Entre agendas políticas, participações em plenário e comissões, audiências públicas, visitas técnicas e articulações, parlamentares de Minas Gerais enfrentam o desafio adicional de equilibrar suas responsabilidades políticas com a maternidade. Neste Dia das Mães, o Estado de Minas conversou com seis parlamentares – municipais, estaduais e federais – sobre as dificuldades que enfrentam diariamente ao conciliar dois mundos tão distintos.
Ocupando parlamentos, bancadas, e posições de poder, as parlamentares citam a necessidade de uma rede apoio para facilitar o exercício do cargo público. Algumas relatam o desafio associado à exposição pública inerente à vida política, que torna a maternidade um terreno delicado. Questões psicológicas, como cobranças internas e externas, além da violência política também são fatores citados por elas.
Muitas dificuldades são reflexos da sub-representação das mulheres na esfera política. A realidade nos parlamentos, e no espaço político de modo geral, é marcada por uma profunda disparidade de gênero em cargos públicos, o que dificulta a implementação de políticas voltadas para a igualdade.
Entre os desafios compartilhados por elas, destaca-se um ponto em comum: a busca por um equilíbrio saudável entre suas obrigações parlamentares e suas vidas pessoais em meio a agendas imprevisíveis.
Mãe da Ana Victória, de 4 anos, a vereadora Iza Lourença (Psol) diz que não abre mão de um tempo de qualidade com a sua filha. Iza acredita que, no passado, muitas parlamentares tiveram de se isentar da maternidade para conseguir permanecer no cenário político, mas aposta numa “nova geração” de mulheres, que trazem a maternidade e a paternidade para o centro do debate político, assim como ela tem buscado fazer. “Querem que a gente trabalhe como se não tivéssemos filhos e que criemos nossos filhos como se não trabalhássemos. São duas atividades que nos exige muito, principalmente para a gente que tem criança pequena”, afirma.
"Fase de novos desafios"
Em seu primeiro mandato na Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH), a vereadora Fernanda Altoé (Novo), diz que, embora seus filhos, Gustavo, de 7 anos, e André, de 9 anos, estejam se tornando mais independentes, eles ainda demandam muito a atenção dela. “Esse trabalho manual da mãe, de dar banho, escovar o dentinho, limpar, levar ao banheiro, de certa forma, já está mais leve pra mim. Mas aí já entra com uma fase de novos desafios. Eles estão numa fase da escola que tem uma aprendizagem que requer um acompanhamento mais constante. Demanda fazer um para casa, demanda estudar para prova, compromisso com uma rotina deles de natação, de futebol, de levar e buscar na escola”, conta.
Tendo crescido em um “lar político”, a deputada estadual Nayara Rocha (PP) inclui ocasionalmente em suas agendas levar a sua família para acompanhar os trabalhos. Para equilibrar as responsabilidades, a parlamentar destaca a necessidade de se organizar para conciliar as tarefas “de uma vida agitada”, como ela mesmo descreve. E também destaca: “Uma rede de apoio e uma família acolhedora são excepcionais”.
“Consigo ser muito presente no desenvolvimento da Áurea, que hoje está com 2 aninhos. Cresci em um lar político e, desde pequena, já acompanhava a minha mãe, meu avô e meu tio nessa jornada. Minha família já se adaptou a essa rotina intensa. Meu marido e minha filha, na maior parte do tempo, me acompanham nesses compromissos”, diz.
"Cresci nesse ambiente"
A deputada estadual Alê Portela (PL) também compartilha dessa vivência no ambiente político desde cedo. À reportagem, falou sobre a importância de não romantizar a maternidade e reconhecer seus desafios, mas garante que é possível conciliar as atividades. “Meu pai teve/tem sete mandatos. Cresci nesse ambiente dos meus pais tendo que viajar, muitas vezes me deixando na casa dos meus avós. A atividade política faz com que não tenhamos rotina. Quando a saudade aperta, levo os meninos juntos para aquelas atividades em que é possível”, comenta a deputada, mãe da Helena, de dois anos e meio, e do Henrique, de seis meses, ressaltando também o convívio com a enteada Yasmin, de 18 anos.
De volta aos trabalhos após um período de licença-maternidade, Alê compartilha a necessidade de uma rede de apoio sólida para garantir a confiança necessária para retornar às atividades. “Minha mãe, a vereadora Marilda Portela, é uma vovó super presente, então ela também divide muito comigo essa jornada, ficando com os meninos, cuidando deles pra mim, e isso me traz muita confiança e muita segurança para poder voltar. É importante a mãe estar bem fisicamente, psicologicamente, para quando chegar em casa dar total atenção e ter aquele momento ali completamente voltado a eles, com 100% de atenção”, relata.
Entre Brasília e Minas Gerais
As deputadas federais Duda Salabert (PDT) e Greyce Elias (Avante) ainda convivem com outro desafio: conciliar a vida política entre o Congresso Nacional, em Brasília (DF), e suas vidas pessoais em Minas Gerais. Ambas escolheram não se mudar para o centro do debate político e viajam semanalmente para a Câmara dos Deputados. Um sentimento compartilhado pelas deputadas é que a estrutura política no Brasil não favorece uma conciliação saudável entre a atividade parlamentar e a maternidade. Elas destacam as longas reuniões em plenário, que ocasionalmente se estendem até às madrugadas.
“As votações das sessões do plenário em Brasília se iniciam normalmente a partir das 18h, 19h. Isso já dificulta e muito o trabalho materno, porque a votação acontece no horário que a gente tem que colocar a criança para dormir. Nas quarta-feiras, as comissões começam cedo, e aí depois acontecem as reuniões na parte da tarde e a votação à noite, muitas das vezes varando a madrugada”, pontua Duda Salabert, mãe de uma menina de 4 anos.
