Há muita confusão sobre o que se passa com o presidencialismo de coalizão. Este sistema de governo se diferencia do presidencialismo americano porque tem requisitos específicos de governança derivados da estrutura multipartidária e federativa na qual está plantado. Estes são uma coalizão de governo majoritária e coerente, porque o partido do presidente não consegue mais de 20% das cadeiras da Câmara dos Deputados; e um presidente forte com poder de definir a agenda legislativa. Para ter esta força, o presidente precisa, pelo menos, ter controle do orçamento e popularidade acima de 55%. Os recursos que pode manejar e o apoio da sociedade geram força de atração suficiente para a presidência e assim ele consegue montar sua coalizão majoritária. Porém, é necessário que o ambiente legislativo se estruture em torno de partidos com um mínimo de coerência interna e liderança firme que permitam a negociação da coalizão entre o presidente e as lideranças partidárias.

 



 

Nos governo de Fernando Henrique, a coalizão tinha dois pivôs partidários: o PSDB, pela centro-esquerda e o PFL, pela direita. Ele tinha, também, na coalizão, o MDB que alternava, mais pelo centro, o papel de pivô com o PFL. O centrão era minoritário. Nos governos Lula, a coalizão também tinha dois pivôs, o PT pela esquerda e o MDB pelo centro. Em ambos, os governos eram de coalizão que excediam largamente a maioria de 51% com número manejável de partidos. Os partidos do núcleo da coalizão controlavam 60% ou mais dos votos e não passavam de 3 com FHC, e de 5 com Lula, resultando em coalizões de centro-direita e de centro-esquerda, respectivamente. A coalizão de Dilma Rousseff já dava sinais de disfuncionalidade, precisando de número muito grande de partidos para alcançar a maioria.

 

 

Bolsonaro nem tentou formar coalizão. Mostrando que nada aprendeu nos quase 30 anos na Câmara, quis governar com bancadas temáticas — ruralistas, evangélicos e armamentistas — em lugar da coalizão de partidos. Óbvio que não deu certo. Diante do impasse no Legislativo, impopular, ameaçado de impeachment e sem capacidade de negociação, preferiu delegar a governança ao Congresso. Entregou o controle do orçamento da forma mais espúria possível, o chamado “orçamento secreto”. Potencializou o poder do presidente da Câmara e, subsidiariamente, do presidente do Senado. Desorganizou a governança e travou de vez o funcionamento regular do presidencialismo de coalizão.

 

 

O papel de Bolsonaro na deformação da governança somou-se ao efeito das eleições, principalmente na Câmara. Partidos tradicionais, como o PT e o MDB, perderam bancadas. Outros, desapareceram, como o DEM, sucessor do PFL, que sumiu numa formação gelatinosa chamada União Brasil. O PSDB ficou nanico e desfigurado, está em processo de dissolução. Neste ambiente, ficou impossível formar coalizões mais estáveis. Não há pivôs. O centrão não dá liga, é um emaranhado de interesses dispersos e oportunistas, sem liderança firme e sem coerência.

 

 

O politólogo Felipe Nunes, da Quaest, analisou os dados de votação de projetos de lei de origem do Executivo na Câmara de maneira bem criativa. Mostrou na GloboNews a Júlia Duailibi e Otávio Guedes o retrato gráfico desse quadro de dispersão de forças. Nele, é nítido que, no eixo governo/oposição, só existe agregação de votos e, portanto, coalizão pela esquerda, com PT e PSOL, e pela extrema-direita, com PL e Novo. Duas coalizões minoritárias. A maioria está em partidos com votos dispersos, quase no plano individual. Voto muito difícil de negociar a custo razoável de tempo, energia política e recursos orçamentários. Como o poder de decreto do Chefe do Executivo é limitado e quase tudo precisa de lei, sem apoio firme no Legislativo governar ficou muito mais difícil do que nos dois mandatos anteriores de Lula.

 

 

O presidente da Câmara pede o envolvimento direito de Lula no corpo-a-corpo por votos no Congresso. Lula parece pouco disposto a entrar nesse jogo, no qual é craque. O governo vai se adaptando, fazendo a filtragem dos projetos que considera urgentes, quase todos da agenda econômica. O alto índice de aprovação de projetos do governo medido por Felipe Nunes mostra esta seletividade. O presidente da Câmara, Arthur Lira, em final de mandato, pode querer deixar como legado reformas econômicas como a tributária. Este parece também um interesse do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Todos se contentam com um governo minimalista, que produz resultados abaixo do potencial do país. Até quando?

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