Em meio à pressão sobre o governador Romeu Zema (Novo) por reajustes maiores para os servidores, diante do projeto de lei que tramita na Assembleia prevendo recomposição linear de 3,62%, o funcionalismo mineiro convive com um quadro de discrepância salarial que torna bem diferentes os efeitos financeiros da proposta oficial. O desnível de vencimentos fica evidente com base em informações do Portal da Transparência do Executivo, segmentados pelo Núcleo de Dados do Estado de Minas.
Por eles, é possível constatar, por exemplo, que, enquanto 93,8% dos servidores da Secretaria de Estado de Educação ganham entre 1 e 4 salários mínimos (de R$ 1.412 a R$ 5,6 mil), mais da metade dos funcionários da Fazenda e da Advocacia-Geral (AGE) recebem acima de 16 salários mínimos. A maioria dos funcionários dos órgãos dedicados à arrecadação e à defesa jurídica do estado está, portanto, na “nata” da folha paga pelo Palácio Tiradentes, embolsando – sem considerar os auxílios complementares – mais de R$ 22,5 mil por mês.
Nas últimas semanas, a Assembleia Legislativa de Minas aprecia proposta da gestão Zema para reajustar os salários de todas as categorias em 3,62%, patamar abaixo da inflação acumulada do ano passado, fechada em 4,62% pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O texto tem desagradado diferentes sindicatos representativos do funcionalismo.
Mas a discussão tem pesos diferentes a depender das categorias. Os altos salários da Fazenda, por exemplo, são puxados, sobretudo, pelos auditores fiscais e gestores fazendários. São 1.651 servidores de ambos cargos ganhando acima de R$ 22,5 mil. Na AGE, os vencimentos robustos são puxados pelos 437 procuradores do estado recebendo nesse mesmo patamar.
Em nível um pouco abaixo, mas ainda na nata do funcionalismo, estão os servidores da Controladoria-Geral do Estado (CGE). Quase metade deles (45,8%) ganham entre oito e 16 salários mínimos, portanto entre R$ 11,2 mil e R$ 22,5 mil. Na CGE estão lotados os auditores internos do governo. No total, 83 servidores com esse cargo se encaixam nessa na faixa.
A realidade dos auditores e procuradores, no entanto, é bem diferente da dos demais trabalhadores do governo de Minas. E, mesmo entre os setores que não integram essa nata do funcionalismo, as diferenças salariais chamam a atenção. Duas das categorias que mais pressionam o governo de Minas por reajuste, a educação e a segurança pública, por exemplo, encaram cenários quase opostos.
“Muita gente recebe menos que o mínimo”
Enquanto 93,8% dos servidores da educação ganham até R$ 5,6 mil, 67,5% dos militares ultrapassam essa faixa que abrange a maioria dos professores. Dos 49.049 policiais e bombeiros militares listados no Portal da Transparência, 33.112 recebem acima de R$ 5,6 mil. Também integrante das forças de segurança, a Polícia Civil tem 78,2% dos seus servidores ganhando acima da realidade de 94% dos professores e outros trabalhadores da área.
A diretora estadual do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG), Marcelle Amador, afirma que a situação dos trabalhadores da rede estadual é ainda pior do que os dados mostram. “Tem muita gente que recebe menos que um salário mínimo. São mulheres e homens que estão nas cantinas, preparando a merenda; que recebem as pessoas na portaria; que limpam as salas e os banheiros… Isso é muito sério, muito grave. Sempre denunciamos que a educação recebe os menores salários do Executivo”, diz.
Segundo ela, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) garante um piso de R$ 4.580,57 à categoria, mas a administração pública paga um piso de R$ 2.652,29.
Defasagem na segurança
Ainda que represente uma categoria com padrões de vencimento mais altos, o presidente Sindicato dos Servidores da Polícia Civil no Estado de Minas Gerais (Sindipol-MG), Wemerson Oliveira, também se queixa da defasagem salarial, que segundo ele chega a 41,6% nos últimos sete anos. “Quando a gente fala dessa discrepância de quase 300% (de reajuste) para o governador e 3,62% (de aumento) para os demais servidores, o Zema quer dizer: 'Vamos sucatear o serviço público de Minas Gerais'”, diz.
Heder Martins, da Associação dos Praças Policiais e dos Bombeiros Militares de Minas Gerais, complementa: “Nós negociamos com o governador, em 2020, uma recomposição de 40%, que seria escalonada no primeiro mandato do Zema. Ele perdeu a credibilidade quando mandou para a Assembleia esse projeto e não cumpriu o acordo”, denuncia. (Thiago Bonna).