O presidente Luiz Inácio Lula da Silva retoma nesta semana suas viagens na América do Sul. Na próxima sexta-feira (17/5), o chefe do Executivo embarca para o Chile, onde terá um encontro bilateral com o presidente Gabriel Boric e participará de um fórum empresarial organizado pela Apex Brasil. O objetivo principal da visita é convencer o governo chileno a apoiar o esforço brasileiro pela integração na América do Sul, incluindo a retomada da União de Nações Sul-Americanas (Unasul). Porém, divergências entre os dois governos podem dificultar um consenso.

 

A agenda completa de Lula no país ainda não foi divulgada, e mais detalhes serão apresentados pelo Itamaraty nesta segunda-feira (13). Sua participação no Fórum Empresarial Brasil-Chile tampouco está confirmada oficialmente. Segundo integrantes da Apex, o evento deve reunir cerca de 400 empresários, sendo 200 de cada país, com quatro painéis temáticos de discussão, na sexta. Boric também deve marcar presença.

 

Recentemente, o petista voltou seu olhar para o continente, defendendo uma maior integração entre os países da região. Sua última viagem foi para a Colômbia onde, ao lado do presidente Gustavo Petro, apontou que há uma chance inédita de "unificar a América do Sul". Segundo integrantes do governo, o esforço para unir os vizinhos será um dos principais temas tratados entre Lula e Boric, além das questões climáticas, o fluxo de turistas entre as duas nações e desafios regionais, como as eleições na Venezuela.



"O Chile é um grande parceiro do Brasil desde a democratização nos dois países. As relações têm sido ótimas, é um país fundamental para integração sul-americana, que é um dos objetivos do governo Lula", disse ao Correio o assessor especial para assuntos internacionais da Presidência da República, Celso Amorim. "Há uma afinidade, também geral, de ideias políticas, de defesa da democracia com conteúdo social. Tudo isso nos aproxima, e as visitas presidenciais servem para consolidar essas afinidades e aproveitar mais as potencialidades", acrescentou.

 

Em abril, Lula declarou, durante café da manhã com jornalistas, que sua viagem ao Chile é parte de um movimento para que os países da América do Sul, e mesmo do Caribe, atuem em conjunto nos órgãos internacionais. "Ou agimos em bloco, assinamos nossa viola e entramos no picadeiro das negociações internacionais, ou se a gente achar que individualmente a gente vai ter chance… 'Ah, eu sou mais amigo dos Estados Unidos e eles vão me privilegiar', isso é bobagem. Bobagem."

 

Além da Colômbia, Lula esteve em São Vicente e Granadinas e na Guiana neste ano. Ele também deve participar de encontros do Mercosul no Paraguai e no Uruguai.

 

 

Segundo Amorim, um dos pleitos do Brasil é que o Chile volte à Unasul, órgão de integração regional que acabou esvaziado, especialmente, com a saída do Chile, do Uruguai e do Paraguai. No ano passado, quando o Brasil reuniu 11 chefes de Estado sul-americanos em Brasília, os países vetaram qualquer menção à Unasul no comunicado conjunto emitido, indicando rejeição à retomada do órgão.

 

"Nós gostaríamos muito que eles (chilenos) aderissem, porque nós não queremos uma Unasul ideológica, mas plural, que abrigue todos os países da América do Sul, e isso é muito importante para cooperação na área do clima, na infraestrutura, até em questões de defesa, na área de saúde. Em todas essas áreas, o Chile é um país muito importante, tem uma influência que vai além do seu tamanho."

Divergências

Analistas do cenário internacional acreditam que o encontro entre os dois chefes de Estado será positivo, com aprofundamento das relações comerciais e dos acordos de cooperação. Há dúvidas, porém, se Boric vai aderir ao modelo proposto por Lula para a integração regional. O comunicado conjunto durante a visita deve trazer temas econômicos e ambientais como consenso, mas um esvaziamento ao tratar sobre as eleições da Venezuela e o conflito entre Rússia e Ucrânia.

 

Para a professora de direito internacional da Universidade de São Paulo (USP) Maristela Basso, Lula retoma o foco para o continente de origem após a tentativa sem sucesso de assumir protagonismo maior no cenário internacional. Ela avalia que o presidente brasileiro busca uma América Latina mais moderna, dinâmica e democrática, além de unificada na defesa de seus interesses. "Faz tempo que o mundo não reconhece a América Latina como uma região coesa e unida em torno de valores comuns. É isso que Lula da Silva busca: maior integração da América do Sul e Caribe. A vocação para unir o Caribe, o Pacífico e a Amazônia é o sonho do presidente. Vem aí um novo Simón Bolívar. Moderno nos trejeitos, mas conservador nos ideais."

 

 

O especialista Ricardo Mendes, da consultoria Prospectiva, ressalta que ambos os líderes possuem mais diferenças do que semelhanças. Enquanto Boric representa a nova esquerda, mais ligada a valores progressistas, Lula representa a velha esquerda, vinculada ao movimento sindical e setores protecionistas da economia.

 

"Os dois líderes têm dificuldades de alinhar uma posição para a integração da América Latina. Acho difícil o Chile embarcar na agenda da Unasul neste momento, mas pode ser que queiram fazer um gesto de boa vontade e anunciar o retorno. A eleição na Venezuela pode ser um dos temas, mas deve sair algum comunicado esvaziado. Já a agenda verde deve ser tema de consenso, assim como sinalizações de avanço nos acordos entre o Chile e o Mercosul", emendou.

 

Márcio Coimbra, presidente do Instituto Monitor da Democracia, aponta que "esse tema da Unasul não se encaixa na linha do Boric". "Ele prefere outros fóruns, vai trabalhar muito mais na OEA (Organização dos Estados Americanos ). Há um diálogo muito profícuo entre os dois, mas não vai além disso. Se Lula seguir um caminho entendendo onde o Boric está situado politicamente e o momento histórico do Chile, é possível trazer boas coisas. Vejo com bons olhos a possibilidade de avançar em agendas onde a gente tem um maior dinamismo econômico e uma maior troca comercial. Eles são muito a favor do livre-comércio. É um jogo de ganha-ganha e creio que o Lula vai saber tirar bom proveito", opinou.

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