Ponte arrasada em Rio Pardo de Minas, que enfrentou situação de emergência primeiro pela seca, depois pela chuva: propostas de deputados não refletem histórico de dilemas climáticos no estado -  (crédito: Defesa Civil de Rio Pardo de Minas/Divulgação – 12/02/2024)

Ponte arrasada em Rio Pardo de Minas, que enfrentou situação de emergência primeiro pela seca, depois pela chuva: propostas de deputados não refletem histórico de dilemas climáticos no estado

crédito: Defesa Civil de Rio Pardo de Minas/Divulgação – 12/02/2024

O orçamento limitado para o combate às enchentes e às mudanças climáticas não é problema exclusivo do Congresso Nacional. Em Minas Gerais, estado que normalmente sofre com a temporada chuvosa e também com seca e incêndios, a Assembleia Legislativa destinou apenas uma emenda parlamentar para a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec), órgão que está linha de frente no enfrentamento e monitoramento de desastres, conforme dados do painel de emendas do Executivo segmentados pelo Estado de Minas. O repasse de R$ 491 mil tem assinatura do deputado estadual Mauro Tramonte (Republicanos). A verba serve para "desastres causados pela chuva", mas ainda não foi empenhada.

 

As mudanças climáticas também não são citadas pelos deputados em emenda alguma, ainda que Minas tenha hoje 95 cidades com decretos de situação de anormalidade por desastres relacionados às chuvas, de acordo com a Defesa Civil estadual.

 

 

Vale lembrar que, no ano passado, os deputados estaduais aprovaram Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para dobrar as emendas parlamentares. Antes, elas se limitavam a 1% da Receita Corrente Líquida (RCL), mas esse valor subiu. O texto teve autoria do ex-deputado Inácio Franco (PV), que não conseguiu a reeleição em 2022.

 

O aumento é escalonado. Em 2024, o percentual subiu para 1,5%. Em 2025, chega ao teto de 2%. A Receita Corrente Líquida é representada pela receita total do estado subtraídos os repasses constitucionais feitos às prefeituras.

 

 

62 propostas para armas; 2 para a Feam

 

A Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) chegou a ser citada em duas emendas de parlamentares mineiros, uma do deputado Antônio Carlos Arantes (PL), no valor de R$ 150 mil; e outra do parlamentar Tito Torres (PSD), avaliada em R$ 120 mil. Porém, as duas destinações se voltam ao processo de licenciamento ambiental do governo, portanto não tratam diretamente de problemas ambientais como os que assolam o Sul do Brasil nas últimas semanas. E nenhuma delas chegou a ser empenhada pelo governo.

 

Para efeito de comparação, os deputados estaduais apresentaram 62 emendas que citam o termo “armamento”, portanto, que tratam da aquisição de itens bélicos para as forças de segurança. Essas propostas envolvem um repasse de R$ 9,4 milhões só para compra desses equipamentos.

 

 

Nesse item, a destinação mais alta é de R$ 1 milhão para a “renovação dos equipamentos bélicos da Polícia Civil de Minas Gerais com a aquisição de armas modernas e seguras”. A emenda tem assinatura da deputada estadual Delegada Sheila (PL). O dinheiro ainda não foi empenhado (reservado) pela gestão de Romeu Zema (Novo).

 

Dificuldades estruturais

 

Especializado em engenharia e direito ambiental, o advogado Alessandro Azzoni observa que há um processo histórico no Brasil que dificulta o envio de emendas para as mudanças climáticas e para o combate a desastres naturais. “Se já não tiver um projeto colocado em pauta pelo governo estadual, não tem como um deputado destinar emenda. Por isso que as áreas da saúde, da educação e da segurança pública recebem mais emendas, porque são projetos que já estão prontos. A aplicação fica mais fácil”, diz.

 

Alessandro Azzoni vai além e diz que as prevenções contra desastres precisam ser pensadas, prioritariamente, em caráter municipal. “Quando acontece uma tragédia como essa no Rio Grande do Sul, fica evidente que vai se focar nas ações preventivas. Mas, se você olhar, nada foi feito em investimentos. Quando se faz isso na municipalidade, em iniciativas como jardins de chuva ou até mesmo piscinões para represar a água e ir soltando ela aos poucos, você consegue pedir uma suplementação de verba para os governos estadual e federal. Tem que começar nas prefeituras”, defende.

 

Vereadores de BH têm 4 indicações

 

Diante disso, a reportagem também segmentou dados das emendas parlamentares na Câmara Municipal de BH. Na Casa, quatro encaminhamentos tratam diretamente das mudanças climáticas e das medidas preventivas contra enchentes – nenhuma delas para a Defesa Civil.

 

A vereadora Iza Lourença (PSOL) assinou duas propostas: uma, de R$ 100 mil, para “implementação dos refúgios climáticos nas regionais”; e outra com o mesmo valor para o evento Virada Climática, que teve sua primeira edição em 2023 para discutir a temática no âmbito da capital mineira.

 

O vereador Wagner Ferreira (PV) também enviou R$ 100 mil para dotação orçamentária para esse evento. Já a parlamentar Fernanda Pereira Altoé (Novo) destinou R$ 340 mil para implantação de jardins de chuva na cidade.

 

Em Belo Horizonte, as emendas impositivas são limitadas a 0,9% da receita corrente líquida, percentual que subirá para 1% neste ano. Do total, metade precisa ser destinada à saúde. Ao todo, quase R$ 130 milhões do orçamento municipal tiveram sua destinação definida pelos vereadores por meio dessa modalidade.

 

Desinteresse dentro e fora do Parlamento

 

Doutor em Democracia, Constituição e Internacionalização, o professor de direito constitucional da PUC Minas Bruno Burgarelli afirma que a baixa destinação de emendas parlamentares por parte do Congresso Nacional a questões ligadas às mudanças climáticas fere direitos garantidos pela Carta Magna. “Há um desinteresse da classe política com esse assunto. É um problema grave, porque o artigo 25 da Constituição garante que 'todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado'”, afirma. “Mas essa não é uma tarefa só da classe política, é também da sociedade civil”, destaca Burgarelli.