Brasilianista aponta que ministros da Suprema Corte deviam ser mais discretos -  (crédito: Antonio Augusto/SCO/STF)

Brasilianista aponta que ministros da Suprema Corte deviam ser mais discretos

crédito: Antonio Augusto/SCO/STF

O Judiciário brasileiro tem exercido papel importante para proteger a democracia no país, mas ministros dos tribunais superiores deveriam ter uma conduta mais discreta e menos informal, avalia o brasilianista Anthony Pereira.

 

Ele entende que casos como o da ida de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) a eventos no exterior patrocinados por empresas com ações na Corte comprometem a imagem do tribunal.

 

 

Professor e diretor do centro de estudos de América Latina da Florida International University, Pereira afirma ainda que outros comportamentos dos ministros, como os frequentes encontros com políticos, seriam motivo de escândalo mesmo nos EUA, onde a Suprema Corte enfrenta uma série de questionamentos após revelações comprometerem a imagem de imparcialidade de ministros.

 

Recentemente, o New York Times mostrou que uma bandeira americana foi hasteada de cabeça para baixo em 2021 na casa de Samuel Alito, em um gesto que replicou o discurso de Donald Trump e seus seguidores sobre fraude nas eleições.

 

No ano passado, o site ProPublica havia revelado que o magistrado Clarence Thomas, aceitou presentes luxuosos de um bilionário do ramo de imóveis.

 

 

Como vê o protagonismo que o Judiciário assumiu na cena política brasileira?

 

Anthony Pereira - É uma tendência mundial. O que vimos em 2022 no Brasil foi um Supremo muito protagonista, defendendo a Constituição, e isso tem uma certa lógica, porque houve um pacto no Congresso, e o STF foi o ator mais relevante em termos para barrar ou inibir algumas iniciativas do governo Bolsonaro.

 

A recente audiência no Congresso dos EUA sobre o Brasil (que tratou de decisões judiciais de remoção de conteúdo nas redes) influencia de alguma forma a percepção sobre o país?

 

Ela refletiu uma polarização nos Estados Unidos que tem afinidades com a polarização no Brasil em torno da legitimidade do Supremo e do TSE em algumas áreas, especialmente liberdade de expressão. Não sei se mudou a opinião de alguém porque não há muita informação sobre o Brasil e a tendência é os políticos seguirem a linha do partido.

 

Se são republicanos, têm mais afinidade com a linha dos bolsonaristas, de que o Supremo ultrapassou os limites. E os democratas têm mais afinidades com o governo Lula e a oposição ao bolsonarismo, pensando que as ações do Supremo e do TSE foram razoáveis devido às ameaças à democracia.

 

O que diria sobre a atuação do TSE em relação à liberdade de expressão?

 

Entendo as pessoas que têm uma fé muito forte na liberdade de expressão. Mas, quando há um grupo muito poderoso capaz de criar uma rede de desinformação de larga escala, com ameaça de não respeitar o resultado da eleição, é totalmente ultrapassado usar uma noção do século 18 sobre liberdade de expressão, como se estivesse tratando de uma pessoa que entra na praça pública de uma aldeia e emite alguma opinião sobre a democracia.

 

Temos que reconhecer que é um tema muito complexo, em que não há soluções prontas. É preciso debater. Não estou dizendo que todas as decisões do TSE e do Alexandre de Moraes foram necessariamente certas. Possivelmente houve excessos nas ações do Judiciário para proibir formas de expressão que os juízes acharam que estavam ameaçando a democracia, mas houve uma ameaça real.

 

No Brasil, Bolsonaro foi declarado inelegível. Nos EUA, Trump foi liberado para concorrer. O que é melhor: que um candidato que atente contra a democracia seja julgado pelo voto popular ou que nem concorra?

 

Algumas pessoas avaliam que é melhor para a democracia permitir que esse tipo de candidato seja julgado pelo voto e não pelo Judiciário. Pode até ser, mas é um risco também. Trump prometeu, se ganhar, anistiar todas as pessoas que foram presas por atos de violência que resultaram em mortes, danificação do Capitólio, em uma tentativa séria de reverter o resultado de uma eleição em que não houve evidência nenhuma de fraude. O risco no Brasil talvez seja outro, a percepção dos seguidores de Bolsonaro que o Judiciário foi politizado, e isso cria um risco de ilegitimidade.

