Digitalização de processos, marcos legais do saneamento e de ferrovias, a Lei de Liberdade Econômica, privatização de estatais, reforma da Previdência. O filme "Caminho da Prosperidade", lançado em Nova York nesta terça-feira (14), procura sintetizar o trabalho do ex-ministro da Economia Paulo Guedes e de sua equipe na voz deles mesmos.
O filme traz 30 entrevistados. A maioria passou pelo governo. A exceção é o empresário Guilherme Afif Domingos, que abre a sequência de depoimentos, e o economista Carlos Langoni, que faleceu em 2021 e a quem o filme é dedicado.
A seção no Symphony Space, na rua 95, teve cerca de 200 convidados. Entre os presentes estavam a deputada federal Bia Kicis (PL-DF) e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que viu o filme sentado ao lado de Guedes.
À Folha, o governador contou que mantém a convivência com Guedes, que tem apresentado investidores para o estado de São Paulo e contribuindo na construção da agenda econômica, especialmente na área de energia renovável.
Segundo o diretor – o gaúcho Paulo Moura, da Ema Conteúdo –, o filme começou a ser gravado ainda no primeiro ano da gestão bolsonarista. Moura tem uma trajetória marcada por visões mais conservadoras, e a ideia inicial era fazer uma síntese das propostas dos chamados Chicago Boys, referência ao grupo de alunos da Universidade de Chicago (EUA), instituição em que Guedes estudou e que defende uma política econômica neoliberal.
A primeira gravação, conta Moura, ocorreu em agosto de 2019. A pandemia e a polarização política que se seguiu adiaram as filmagens e o projeto foi remodelado. "Caminho da Prosperidade" é nome do plano de governo de Guedes.
O filme foi financiado pelo empresário Winston Ling, fundador do Instituto Ling, também um nome mais à direita no espectro político e histórico defensor do neoliberalismo econômico. Ficou conhecido como o homem que apresentou Guedes ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2018. Ling também foi ao evento. À Folha de S.Paulo, o empresário destacou que seu desejo é criar material para inspirar outras administrações.
"Minha motivação é deixar esse legado, essa 'fórmula do bolo' para as futuras gerações, não só do Brasil, como da América Latina e de outros países do mundo. O filme está legendado em espanhol e em inglês", afirmou.
"Com o mesmo propósito, o Adolfo Sachsida, que não esteve presente ontem por motivos emergenciais pessoais, está terminando de escrever um livro sobre o mesmo assunto, e o Waldery Rodrigues Júnior está escrevendo um livro-texto bastante técnico, em dois ou três volumes, destinado aos cursos de economia, aos professores e alunos de economia e aos técnicos das equipes econômicas do futuro, dos municípios, dos estados e do Brasil."
Após a exibição do filme, Guedes deu uma rápida entrevista, cercado de ex-integrantes de sua equipe que participaram do filme. Reafirmou suas posições e disse que aprofundaria a agenda se tivesse nova oportunidade.
"Faríamos tudo de novo, com mais intensidade. É o seguinte, começou o governo? Agora vai Petrobras e Banco do Brasil. Vamos ter mais concessões. Estava certo o Banco Central independente. Voltaríamos com a capitalização para a Previdência, porque vai dar problema em cinco ou dez anos."
Guedes defendeu a contribuição da economia embasada em ciência como princípio da gestão pública, afirmando que "existe o certo e o errado em economia. Existe ciência econômica". Tomou como exemplo a discussão sobre o uso da capitalização na Previdência, proposta dele que não emplacou, mas que ele ainda defende.
"A gente tem que estudar mais. Acreditar na ciência. Não gostamos de negacionistas [na economia]. Ah, mas dizem que o modelo de capitalização deu errado no Chile. Não. Pelo contrário. A renda per capita subiu tanto no Chile que, quando o cara se aposenta, ele não fica satisfeito. O que ele capitalizou é um pouco mais baixo. Então, você paga aquele suplemento."
Em vários momentos, o ex-ministro avisou que não queria polarizar. "Acabamos de sair, não quero entrar em confronto."
Não quis abordar temas políticos mais específicos, como avaliar por que o ex-presidente Bolsonaro preferiu fazer uma campanha focada nos temas da pauta de costumes em vez de destacar as iniciativas liberais na economia, esmiuçadas no filme.
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"De forma alguma faria qualquer comentário desse tipo. Cada um fez o melhor que pode. Ninguém usou mal o legado de ninguém", disse Guedes. "É claro que houve fogo amigo, mas não de quem você falou [Bolsonaro]."
Também não quis discutir se o eleitor brasileiro rejeitou a sua agenda e mostrou na urnas preferir o modelo baseado em mais Estado e mais gasto, defendido na campanha pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – e que representa o inverso do apresentado por sua gestão.
"Tenho tantas coisas a dizer sobre por que isso acontece, mas não me interessa dizer. Não quero ser usado para discórdia. O país não precisa disso. O país já tem demais isso."
"Eu acho que tem que acabar com esse maniqueísmo de se foi o partido tal que fez é muito bom e tudo que o outro fez foi errado. Nós sentimos o peso da parcialidade. É ruim para o país."
No entanto, lamentou os picos de tensão política. "Espero que a gente consiga [agora] fazer o contrário do que foi feito conosco. Parcialidade. Jogo político acima dos interesses do país."
Guedes também preferiu a ponderação nas questões que tratavam de paralelos entre sua gestão e a do ministro da Fazenda Fernando Haddad.
No caso da gestão de crises, relembrou o que fez na pandemia, mas afirmou ser difícil dizer o que seria melhor agora, no desastre provocado por chuvas torrenciais no Rio Grande do Sul. Na pandemia, o Brasil precisou atacar uma problema sanitário, o que incluía medidas de saúde em nível nacional. Agora, é uma crise climática, com efeitos profundos sobre uma região.
"Eu não me atreveria a ir além do que nós fomos. Talvez haja desafios novos. O impacto sobre a infraestrutura é grande. Do ponto de vista de impacto sobre o dia a dia da população foi também devastador. Não ousaria ir além. Só com a capa de superministro você ousa fazer tantos movimentos. Agora, cidadão comum, já não ouso enxergar tanto."
Sobre sua proposta na crise com a Covid-19, disse que o ponto central foi aplicar a descentralização, com o repasse de recursos livres para estados e municípios.
"Deixamos um protocolo de como atacar uma crise. Se pessoas forem atingidas, você transfere os recursos, estritamente de renda, direto para as pessoas. Se empresas são atingidas, você pode transferir o recurso direto para as empresas", afirmou.
"Acreditamos no funcionamento da democracia. É o governador que sabe como o estado pode ajudar os municípios, e é o prefeito que sabe como o município pode usar aquele recurso. Você de Brasília não sabe exatamente o que a cidade de Canoas ou de Pelotas está precisando."
Entre os integrantes da equipe que participaram do filme e foram à apresentação estavam Marcelo Guaranys, que foi secretário-executivo, Marcelo Siqueira, ex-chefe da assessoria especial do ministro, Diogo Mac Cord, ex-secretário de Desestatização, Desinvestimento e Mercados.
Também foram à apresentação Gustavo Montezano, o ex-presidente do BNDES, e Fábio Abrahão, que foi diretor do banco na área de concessões e desestatização. Hoje são sócios, junto com Guedes, na gestão de um fundo de private equity que se dedica a fomentar projeto nas áreas de energia verde e segurança alimentar.
*A repórter viajou a convite da Ema Conteúdo