BRASÍLIA, DF - A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (14/5) o texto-base do projeto de lei que suspende a cobrança da dívida do Rio Grande do Sul com a União por três anos, com taxa de juros reduzida a zero no período.
A medida deve dar alívio de R$ 11 bilhões ao governo gaúcho. O valor precisará ser direcionado a um fundo específico para bancar ações de reconstrução do estado após a tragédia das enchentes.
Municípios em situação de calamidade e que têm dívida com o governo também serão alcançados pelo benefício.
O texto foi aprovado por 404 votos a 2, após parecer favorável do deputado Afonso Motta (PDT-RS). Os votos contrários vieram de Eros Biondini (PL-MG) e Defensor Stélio Dener (Republicanos-RR).
O relator fez pequenas mudanças no projeto encaminhado pelo Executivo, uma delas para condicionar o alívio nas parcelas da dívida à suspensão das ações judiciais contra a União - antes, era exigida a desistência do processo.
Outro ajuste tinha objetivo de assegurar que quaisquer entes em calamidade por tragédia climática acessem o benefício, estando ou não no RRF (Regime de Recuperação Fiscal), programa de socorro federal para estados endividados.
Tentativa de perdão
O deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS) apresentou emendas para tentar emplacar o perdão das parcelas ou o montante total da dívida gaúcha, que está em torno de R$ 100 bilhões. Na defesa do pleito, a sigla teve o inusitado apoio do PSOL, cuja deputada Fernanda Melchionna (RS) também pregou a extinção da dívida.
O relator não acatou as emendas, mas o deputado do Novo apresentou um recurso no plenário e conseguiu obter apoio para impor a votação de destaques, que podem alterar o texto final do projeto.
O alívio na dívida do estado foi proposto pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como forma de ampliar a capacidade de investimentos do governo gaúcho, após um pleito do próprio Executivo local.
Nos últimos dias, o governo Lula intensificou as articulações em torno da elaboração de medidas de ajuda ao Rio Grande do Sul, diante da continuidade da tragédia e também como resposta a críticas de oposicionistas.
Além da suspensão da dívida, o Executivo federal já lançou linhas emergenciais de crédito para empresas e produtores rurais e prepara o pagamento de um voucher para famílias gaúchas afetadas pelas enchentes conseguirem readquirir bens perdidos, como geladeira, fogão, entre outros artigos.
Durante a votação, parlamentares da base aliada fizeram discursos ressaltando as ações do governo federal para atender ao Rio Grande do Sul.
A proposta aprovada nesta terça dispensa o pagamento das parcelas da dívida pelo estado por 36 meses e prevê que os valores suspensos serão reincorporados ao saldo devedor, atualizado no período pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). Hoje, estados e municípios pagam IPCA mais uma taxa real de 4% ao ano.
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O pedido original do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), era o perdão das parcelas da dívida, mas o Executivo federal não atendeu ao pleito.
Na segunda-feira (13), durante o anúncio da suspensão da dívida, o tucano fez questão de ressaltar que a medida era importante, mas insuficiente diante da situação enfrentada pelo estado.
"Infelizmente, não posso dizer que será suficiente essa medida. [...] Vamos precisar de outros tantos apoios e em outras tantas frentes, inclusive discutindo o tema da dívida em relação ao seu futuro", disse.
Na mesma ocasião, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) rebateu com o argumento de que a redução nos juros significará para a União abrir mão de R$ 12 bilhões em encargos. "É como se nós estivéssemos perdoando os R$ 12 bilhões", afirmou.
Referência para outros casos
O texto aprovado cria um arcabouço permanente para permitir a suspensão de dívidas de estados e municípios em caso de calamidade decorrente de tragédia climática reconhecida pelo Congresso Nacional.
O Rio Grande do Sul e os municípios gaúchos poderão fazer uso imediato do gatilho, mas o instrumento poderá eventualmente ser acionado por outros entes, caso haja um novo evento dessa natureza no futuro.
A razão técnica deste desenho é que o governo não poderia enviar um projeto para contemplar apenas o Rio Grande do Sul sem ferir a isonomia federativa. Por isso, o texto contempla outros estados, mas dentro de um contexto específico de calamidade por tragédia climática.
A proposta prevê que o dinheiro economizado com a suspensão da dívida deve ser integralmente destinado a um fundo público específico, a ser criado pelo ente para financiar ações de enfrentamento e mitigação dos danos decorrentes da calamidade pública, bem como suas consequências sociais e econômicas.
As ações poderão incluir obras de reconstrução, melhoria ou ampliação da infraestrutura afetada, mitigação de efeitos do fenômeno que causou a calamidade, contratação de mão de obra temporária, financiamento e subvenções para remoção de famílias e empresas de áreas de risco, aquisição de materiais e equipamentos e contratação de serviços necessários ao enfrentamento da tragédia.
O texto também estabelece regras para que o ente beneficiado demonstre e dê publicidade à aplicação dos recursos, comprovando a correlação entre o alívio na dívida e as ações desenvolvidas dentro do escopo previsto da calamidade.
O governo estadual ou municipal terá um prazo para apresentar o plano de trabalho ao Ministério da Fazenda. A cada ano, também precisará enviar um relatório comprovando a aplicação das verbas.
A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) do Rio Grande do Sul apresentou ao STF (Supremo Tribunal Federal) um pedido de extinção da dívida do estado com o governo federal, em função da calamidade. O débito total soma cerca de R$ 100 bilhões.
O governo federal, porém, não crê que o perdão da dívida seja o melhor caminho para ajudar o Rio Grande do Sul.
Há um temor de que a negociação específica do estado estabeleça precedentes a serem usados por outros governos interessados em renegociar a dívida com a União, em especial Minas Gerais e Rio de Janeiro.
A Fazenda chegou a propor a eles dar desconto nos juros em troca da destinação dos recursos poupados a investimentos no ensino técnico, mas a ideia sofre resistência dos estados, que querem liberdade para aplicar o dinheiro.
O secretário de Fazenda do Rio de Janeiro, Leonardo Lobo, disse à Folha que o projeto de ajuda ao governo gaúcho é adequado, mas evitou traçar paralelos entre as concessões feitas ao estado e a negociação com as demais unidades da federação.
"O que eu acho saudável é parece que governo federal está tendo olhar mais correto e preciso para situação dos estados, não como se nós fôssemos simplesmente perdulários", afirmou.