Ginásio usado como abrigo no Rio Grande do Sul: projetos dos deputados mineiros buscam garantir assistência às vítimas das enchentes -  (crédito: Diego Vara/Reuters)

Ginásio usado como abrigo no Rio Grande do Sul: projetos dos deputados mineiros buscam garantir assistência às vítimas das enchentes

crédito: Diego Vara/Reuters

Mais da metade dos projetos de lei (PLs) apresentados pelos deputados federais mineiros desde o início das fortes chuvas que atingem o Rio Grande do Sul se concentram em temas relacionados a tragédias climáticas ou desastres ambientais. Conforme levantamento feito pelo Estado de Minas, 16 das 27 (59%) propostas apresentadas desde o dia 29 de abril até a manhã de ontem, abordam soluções diversas para a tragédia ambiental em curso ou para possíveis situações futuras semelhantes às enfrentadas pelo estado. O levantamento foi feito exclusivamente a partir de projetos de lei, e não contabiliza requerimentos, emendas, indicações, entre outros.


As propostas, em sua maioria, tratam de medidas de assistência social e econômica diante de desastres ambientais, de modo geral, de impacto imediato para a situação vivida pelos gaúchos. Contudo, poucos projetos abordam a prevenção às tragédias climáticas. Desde o final do último mês, o Rio Grande do Sul enfrenta enchentes causadas que assolam o estado. As chuvas históricas ultrapassaram o volume de água que caiu nos temporais de 1941 e se tornaram o maior desastre climático já visto no estado.


A tragédia já matou mais de 140 pessoas, afetou a vida de mais de dois milhões que moram no estado, 530 mil estão desabrigadas e 76 mil estão vivendo em abrigos. Em resposta a esse cenário desolador, questões ambientais tomaram protagonismo no debate político, até mesmo por parlamentares que anteriormente não tratavam a pauta como prioridade. O cientista político Adriano Cerqueira avalia que as medidas têm caráter emergencial e podem não trazer soluções eficientes a longo prazo.


Imposto


As medidas mais comuns entre as proposições envolvem ações relacionadas ao Imposto de Renda (IR). A primeira proposta apresentada relacionada à temática, no dia 5 de maio, foi o Projeto de Lei nº 1535/2024, do deputado federal Junio Amaral (PL-MG), que propõe incluir as vítimas de desastres ambientais na ordem de prioridade para o recebimento da restituição do Imposto de Renda. Ao justificar a proposta, o parlamentar menciona a tragédia ambiental no Rio Grande do Sul e afirma que o intuito é possibilitar mais um meio de auxílio às vítimas.


Ainda relacionado ao IR, surgiram propostas do deputado Pinheirinho (PP-MG) e da deputada Célia Xakriabá (Psol-MG). O Projeto de Lei nº 1757/2024 prorroga por 30 dias a declaração do Imposto de Renda referente ao ano de 2024 para os contribuintes gaúchos. O deputado Pinheirinho afirma que a medida é crucial, dada a dificuldade da população do Rio Grande do Sul em reunir todos os documentos necessários para o preenchimento correto da declaração dentro do prazo estabelecido. Esta proposta se restringe ao estado do Rio Grande do Sul. Por sua vez, o Projeto de Lei nº 1647/2024, de co-autoria da deputada federal Célia Xakriabá (Psol), quer a isenção do imposto para as vítimas da calamidade do estado. A medida visa atender pessoas cuja renda foi afetada pelo desastre ambiental e que possuem renda de até quatro salários mínimos.

Um dos projetos dos mineiros torna obrigatória a elaboração de planos estaduais e municipais de ação climática dentro de um prazo máximo de quatro anos

Um dos projetos dos mineiros torna obrigatória a elaboração de planos estaduais e municipais de ação climática dentro de um prazo máximo de quatro anos

Nelson ALMEIDA/AFP


Prevenção


A proposta que se destaca como uma iniciativa direcionada a medidas preventivas contra desastres naturais é da deputada federal Duda Salabert (PDT-MG). O Projeto de Lei nº 1629/2024 propõe uma alteração na Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009, que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC). A proposta tem o intuito de tornar obrigatória a elaboração de planos estaduais e municipais de ação climática dentro de um prazo máximo de quatro anos. Ela também tipifica o crime de negligência climática, tornando “clara a obrigação legal da responsabilidade dos gestores de adotar medidas concretas para adaptação dos municípios frente à crise climática".


Outra proposta que tem a coautoria de Duda Salabert é o Projeto de Lei nº 1703/2024, que estabelece medidas de auxílio em situações de reconhecimento de estado de calamidade pública. A proposta determina uma série de critérios para a concessão de um auxílio emergencial no valor de R$ 600 mensais, inspirado no auxílio concedido durante a pandemia do coronavírus. Entre esses critérios estão: não possuir nenhum emprego formal ativo; não receber nenhum outro auxílio, como seguro-desemprego; possuir uma renda mensal per capita de até meio salário mínimo ou uma renda familiar total de até três salários mínimos, entre outras medidas. Na justificativa, o texto argumenta que pessoas em condições socioeconômicas desfavoráveis enfrentam um impacto maior diante de desastres ambientais.

