Está prevista para acontecer até julho a assinatura do contrato que oficializa a concessão da BR-040 entre Belo Horizonte e Juiz de Fora para a EPR, que venceu o leilão pela administração da estrada em 11 de abril. A nova concessionária ofereceu a melhor taxa de desconto para a tarifa fixada de pedágio e deve operar na rodovia com o preço girando em torno de R$ 12,35. O valor está próximo do cobrado nas praças dos três lotes dos quais a empresa é responsável em solo mineiro, localizados no Triângulo e no Sul do estado.
Uma semana após o leilão, a reportagem percorreu centenas de quilômetros das estradas geridas pela companhia e ouviu usuários insatisfeitos com os valores. O Estado de Minas investigou como é feita a definição das cifras e o impacto da dinâmica dos leilões para determinar quanto o motorista deve pagar para circular nas vias privatizadas.
Nas oito rodovias que integram o lote Sul de Minas, todas as oito praças de pedágio devem estar operando até o mês que vem, processo que foi iniciado em outubro do ano passado. Em todas elas, a tarifa básica cobrada para carros de passeio é de R$ 9,20. No lote Vias do Café, ainda este ano devem começar a funcionar seis praças com valor principal na casa dos R$ 13,18. Já no Triângulo Mineiro, há oito pontos de cobrança com preço de R$ 12,70.
No Sul de Minas, a qualidade das estradas já apresenta melhoras sensíveis nos primeiros meses de administração da EPR, segundo relatos da população e como a própria reportagem pôde constatar. Ainda assim, mesmo quem consegue enxergar pontos positivos não está satisfeito com os valores praticados nos trechos. É o exemplo do empresário Oscar Moreira, que relembra momentos de tráfego comprometido nas estradas da região em um passado recente.
“A estrada estava ruim demais. Algum caminho tinha que ser tomado. Todas tinham problemas, mas essa aqui (MG-290) era uma das piores. De 2022 para 2023 teve muita chuva e a estrada ficou toda esburacada. Só aqui nesse ponto paravam 20, 30 carros todos os dias com o pneu estourado. Então precisava ser feito um encaminhamento na rodovia para poder melhorar. A privatização é um caminho. Melhorou, está dando para rodar melhor, mas o contrato tem algumas coisas que poderiam ser melhores, como o preço, vislumbrar as terceiras faixas e acostamentos mais longos. O preço de R$ 9,20 fica puxado”, disse ao EM no posto do qual é proprietário em Borda da Mata, a 50 metros de uma praça de pedágio.
A EPR venceu os leilões de concessão de estradas no Sul de Minas que tinham como um dos critérios para definir o lance ganhador a oferta da menor tarifa cobrada aos motoristas. O preço inicial dos pedágios é previsto em contrato e as empresas podem oferecer taxas de desconto a partir desta cifra. A empresa destaca que os lotes concedidos pelo governo estadual e administrados por ela tiveram os valores definidos a partir de estudos conduzidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
O professor José Elievam Bessa Júnior, do Departamento de Engenharia de Transportes e Geotecnia da Escola de Engenharia da UFMG, comenta alguns dos critérios utilizados para definir os preços dos pedágios. Segundo ele, a multiplicidade de fatores pode justificar cobranças de mesmo valor para estradas com diferentes níveis de exigência de intervenções estruturais e características de fluxo de veículos, por exemplo.
“Primeiro deve-se analisar qual é a rodovia, ou seja, se é uma rodovia mais consolidada, que tem mais demanda e qual é a projeção futura do tráfego. Porque a concessão tem esse risco, o de não se confirmar qual é, de fato, a demanda futura. Tem um outro ponto também que são as obras necessárias naquela rodovia ao longo de 30 anos, quais são as obras projetadas. Deve-se avaliar se o relevo é mais acidentado, se a rodovia tem um projeto geométrico antigo, se vai precisar de mais obras. Então todas essas questões entram na balança para definir uma tarifa”, aponta o professor.
Acompanhamento e cobrança
“Os que moram aqui entram nessa estrada e saem lá para frente (apontando para um caminho de terra batida que margeia uma praça de pedágio). E os que vêm de cima para baixo e conhecem a região entram ali e saem aqui, nos dois lugares. É só capina e tapar alguns buracos, não justifica ter que pagar R$ 9,20. Quem conhece a região, vai pelo atalho. Ninguém aguenta pagar. Mas tem o problema que, por exemplo, se for preciso fazer um socorro, não vão atender na estrada de terra”, destaca o operador de máquinas Reinaldo do Prado.