 

Mas a grande impressão que eu tenho é que, no Brasil, houve grande consenso sobre o 8 de janeiro de 2023 entre políticos, governadores, representantes do Congresso e da mídia em geral, de rejeitar essa depredação dos Três Poderes. E isso é um sinal forte e positivo da democracia brasileira. Nos Estados Unidos, nunca tivemos isso. Então, acho que talvez o perigo aqui seja mais grave.

 

Bolsonaro também tem pedido anistia para os participantes do 8 de janeiro. Que consequências institucionais costumam ter medidas de anistia?

 

A ideia de justiça de transição é, depois de um período de violência ou violações de direitos humanos, criar um novo sistema de incentivos para adesão às regras da democracia. Anistiar todo mundo que tentou reverter uma eleição democrática não é necessariamente um bom sinal para o futuro do sistema.

 

Algo que também coloca o Judiciário sob pressão no Brasil é uma característica singular, o fato de todas as sessões do Supremo serem televisionadas. Esse nível de transparência é positivo?

 

Acho que sim. As pessoas no Brasil sabem quem são os juízes, e eles não são figuras puramente judiciais, têm um caráter político de certa maneira. O outro lado da moeda é que, às vezes, as falas de juízes são feitas para a televisão, o que pode criar um grau de teatralidade mais alto.

 

A Suprema Corte americana não admite câmeras, mas isso não significa que seja imparcial e não tenha ligações políticas. É extremamente politizada, basta ver o caso do juiz Alito e do Clarence Thomas. Essa ideia que existiu no passado, de que a Suprema Corte é imparcial, caiu totalmente nos Estados Unidos. Então, acho que falta de televisão não protege a Suprema Corte do processo de polarização e politização. Pelo menos, o cidadão pode assistir e acompanhar o raciocínio dos juízes. Porque, afinal das contas, a legitimidade de uma corte depende da lógica das decisões.

 

E a participação de ministros em eventos patrocinados por empresas, às vezes com casos na corte? Recentemente, ministros do STF foram a Londres a um fórum patrocinado por uma empresa de tabaco e um banco, por exemplo.

 

É grave. As omissões do Clarence Thomas são pequenas em relação às omissões do Judiciário brasileiro.

 

Além desse caso que você mencionou, há ligações de juízes com empresas, juízes com esposas ou filhos em escritórios de advocacia que têm casos no Supremo. Essa informalidade dos juízes do Supremo de jantar com ministro, jantar com presidente, políticos em geral, não é vista em outros sistemas. Pelo menos nos Estados Unidos, seria um escândalo.

 

É preciso uma discrição e uma separação mais severa, porque gera possibilidades ou aparência de conflito de interesse muito grande. A Suprema Corte americana hoje em dia provavelmente precisa de uma regulação mais explícita para deixar claro que não se pode aceitar presentes tão grandes. O Brasil talvez possa considerar alguma regulação mais explícita para o comportamento dos juízes.

 

Como vê o governo Lula até o momento?

 

A minha impressão é que o primeiro ano do governo Lula foi um pouco melhor do que as expectativas que muita gente tinha no início do ano. Em parte porque os ataques de 8 de janeiro geraram um clima de consenso. Além disso, o crescimento econômico foi um pouco além das expectativas e houve a reforma tributária. Mas, com o tempo, pode ficar mais complicado, porque uma vitória do Trump nos Estados Unidos pode dar um ânimo muito grande à oposição.

 

RAIO-X | Anthony Pereira, 65

 

Cientista político formado pela Universidade de Sussex (Inglaterra), com mestrado e doutorado pela Universidade Harvard (EUA), dirige o Centro Latino-Americano e Caribenho Kimberly Green, na Universidade Internacional da Flórida, nos EUA. É autor de "Ditadura e Repressão" (2012, Paz e Terra), entre outros livros