A catástrofe que deixou o Rio Grande do Sul debaixo d’água e já tirou a vida de mais de uma centena de pessoas, para além de outros prejuízos ambientais e socioeconômicos, tem relação direta com o baixo financiamento para políticas públicas de prevenção e enfrentamento às mudanças climáticas e aos desastres naturais. Uma das evidências dessa realidade vem da destinação de emendas parlamentares ao tema.
De acordo com dados segmentados pela reportagem do Estado de Minas a partir da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2024, somente 2,2% do valor total das propostas feitas por deputados federais e senadores tratam diretamente dessas questões.
Dos R$ 33,6 bilhões previstos para emendas impositivas, aquelas de execução obrigatória por parte do governo federal, apenas R$ 757 milhões são destinados para as áreas, no âmbito dos ministérios da Integração e do Desenvolvimento Regional e do Meio Ambiente e Mudança do Clima.
Quando assumiu o cargo de ministra, a ex-senadora Marina Silva disse que um dos compromissos do governo federal era com a agenda climática. Esse objetivo, no entanto, parece distante do Congresso Nacional. A rubrica destinada à “implementação e monitoramento da Política Nacional sobre Mudança do Clima” recebeu apenas uma emenda na LOA de 2024. A assinatura é da deputada federal por Minas Gerais Célia Xacriabá (PSOL-MG), que encaminhou R$ 1 milhão ao tema.
À reportagem, Célia Xacriabá lembrou que sua emenda ainda não foi empenhada pelo ministério, mas disse que esteve reunida com a secretária nacional de Mudança do Clima, Ana Toni, para discutir a questão em março. “Eu estava indo pra COP (Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, ocorrida em Dubai, em dezembro do ano passado) quando pensamos nessa emenda. A gente nem sabia que essa rubrica existia. Ela é bem restrita, mas meus assessores a encontraram”, afirma.
A parlamentar sustenta que pretende destinar mais recursos ao tema no próximo ano. “Não fico feliz de ser a única (parlamentar a indicar emendas para a questão). Eles (os servidores da pasta) me falaram na época (da reunião com a secretária) que era um desafio pensar a gestão, porque era a única emenda”, diz. Procurado, o ministério informou que a área técnica ainda analisa a proposta da parlamentar do PSOL.
RS só teve proposta de uma deputada
O envio de verbas para o combate a desastres naturais é maior, no âmbito do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, mas, ainda assim, continua limitado. Os R$ 756,5 milhões destinados ao setor estão divididos em duas rubricas: a maior parte do dinheiro vai para “estudos, projetos e obras para contenção ou amortecimento de cheias e inundações”, que abarca R$ 756,1 milhões. A coordenação e fortalecimento do Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil tem uma modesta fatia de R$ 400 mil.
A maior parte das emendas desse ministério, que tratam de combate a tragédias do tipo, fica concentrada em Santa Catarina, sendo duas da bancada do estado (750,6 milhões); duas da deputada federal Ana Paula Lima (PT-SC, totalizando R$ 3,3 milhões); e uma do deputado federal Gilson Marques (Novo-SC, cerca de R$ 1 milhão). A única parlamentar do Rio Grande do Sul a destinar dinheiro ao tema foi Fernanda Melchionna (PSOL-RS) – R$ 1 milhão para prevenção contra a erosão de áreas urbanizadas. Outra emenda do tipo teve o Ceará como destino: R$ 500 mil, por parte do senador Eduardo Girão (Novo-CE).
Para além dos valores que não alcançam sequer 3% do que podem indicar os parlamentares no orçamento da União, o combate às emergências climáticas e aos desastres naturais enfrenta dificuldade para empenho junto ao governo federal. Depois que os congressistas apresentam as emendas, o dinheiro só é reservado e transferido, de fato, após decisão da União.
Barreiras à execução e emendas de R$ 1
É comum que algumas destinações enfrentem limitações para “chegar na ponta”, devido a problemas diversos, desde os projetos em si ou até mesmo por barreiras legais. Dos R$ 757 milhões destinados às duas áreas, os ministérios da Integração e do Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente e Mudança do Clima não empenharam sequer um centavo até a última atualização dos dados, feita em 2 de maio.
Em nota, o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR) informou que "os valores aprovados pelo Congresso Nacional, e constantes na LOA 2024 para as emendas em questão, são de aproximadamente R$ 150 milhões. Os cerca de R$ 700 milhões em emendas impositivas, questionados pela reportagem, são referentes a valores apresentados apenas como proposta de composição orçamentária (PLOA 2024) e não foram aprovadas em sua totalidade na LOA 2024".
De acordo com a pasta, "dos R$ 150 milhões aprovados, R$ 96 milhões (63% do valor constante na LOA 2024), permanece sem indicação por parte do autor da emenda ou sem apresentação de proposta pelo beneficiário, o que impede este órgão de efetivar qualquer empenho".
De Minas Gerais, o deputado federal Pedro Aihara (PRD-MG) também apresentou emenda para “obras emergenciais de mitigação para redução de desastres”, mas destinou apenas R$ 1. De acordo com assessores do Congresso Nacional consultados pela reportagem em sigilo, os parlamentares fazem isso para garantir o espaço no orçamento, já que o remanejamento de recursos é permitido pela legislação. A deputada Adriana Ventura (Novo-SP) adotou a mesma estratégia do político mineiro, justamente para a mesma rubrica.
Orçamento da União 2024
- Total das emendas parlamentares impositivas*: R$ 33,6 bilhões
- Destinadas a mudanças climáticas: R$ 1 milhão (0,002% do total)
- Destinadas ao combate e contenção de desastres naturais: R$ 756,1 milhões (2,2% do total)
*Emendas individuais e de bancada Fonte: Lei Orçamentária Anual (LOA)
O que é emenda parlamentar?
Emenda parlamentar é o instrumento que permite aos parlamentares destinar recursos a finalidades específicas no orçamento anual do Poder Executivo. São de quatro tipos: individual, de bancada, de comissão e de relator. Mas o governo não é obrigado a dar cumprimento a todas essas propostas. No âmbito federal, as emendas que têm execução orçamentária e financeira obrigatórias são as individuais, limitadas a 2% da receita corrente líquida; e as de bancada, limitadas a 1%.