Reinaldo é morador de Senador José Bento, cidade de 1,4 mil habitantes separada dos grandes centros da região, Poços de Caldas e Pouso Alegre, por dois pedágios na BR-459. Ele aponta que a população local não foi consultada sobre os valores cobrados nas praças. O professor da UFMG José Elievam Bessa Júnior afirma que é difícil que organizações da sociedade consigam elementos práticos para reivindicar a redução da tarifa (como a correlação entre investimentos, arrecadação e volume de tráfego), mas destaca que é essencial que os moradores locais e usuários das estradas acompanhem com rigor e cobrem a execução de compromissos como o cronograma de obras.
“Eu acho difícil a população conseguir recalcular um pedágio, não é algo simples. Mas acho que há o que fazer em paralelo a isso. É salutar cobrar as agências reguladoras e as concessionárias. É preciso acompanhar porque, apesar de a concessionária ser uma empresa privada, ela presta um serviço público, então os documentos que regem a própria concessão também devem ser públicos, como realmente são. Por exemplo, as concessões ocorrem em face de um PER, Programa de Exploração das Rodovias, que traz as informações econômicas estabelecidas para o negócio, informações sobre tarifas, mas também trazem as obras previstas para o período de concessão. Outro exemplo: daqui a cinco anos pode haver a previsão da realização de uma certa obra em uma rodovia. Se a obra não foi realizada, a população tem condições de saber e, assim, procurar entender os motivos e procurar seus direitos”, comenta.
Em resposta à reportagem, a EPR afirma que preza pelo diálogo constante e permanente com a sociedade e disponibiliza canais de contato constante, como o telefone 0800 290 0459, com atendimento 24 horas por dia. A concessionária ainda destaca que os pedágios da empresa contam com o mecanismo do Desconto de Usuário Frequente. Por meio dele, a depender da praça de pedágio, pode variar de 13% a 98% nas rodovias EPR Sul de Minas, e de 56% a 92% nas rodovias EPR Vias do Café.
Questionada sobre mecanismos previstos em contrato para a revisão do preço dos pedágios, a Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade de Minas Gerais (Seinfra) respondeu que a tarifa não se altera de acordo com o fluxo de veículos nas rodovias concedidas. A única variação de valores está relacionada ao reajuste anual pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Concorrência fica na teoria
Na semana anterior ao leilão da BR-040 em São Paulo, o ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB-AL) teve agenda em quatro cidades mineiras. Durante as jornadas para anunciar investimentos nas estradas do estado, ele comemorou a inscrição de quatro empresas interessadas no pregão da rodovia entre BH e Juiz de Fora como uma prova do sucesso do edital que buscava relicitar o trajeto após concessão malograda à Via 040 dez anos antes.
Dias depois, a pretensa concorrência, na prática, significou apenas três lances pelo direito de administrar a estrada. Vencia quem apresentasse a maior taxa de desconto na tarifa para os pedágios, fixada em contrato em R$ 13,91. O Consórcio Vetor Norte entrou no páreo sem apresentar qualquer proposta de redução; a CCR propôs 1% de queda nos pedágios; e a EPR levou a melhor com 11,21% de diminuição.
Nas concessões de estradas estaduais, a situação não foi muito diferente. O lote Sul de Minas foi a leilão com apenas duas empresas proponentes e a EPR levou a melhor sobre a Monte Rodovias S.A com o lance de R$ 377 milhões de contraprestação pecuniária, que significou deságio de 14,09% e tarifa no valor de R$ 8,32294. Já no lote referente à concessão das Vias do Café, só a EPR entrou na disputa.
“Na teoria, a ideia de promover concorrência é ótima. Pois, com mais concorrência em vez de haver uma ou duas empresas interessadas, há uma tendência de se chegar em um preço de pedágio mais barato. Mas o fato é que isso não tem ocorrido. Eu vejo duas razões para isso acontecer. Primeiro que realmente não há muitas empresas que possuem um capital elevado para investir. Estamos falando de milhões de reais, às vezes bilhões de reais de investimento previsto. Não tem tanta empresa com aporte suficiente para participar”, avalia o professor da Escola de Engenharia da UFMG José Elievam Bessa Júnior. “Um outro aspecto, talvez até mais significativo, seria o fato de que as primeiras concessões brasileiras, iniciadas há algumas décadas, foram ligadas às importantes rodovias brasileiras, mais consolidadas, com uma maior demanda. Nos últimos anos, a tentativa é começar a conceder rodovias com demandas menores, que podem não ser tão atrativas assim”, completa.
O pesquisador ainda destaca que experiências recentes frustradas na privatização de estradas e dificuldades do setor privado em conseguir lidar com as exigências previstas em contrato podem afastar interessados nos pregões. Fato é que, sem uma briga real pelas concessões, os leilões acabam sem uma disputa por quem oferece as melhores condições de cobrança aos usuários e o efeito é sentido no bolso dos motoristas.