voto direto após 21 anos de regime militar —, quem mais se aproximou do objetivo foi o mineiro Aécio Neves, outro do PSDB. Em 2014, o tucano perdeu para Dilma Rousseff (PT) no segundo turno por pouco mais de 3 milhões de votos. Aécio foi governador de Minas Gerais duas vezes, entre 2003 e 2010. Serra chegou duas vezes ao segundo turno, e perdeu para Lula (2002) e para Dilma (2010).

 

O levantamento feito pelo Correio Braziliense optou por deixar de fora dessa lista Paulo Maluf, que disputou a Presidência em 1989, pelo PDS — terminou em quinto lugar, com 8,8% dos votos —, mas foi governador paulista de forma indireta, chamado biônico, ainda na ditadura.

 

Atualmente, quatro governadores são apontados como possíveis candidatos na disputa contra a provável tentativa de reeleição de Lula, em 2026. Todos de direita e que buscam herdar o eleitorado de Jair Bolsonaro: Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo; Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais; Ronaldo Caiado (União), de Goiás; e Ratinho Júnior (PSD), do Paraná.

 

 

Além de Collor, o país teve como presidentes eleitos Fernando Henrique Cardoso (duas vezes), que foi prefeito de São Paulo; Lula (duas vezes), que só tinha sido deputado federal; Dilma (duas vezes), que nunca havia disputado uma eleição sequer; e Jair Bolsonaro, que, até então, havia cumpriu sete mandatos como deputado federal. Itamar Franco (PRN) e Michel Temer (MDB) foram presidentes, mas beneficiados pelos processos de impeachment de Collor e de Dilma, respectivamente.



Plano Real


O Correio conversou com alguns desses gestores estaduais que tentaram, sem sucesso, chegar ao Planalto. O senador Espiridião Amin (PP), ex-governador de Santa Catarina, disputou a Presidência em 1994, pelo PPR, e terminou em 6ª lugar, com apenas 2,7% dos votos.

 

"Não tinha isso de rede social. Os fatos consolidados dominavam as políticas. Não havia essa capacidade surpreendente de questionar convicções que essas redes de hoje criaram. Tinha-se convicção, por exemplo, que Mário Covas era um grande governador de São Paulo. Era difícil, naquela época, um governador confrontar sem um forte apelo nacional, o que Collor conseguiu. Ele pegou carona na indignação popular, se apresentou como caçador de marajás no seu estado, questionou privilégios e fez duros e pesados ataques ao (presidente José) Sarney (último a comandar o país antes da primeira eleição direta, em 1989). Foi beneficiado pelo carisma e por essa posição de confrontação. Conseguiu socializar isso fortemente", avaliou Amin.

 

Para o político catarinense, as vitórias de FHC são inquestionáveis por causa do sucesso do Plano Real. "O Plano Real foi sua ampla rede social. Aquela moeda de R$ 1 comprando um frango, como concorrer? Não precisa dizer mais nada. Aquilo foi um microtwitter, mas de grande potência. Tanto que ganhou as duas eleições no primeiro turno. E Lula ganhou como uma opção de ser a diferença. O modelo da moeda do real era coisa vencida. Ele derrotou duplamente o Serra e, depois, o Alckmin. Os fatos também falam por si."

 

"Sem recall"


Ex-governador do Paraná, Álvaro Dias também postulou o Planalto, pelo Podemos, em 2018, mas ficou em 9º lugar, com apenas 0,8% dos votos. "Fui ser candidato a presidente bem depois de ter sido governador (1987-1991), não estava no auge do governo do estado. Já não tinha mais o 'recall' daquele período. Até houve possibilidade de disputar, quando o Collor se elegeu, mas estava no governo, com uma avaliação excepcional e, por uma questão de responsabilidade, optei por continuar. O país vinha de uma grave crise financeira, inflação de 80% ao mês, não era possível largar a administração", relembra Dias.


Para ele, há, atualmente, um "vazio de liderança", e a polarização entre esquerda e direita "excluiu lideranças importantes do mundo da política". Cristovam Buarque governou o Distrito Federal (1995-1999), pelo PT, e tentou se eleger presidente da República em 2006, pelo PDT. Chegou em 4º lugar, com 2,6% dos votos.

 

"Nesse período, fora Collor e Bolsonaro, foram os mesmos que se elegeram. FHC, Lula e Dilma, duas vezes cada. Eles, de certa maneira, dominavam os processos. Poucos conseguiram chegar. De qualquer maneira, é inquietante porque a maioria dos governadores não se elegeu. No meu caso, a minha explicação é que governei o Distrito Federal, minúsculo, e não era reconhecido nacionalmente. E fiz uma política muito concentrada em uma plateia e uma área que não dá voto, que é a educação. E disputava com gente do porte de Lula e Alckmin, ambos de São Paulo", ponderou Cristovam.

 

Oligarquias

Para o advogado Carlos Lula, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), a maior visibilidade proporcionada pela internet e pelas redes sociais não é suficiente para um governador se eleger presidente do país. "Apesar da visibilidade aumentada pelas mídias digitais, a construção de uma imagem nacional sólida ainda requer recursos financeiros significativos e uma estratégia política bem elaborada, algo que nem todos os governadores têm. Embora a internet e as redes sociais tenham democratizado o acesso à informação e permitido uma maior visibilidade nacional, os desafios estruturais da política brasileira continuam a limitar as chances dos governadores de se tornarem presidentes", disse o advogado.

 

"O sistema político brasileiro é fragmentado, com múltiplos partidos e coalizões. Isso significa que os governadores, muitas vezes, dependem de alianças locais para se elegerem, o que nem sempre se traduz em apoio nacional suficiente para uma candidatura presidencial. Em muitos estados, as oligarquias políticas têm um grande controle sobre a política local. Embora um governador possa ter sucesso em seu estado, pode enfrentar resistência de outras oligarquias e interesses regionais ao tentar alcançar o poder nacional", avalia Carlos Lula.

 

"As eleições presidenciais exigem estratégias eleitorais complexas e recursos consideráveis, que nem todos os governadores têm. Além disso, a competição com figuras políticas já estabelecidas em nível nacional pode ser difícil de superar", concluiu.

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