Adversários políticos, o presidente Lula (PT) e o governador Eduardo Leite (PSDB-RS) estabeleceram uma trégua para articular respostas à tragédia que assola o Rio Grande do Sul e se blindar de críticas por omissão ou uso eleitoreiro do caso. Até o momento, o estado já registrou 136 mortes devido as enchentes causadas pelas fortes chuvas. O número deve ser ainda maior já que há 141 desaparecidos.
A ação conjunta em algumas frentes tenta mostrar à população que a reação à catástrofe deve se sobrepor à disputa política.
Essa aparente união não significa, porém, um alinhamento. Nos bastidores, pessoas próximas do presidente criticam o discurso do governador e vice-versa.
Os dois lados buscam minimizar publicamente eventuais divergências e disputas. "Está muito bem a relação, muito tranquila e cordial, trabalhando junto em todas as frentes", afirma Paulo Pimenta, ministro da Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência).
Outros integrantes do Planalto reclamam, entretanto, que Leite não costuma mencionar o nome de Lula nas suas entrevistas, quando o chefe do Executivo não está no estado, e cobra demais do governo publicamente.
Já os aliados do gaúcho dizem enxergar uma postura mais centralizadora do governo federal, em particular nas ações destinadas ao segundo momento, a reconstrução do estado. Dizem sentir uma preocupação em não "catapultar" Leite.
O PSDB divulgou uma nota reclamando da demora de Lula para viajar ao Rio Grande do Sul. O presidente foi ao estado dois dias depois de Leite pedir ajuda federal.
Correligionários do governador dizem que, sem a ajuda da União, será impossível para o Rio Grande do Sul se reconstruir. O estado enfrenta um problema fiscal histórico, piorado pela tragédia.
A visão geral de aliados de Leite é que o governo federal não está poupando esforços e vem adotando todas as medidas emergenciais necessárias nesse momento, em particular para as ações de resgate e salvamento. No entanto, reclamam que algumas necessidades têm sido relegadas, em particular apoio com medidas legislativas que dariam mais poder para o estado atuar no momento de crise.
Um aliado de Lula aponta até que a situação pode favorecer o presidente, pela oportunidade de aproximação com os gaúchos. A maioria da população do Rio Grande do Sul votou em Jair Bolsonaro (PL) na última eleição presidencial.
O presidente, inclusive, reclamou com seus auxiliares das duas visitas que fez ao estado. Na primeira delas, foi a Santa Maria e depois sobrevoou as áreas alagadas, mas teve reuniões só com políticos.
Na outra, o presidente voltou ao estado com uma comitiva de ministros e com os presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Eles sobrevoaram a capital gaúcha ao lado de Leite.
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O petista, porém, esperava ter visitado abrigos ou interagido com a população para demonstrar solidariedade, segundo um assessor do Planalto.
Quem ficou com esse papel foi a primeira-dama, Rosângela da Silva, a Janja. Na última semana, ela viajou ao estado para levar donativos e visitar abrigos.
Nesta semana, um dia após anunciar um pacote de ajuda ao estado, Lula viajou ao Nordeste para inaugurar obras e retomar uma agenda positiva, em meio à tragédia. O presidente passou dois dias na região.
O chefe do Executivo, dizem seus aliados, quer mostrar que segue governando para todo o país, embora a prioridade do governo seja agora o Rio Grande do Sul.
Na última quinta-feira (9), Lula assinou em São José da Tapera (AL) a ordem de serviço para a construção do quinto trecho do Canal do Sertão, que levará água do rio São Francisco a municípios da região.
No evento, o presidente conseguiu reunir no mesmo palco dois rivais políticos: Lira e o senador Renan Calheiros (MDB-AL).
Lula também entregou unidades do Minha Casa Minha Vida em Maceió. Depois, seguiu para o sul da Bahia, onde inaugurou um hospital e visitou a Universidade Federal do Sul da Bahia, ambos em Teixeira de Freitas.
A Bahia garantiu a vitória de Lula em 2022 e é o seu principal reduto eleitoral. Foi o estado mais visitado pelo presidente no primeiro ano de mandato, ao lado de São Paulo e do Rio.
A Secom afirma que, apesar da viagem ao Nordeste, o presidente monitora e coordena as ações no Sul do país.
"Dois ministros estão coordenando os trabalhos no Rio Grande do Sul, o presidente Lula segue em contato direto com o governador e o comando militar da região, e a sala de situação segue em ação e funcionando normalmente", disse o órgão, em nota.
As viagens, afirmam interlocutores, já estavam agendadas antes do agravamento da situação no território gaúcho.
Antes de viajar ao Nordeste, nesta quinta, o presidente anunciou em um evento no Palácio do Planalto um pacote de ajuda ao Rio Grande do Sul com impacto potencial de R$ 50,95 bilhões na economia do estado.
"Desculpem, eu vou viajar para Alagoas agora, porque essa é a contradição do Brasil. Eu estou indo para Alagoas para dar início de obra à construção de um canal do sertão que vai beneficiar dezenas de cidades de Alagoas que vivem sofrendo muito por conta da seca", completou.
Lula foi acompanhado nesta viagem por alguns ministros, entre eles o chefe da Casa Civil, Rui Costa, ex-governador da Bahia. Rui é o coordenador da sala de situação montada pelo governo federal para acompanhar a situação em território gaúcho e definir ações emergenciais de forma interministerial.
Na manhã desta sexta-feira (10), foi realizada uma nova reunião da sala de situação, da qual a maior parte dos ministros participou à distância.
Para os próximos dias, o governo federal prepara dois grandes anúncios relacionados ao Rio Grande do Sul.
O primeiro deles ligado à dívida estadual, que saíra de uma negociação com a provável presença de Leite em Brasília. O governador vem pedindo a suspensão da dívida para liberar R$ 3,5 bilhões para investimentos. Na terça-feira (14), Lula deve anunciar um auxílio direto para a população gaúcha.