Está pronto para ser votado em 2º turno na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) um Projeto de Lei (PL) que altera as regras para compra de seringas do sistema de saúde no estado. Embora soe um tanto técnica, a proposta joga luz sobre um debate antigo acerca de uma regulamentação ignorada até o ano passado e que, quando colocada em prática, representa um gasto milionário para os cofres públicos. Mesmo sancionada em 2010, a lei que dita as regras para a aquisição das seringas só começou a ser seguida 13 anos depois.

 

A oposição ao governo de Romeu Zema (Novo) alerta que isso representa um gasto que chega a ser quatro vezes maior que o verificado anteriormente sem trazer qualquer benefício prático para a população.

 


O PL 1.514/2023, de autoria de Lucas Lasmar (Rede), almeja alterar a Lei Estadual 18.797/2010. A lei vigente determina a exigência da compra de seringas com agulha retrátil em Minas Gerais. Embora vigente há mais de uma década, o estado não observava seu texto até o ano passado, fazendo a aquisição dos instrumentos a partir do determinado pela Norma Regulamentadora (NR) 32 do Ministério do Trabalho. A regra do governo federal foi publicada em 2005 e é menos restritiva que a legislação estadual, determinando apenas que as seringas compradas sejam equipadas com algum dispositivo de segurança.

 


Na prática, a diferença entre seguir uma ou outra regra significa bastante para os cofres públicos. Há atualmente três empresas nacionais que fabricam seringas com dispositivo de segurança e há apenas uma que pode importar os materiais com dispositivo retrátil, conforme prevê a legislação estadual. Em acesso ao portal de compras do governo de Minas, é possível conferir que os instrumentos que atendem à NR-32 custam em torno de R$ 0,30 para seringas de 3 ML e R$ 0,53 para as de 5 ML. Já as seringas que se enquadram na especificação da Lei 18.797/2010, custam R$ 1,50 e R$ 1,65, respectivamente.

 


O texto do PL 1.514/2023 busca assemelhar a legislação estadual à norma federal. Ele foi aprovado em plenário no primeiro turno na semana passada com 48 votos favoráveis e nenhum contrário. Na última quinta-feira (9/5), o PL recebeu parecer favorável da Comissão de Saúde e deve ser apreciado em segundo turno.

 

À reportagem, Lasmar se disse confiante na aprovação e afirmou que acredita haver interesse de terceiros para o cumprimento da Lei 18.797/201 no pregão realizado no fim do ano passado. “Recebi uma denúncia anônima sobre a compra de seringas mais caras e fomos apurar. Desde então estamos trabalhando para aprovar este PL para possibilitar a compra de materiais mais baratos”, avaliou.



Contratos


Um pregão realizado em setembro do ano passado estabeleceu a compra de cerca de 64,7 milhões de seringas de 3 ML e 5,3 milhões das de 5 ML tendo como parâmetro a Lei Estadual 18.797/2010. Tendo em vista os valores unitários em comparação com os dos instrumentos que poderiam ser adquiridos com base na NR 32, chega-se à cifra de cerca de R$ 86 milhões gastos a mais anualmente para a compra deste material.


Em resposta à reportagem, a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) afirmou que o processo de compras fechado no pregão não foi executado e as seringas não foram adquiridas com base nesse procedimento. A pasta diz ainda que viabilizou uma doação junto ao Ministério da Saúde para cumprir as ações necessárias do Programa Nacional de Imunizações (PNI).


Apesar da negativa sobre a execução do pregão em questão (163/2023), em consulta ao Portal da Transparência, a reportagem encontrou contratos firmados para a compra de seringas pelos mesmos valores em maio do ano passado. O documento identificado como nº 9388212 traz a compra de 4,9 milhões de seringas de 3 ML a R$ 1,27; e 1,1 milhão de seringas de 5 ML a R$ 1,65. No total, a compra foi de R$ 8.165.586.

 


A reportagem questionou a SES-MG sobre os motivos para a não execução das compras previstas no pregão; a quantidade de materiais adquiridos com base nas normas da Lei 1.797/2010; e a procedência das seringas usadas atualmente no estado. Até o fechamento desta edição, não houve resposta.
A SES-MG se baseia no fato de estar respeitando a especificação feita na lei estadual ao adquirir os materiais mais caros. Por outro lado, a oposição questiona o porquê da observância à legislação ter acontecido neste momento específico.


Em novembro do ano passado, o deputado estadual Lucas Lasmar acionou o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) para pedir a apuração do pregão das seringas e a suspensão da tramitação da compra. O ofício do parlamentar foi respondido pela promotora Josely Ramos Pontes, que instaurou uma notícia de fato para investigar a contratação. No documento em que aciona o MPMG, o deputado cita ainda que a empresa que antes vendia as seringas para o estado acionou seu gabinete para formalizar uma representação junto à Corte de Contas Estadual para averiguar o pregão em que novas diretrizes foram empregadas para a contratação de fornecedora do material.

 

Eficiência 

 

De acordo com o jurista Fabrício Souza Duarte, mestre em Direito Público com atuação em Direito Eleitoral e Administrativo, há um questionamento possível em relação à constitucionalidade da lei estadual. Segundo Duarte, regras de eficiência administrativa estão previstas na Constituição Federal e poderiam ser utilizadas para questionar uma norma que, na prática, atue contra este princípio.

 

“Uma coisa a ser observada é que o artigo 37 da Constituição estabelece o princípio da eficiência na administração. A ponderação que tem que ser feita é se é realmente necessário que essa seringa tenha o dispositivo retrátil. Isso justifica um pagamento superior para essa seringa se outras poderiam atender à mesma finalidade? Se a resposta técnica for negativa, me parece uma violação do princípio da eficiência e da economicidade do gasto público. Esse poderia ser um questionamento até sobre a constitucionalidade dessa lei. Mas é uma discussão difícil porque entra em uma margem de discricionariedade do legislador que propôs o texto”, destaca.

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