“Vocês conseguem imaginar o tamanho do desastre que aconteceria em Minas Gerais se as chuvas do Rio Grande do Sul acontecessem aqui?” Assim começou o depoimento de Julio Cesar Dutra Grillo, vice-presidente do Fórum Permanente do São Francisco, durante a Comissão de Meio Ambiente e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Os deputados convocaram uma audiência pública para debater a prevenção de desastres, considerando a tragédia que assolou o Sul do Brasil. Atualmente, Minas Gerais possui 350 barragens – sendo o estado com o maior número no Brasil – distribuídas em 53 municípios. Destas, 38 foram construídas pelo método à montante, que apresenta maior risco e precisam ser desativadas. Três permanecem no nível máximo de emergência.
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“São mais de 300 barragens em Minas. Nós não aguentaríamos as chuvas do Rio Grande do Sul. Uma barragem de rejeitos, não qualquer uma. É coisa séria. Falta uma legislação preparada para isso. Estamos entregando um prato cheio para a tragédia”, continuou Grillo, que iniciou seu depoimento às 15 horas desta quinta-feira (16/5), após ouvir por cerca de 4 horas os depoimentos de secretários do governo Romeu Zema (Novo) e da Defesa Civil de Minas Gerais.
Estavam presentes membros da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad); da Subsecretaria de Direitos Humanos; e da Subsecretaria de Planejamento, Orçamento e Qualidade do Gasto. Em suas falas, os secretários deixaram claro que, até o momento, as mineradoras estão cumprindo a legislação atual por meio da Lei 23.291, que institui a política estadual de segurança de barragens. “O que a gente observa é uma melhora, existe mais informação. Nós queríamos que fosse mais claro, mas desde a política de segurança, existe uma transparência”, garantiu Roberto Junior Gomes, analista ambiental da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam).
Atualmente, Minas Gerais possui 58 municípios com barragens cadastradas na Agência Nacional de Mineração (ANM), com a maior concentração delas na Grande BH (174 barragens – 49,7% em 18 municípios dentro do limite da Região Metropolitana) e entorno. O estado também possui grande número dessas estruturas nas regiões Leste, Sul e Noroeste. Os municípios com maior número de barragens cadastradas são Itabirito (29), Brumadinho e Nova Lima (27 cada), Itatiaiuçu e Ouro Preto (23 cada), Itabira e Mariana (17 cada). Em relação ao potencial de dano e risco, existem 150 barragens classificadas com dano potencial alto; 37 com categoria de risco alto e 140 que não possuem nenhum tipo de classificação.
Uma lei estadual exigia que todas as estruturas à montante – do mesmo tipo das que se romperam em Mariana e Brumadinho – fossem descaracterizadas até fevereiro de 2022. Contudo, apenas 16 foram desmontadas no prazo ou após a data prevista. As mineradoras que não cumpriram a lei foram multadas em R$ 426 milhões e assinaram um acordo que estendeu o prazo até 2035. As barragens alteadas à montante são instaladas em forma de degraus, chamados alteamentos, que são feitos utilizando o próprio rejeito de minério. É um método mais barato, mas que oferece mais risco.
Em depoimento na audiência, o chefe do Gabinete Militar do governador de Minas Gerais, Carlos Frederico Otoni Garcia, mencionou que Minas possui um plano de contingência traçado pela Defesa Civil do estado, mas que não prevê obras de prevenção de desastres. Com isso, ficou claro que as ações relacionadas às barragens são apenas para alertar a população, como sirenes e sinais sonoros. A Defesa Civil mineira trabalha, na maioria das vezes, depois que a tragédia já aconteceu, fazendo a contenção dos problemas, e salvamentos.
Há cerca de duas semanas, a barragem 14 de Julho, na Serra Gaúcha (RS), colapsou em razão das fortes chuvas que atingiram o estado. O fato chamou a atenção, já que a barragem era pequena em comparação às de Minas Gerais, como em Barão de Cocais e Congonhas.
A audiência pública foi marcada pela deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT-MG). Estiverem presentes também Tito Torres (PSD) e Bella Gonçalves (PSOL). Durante as falas, os deputados se mostraram preocupados com a falta de legislações sobre prevenção de desastres, tendo em vista os depoimentos do deputado estadual gaúcho, Jeferson Fernandes (PT); da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul e a coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
Minas Gerais foi palco dos dois maiores desastres de barragens de mineração no Brasil. O primeiro, em 2015, envolveu a barragem de Fundão da empresa Samarco, em Mariana, na Região Central. A tragédia é considerada o maior desastre mundial envolvendo barragens de rejeitos de mineração, levando em conta o volume de rejeito liberado, a extensão geográfica e os custos econômicos associados. O segundo, em 2019, foi o rompimento da barragem B1 da mina Córrego do Feijão da empresa Vale S.A., que ocorreu em Brumadinho. Esse rompimento foi considerado o maior acidente de trabalho do Brasil, ocasionando 270 óbitos, sendo que 127 (47%) foram de trabalhadores diretos da Vale e os outros 118 foram de trabalhadores terceirizados da empresa (44%).