 

Crimes hediondos

De autoria do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), o Projeto de Lei nº 1676/2024 propõe incluir no Código Penal a classificação de crime qualificado para casos de furtos e roubos ocorridos durante desastres e situações de calamidade pública, equiparando-os aos crimes hediondos. Na proposta, o parlamentar destaca que criminosos estão se aproveitando da situação no Rio Grande do Sul para cometer furtos e roubos, que incluem desde a apropriação indevida de barcos utilizados em operações de resgate até saques a casas abandonadas. “Aumentar as penas para crimes cometidos em meio a desastres e calamidades públicas e configurá-los como hediondos é uma medida crucial para dissuadir ações criminosas durante esses períodos sensíveis e garantir a segurança e integridade da população afetada”, afirma.


Eleições

Algumas propostas elaboradas pelo deputado Pedro Aihara (PRD-MG) se concentram em medidas relacionadas às eleições. Atualmente, a legislação eleitoral restringe a execução de obras públicas nos meses que antecedem o pleito, como forma de evitar que tais ações interfiram na disputa eleitoral. Diante do cenário, o Projeto de Lei nº 1603/2024 propõe permitir a realização de obras de caráter emergencial relacionadas a desastres climáticos nos três meses que antecedem o pleito eleitoral.


Já o PL 1601/2024, elaborado em conjunto com o deputado federal Bibo Nunes (PL-RS), estabelece normas para destinar recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha para medidas de emergência em situações de calamidade pública durante anos eleitorais. "A proposição é fundamentada na necessidade de adaptar os recursos políticos disponíveis em resposta a desastres naturais", diz o texto. A mesma medida é proposta no PL 1551/2024, assinado pelo deputado federal Nikolas Ferreira, junto de outros parlamentares.


“Reação é comum”

O cientista político Adriano Cerqueira, professor da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), afirma que os deputados federais têm a tendência a reagir a eventos de grandes proporções, como o caso do Rio Grande do Sul, com elaboração de projetos de leis, mesmo quando representam outros estados. “Mais importante é saber se a instituição, no caso o Congresso Nacional, vai saber dar uma solução de fato objetiva e que seja factível e favorável para mitigar no futuro eventos dessa natureza”, aponta o cientista político.


O pesquisador também aponta que essas medidas buscam soluções imediatas e de curto prazo, mas alerta que isso não é suficiente para a recuperação financeira das famílias. “A maior parte dessas propostas é do tipo realmente emergencial, mas vai mitigar o sofrimento de curto prazo. Além desse socorro emergencial, o mais importante é reconstruir a capacidade financeira das famílias atingidas. Isso envolve, então, medidas de médio e longo prazo, principalmente de auxílio financeiro”, afirma Cerqueira. “Isso envolve políticas mais bem estruturadas desenvolvendo federativamente municípios e estados do Sul com o governo federal, no sentido de criar condições para a recuperação financeira das famílias e das empresas atingidas por essa tragédia”, completa.

“A maior parte dessas propostas é do tipo realmente emergencial, mas vai mitigar o sofrimento de curto prazo. Além desse socorro emergencial, o mais importante é reconstruir a capacidade financeira das famílias atingidas. Isso envolve, então, medidas de médio e longo prazo, principalmente de auxílio financeiro”

Adriano Cerqueira, Professor da Ufop


Como mostrou o Estado de Minas na edição de domingo (12/5), a falta de direcionamento de recursos às questões ambientais expõe a necessidade de políticas públicas voltadas para a prevenção e o enfrentamento às mudanças climáticas e aos desastres naturais. Conforme apurado pelo EM com base em dados da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2024, somente 2,2% do valor total das propostas feitas por deputados federais e senadores tratam diretamente de políticas públicas envolvendo o tema.


Deputados gaúchos

A bancada de deputados federais do Rio Grande do Sul realizou ontem reunião para definir os projetos prioritários voltados para a recuperação do estado. O acordo é que a comissão externa sobre os danos causados pelas enchentes reúna as principais iniciativas e encaminhe na reunião de hoje de líderes da Câmara dos Deputados. As iniciativas poderão ser votadas prioritariamente. Até o momento, os deputados apresentaram 117 projetos, que deverão passar por uma triagem.


Entre as medidas estão a criação de auxílio emergencial para a população afetada, linha de crédito para a compra de móveis da chamada linha branca, auxílio para empresários do transporte público e a discussão sobre um posicionamento da bancada a respeito da suspensão da dívida do Rio Grande do Sul com a União por 36 meses, com perdão dos juros por igual período, anunciada pelo governo federal. A expectativa é que o projeto de lei complementar (PLP), encaminhado na segunda-feira pelo governo, seja votado ainda nesta semana, informou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

 

 

A previsão é que o estado deixe de pagar nesse período cerca de R$ 11 bilhões em parcelas da dívida e R$ 12 bilhões em juros. Os valores devem ser usados em ações de reconstrução do estado. “São R$ 23 bilhões, dos quais R$ 11 bilhões seriam usados diretamente para a reconstrução do estado. Isso é muito importante para, de fato, ter um plano de reconstrução do estado”, disse o deputado Bohn Gass (PT-RS).