“No final de semana eu tenho que ficar com a minha filha e muita gente acha que isso é um luxo. Acham que é um absurdo eu não participar de uma agenda no final de semana porque ignoram o fato de que eu tenho uma filha”
Duda Salabert (PDT), deputada federal
Greyce ainda divide a vida pessoal entre BH e cidades no interior de Minas, as quais representa no parlamento. Para ela, a política ainda é um ambiente predominantemente ocupado por homens, e isso dificulta políticas voltadas para as mães. “Sendo mãe de duas crianças que estão na fase da primeira infância, minha dedicação é dobrada. Creio que o ambiente nem sempre é pensado para atender às necessidades das mães. Espaços de amamentação e creches nas dependências do Congresso poderiam contribuir significativamente para tornar o ambiente mais acolhedor e inclusivo para as mães parlamentares”, relata a deputada, mãe do Bernardo, de 10 meses, e da Victória, de 4 anos.
Equilíbrio materno
Dos corredores dos parlamentos e gabinetes aos lares, o peso das responsabilidades públicas se entrelaça com as demandas pessoais. A rotina política demanda uma conciliação entre as atividades, que muitas vezes se estendem por horas não programadas, e agendas não limitadas por horários ou dias, o que inclui finais de semana e até mesmo feriados.
Iza Lourença destaca que no ambiente político há uma certa pressão para que as parlamentares estejam sempre disponíveis para as demandas da cidade, para cumprir agendas, e tem buscado impor limites. “Não vou abrir mão do tempo com a minha filha para poder dar conta de todos os problemas. Cumpro o meu trabalho, faço minhas atividades, mas não abro mão do tempo com a minha filha”, relata.
Fernanda Altoé reconhece um desafio pessoal em equilibrar o uso do celular durante os momentos em que está com a família. “Com o celular hoje em dia, se deixar, a gente trabalha 24 horas por dia. Então, tento deixar o celular de lado para dedicar um tempo a eles. A demanda às vezes pode esperar um pouco para eu também ter esse momento com eles, onde eles sintam que eu estou com eles e não que estou fazendo duas coisas ao mesmo tempo”, conta.
Questionadas sobre como lidar com o tempo longe da família devido às obrigações políticas, as parlamentares chegam a uma conclusão unânime: tempo de qualidade nos momentos livres. Devido a rotina do vai-e-vem, Duda Salabert se abstém de compromissos políticos nos finais de semana para dedicar tempo à filha. Ela menciona que essa escolha já foi alvo de críticas dentro da própria classe política, vindas de parlamentares homens e de mulheres que não são mães.
“Quando estou com ela, eu ignoro completamente o universo político que me rodeia e me dedico 100% na construção dessa relação afetiva com ela. Conciliar essa relação causa diversos problemas na nossa saúde mental e muitas vezes acaba sendo um fator que desestimula a gente a querer continuar na política”, conta Duda.
“Procuro compensar essa ausência com qualidade nos momentos que passamos juntos e mantendo uma comunicação aberta e constante, chamadas telefônicas por vídeo, levar à escola quando o horário permite, esse tipo de ação, mantendo contato mesmo à distância”, diz Greyce Elias.
Violência política
Inerente à vida pública, vem também os perigos da exposição. Em 2023, a vereadora Iza Lourença sofreu diversas ameaças de morte, que incluíram intimidações contra sua filha, à época com 3 anos. Hoje, a parlamentar vive sob escolta e enfrenta dificuldades diárias por conta das ameaças.
“Ameaçaram ela nominalmente de estupro, de morte, e ela passou a ter conviver com uma escolta armada 24 horas do lado dela, passou a ter que a entender que não dá para ir na pracinha a qualquer hora porque eu preciso chamar a escolta. Essa realidade obviamente afetou a minha família toda”, relata.
No caso de Duda Salabert, a exposição também é uma questão séria. Ela relata que a preocupação com a segurança da família é constante em sua vida. “As ameaças de morte que nós recebemos normalmente são estendidas à minha família, à minha filha. Não só ameaças de morte, mas também a exposição das fotos de minha filha em redes sociais acompanhadas de mensagens de ódio, bem recorrentes”, declara.
Luta por espaço
Dificuldades enfrentadas por mães nos espaços políticos refletem um cenário predominante, uma vez que a estrutura ofertada em muitos locais não levam em consideração as necessidades da maternidade. A mestre em Políticas Públicas e Gestão de Educação Thânisia Cruz, presidente da organização-não governamental Elas no Poder, ressalta que a entrada das mulheres nesses espaços sempre ocorreu com atraso e foi conquistada por meio de intensas lutas.
A especialista enfatiza a importância de envolver mulheres e mães nas decisões públicas, ressaltando a necessidade de adaptar os espaços físicos e repensar as estruturas sociais para acomodar suas necessidades. “Sendo que, muitas vezes, só elas (as mulheres) terão esse olhar de representatividade sobre a própria realidade”, completa.
Thânisia argumenta que licenças-maternidade e paternidade, ou mesmo dispensas para cuidados dos filhos, expõem como a sociedade ainda não está preparada para entender as demandas familiares quando se trata de conciliar cuidados infantis com atividades profissionais. “A licença maternidade para trabalhadoras CLT é de 120 dias, mas o período obrigatório para amamentação exclusiva é de 180 dias, segundo a Organização Mundial de Saúde. A licença paternidade, agora estendida a casais homoafetivos, dura 5 dias. Esperam que este casal supra todas as demandas com vacinas, privação de sono e reorganização de rotinas neste período. Não só não é possível, como não podemos falar em avanços significativos da legislação, nem para pais e nem para mães”, aponta.