SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Era fim de fevereiro e o novo presidente do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo tomava posse. Ao lado do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) tecia elogios à Justiça Eleitoral e falava das eleições como "representação soberana" da vontade popular.
Dois dias depois, aventado como possível candidato à Presidência em 2026 diante da inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Tarcísio participaria de manifestação na avenida Paulista ao lado dele.
O ato era uma tentativa de demonstrar a força de Bolsonaro, peça central na investigação da Polícia Federal que apura se houve uma tentativa de golpe de Estado para mantê-lo no cargo após a derrota para o presidente Lula (PT) nas eleições de outubro de 2022.
Para apaziguar os ânimos com o Judiciário, manifestando seu apreço às instituições e ao processo eleitoral, e ao mesmo tempo manter-se no seio do bolsonarismo, o governador tinha uma saída lógica: negar o envolvimento de seu grupo político na tentativa de reverter os resultados eleitorais.
Assim ele tem feito. Publicamente, busca afastar a responsabilização de Bolsonaro e aliados no caso. Nos bastidores, aproxima-se dos ministros do STF, especialmente Moraes, para esfriar a temperatura e melhorar a relação com os bolsonaristas, como já afirmou a pessoas de seu entorno.
No último fim de semana, Tarcísio voltou a negar que seu grupo político tenha se envolvido em uma tentativa de golpe. Questionado sobre as investigações da PF em torno de Bolsonaro e seus aliados, Tarcísio minimizou: "Não vejo por que a gente, por que essa corrente, está na atenção da Polícia Federal".
Nas semanas anteriores à manifestação na avenida Paulista, Bolsonaro estava acuado. Ele havia sido chamado para depor à PF e aliados temiam que sua prisão estivesse próxima.
O próprio ex-presidente acusou a preocupação em entrevista. "Não podemos continuar vivendo aqui naquele impasse. 'Ah, o Bolsonaro vai ser preso amanhã. Pode ser preso a qualquer momento'. Qual crime eu cometi?", disse ele ao blogueiro Esmael Morais.
Naquele mês, uma semana após operação da PF que atingiu o entorno do ex-presidente e apreendeu o passaporte de Bolsonaro, Tarcísio saiu em defesa de seu padrinho político e disse que não conseguia ver qualquer elemento que o incriminasse. "Acho que o pessoal está criando muita coisa. Com o tempo tudo vai ser esclarecido."
A PF sustenta que o ex-presidente pediu alterações em uma minuta de golpe apresentada a ele pelo ex-assessor Filipe Martins e que, em seguida, convocou uma reunião com os comandantes das Forças Armadas para pressioná-los a aderir ao documento.
Em depoimentos à polícia, os então comandantes do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, e da Aeronáutica, Carlos Baptista Júnior, detalharam reuniões e pressões da alta cúpula da gestão Bolsonaro para a tentativa de golpe e para a adoção de medidas que incluiriam a prisão de autoridades.
Segundo pessoas que estiveram na manifestação de fevereiro ao lado de Bolsonaro, Tarcísio costurou com o STF qual seria o tom daquele ato - ou seja, garantiu que o ex-presidente não atacaria os ministros. Naquele dia, Bolsonaro criticou as penas impostas aos envolvidos nos ataques de 8 de janeiro e reclamou do "abuso por parte de alguns", mas não citou nomes.
A bolsonaristas o governador diz que tenta se aproximar do STF para ajudar. Uma pessoa do entorno do ex-presidente afirma que essa movimentação tem o aval de Bolsonaro, que ainda acredita na reversão da inelegibilidade e, sobretudo, quer evitar uma possível prisão.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, Tarcísio também conversou com Moraes buscando evitar a cassação do senador bolsonarista Jorge Seif (PL). O governador defendeu que seria traumático cassar o mandato de um parlamentar eleito. Tarcísio também ouviu o ministro durante o processo de indicação do novo procurador-geral de Justiça de São Paulo, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa.
A aproximação do Judiciário é uma das posturas do governador que incomodam uma ala bolsonarista - assim como esporádicos elogios ao governo Lula e ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e as participações em eventos com figuras ligadas à direita não-bolsonarista ou à centro-direita.
Esse grupo de aliados de Bolsonaro acredita que, com esses movimentos, Tarcísio busca pavimentar sua candidatura ao Planalto, possibilidade que ele nega publicamente, posicionando-se como um político moderado e descolando-se do bolsonarismo.
No mês passado, o governador participou de um jantar organizado pelo apresentador da TV Globo, Luciano Huck. Nesta segunda-feira (10), promoveu um jantar em homenagem ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, com quem trabalhou durante a gestão Bolsonaro. No encontro, estiveram presentes os ex-governadores João Doria e Rodrigo Garcia, ex-tucanos que deixaram o partido.
Rodrigo Garcia, inclusive, ajudou na construção da ponte entre Tarcísio e Moraes. Ele e o ministro são próximos - ambos foram secretários do ex-governador Geraldo Alckmin (PSB). Já Rodrigo e Tarcísio se aproximaram durante a transição de governo.
Outra ala bolsonarista reconhece que os movimentos de Tarcísio não são atípicos para o governador de um estado influente como São Paulo e afirmam que ele precisa estar preparado se for sacramentado como o candidato da direita à Presidência em 2026.
Esse grupo avalia que Tarcísio teve um papel importante em apaziguar a relação com o Supremo e evitar, até o momento, a prisão do ex-presidente. Desde a manifestação na Paulista, arrefeceram as conversas sobre essa possibilidade no entorno de Bolsonaro.
Para além dos fatos revelados pela PF com base em mensagens e na delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o ex-presidente já acumulava uma série de declarações de caráter golpista.
Ao longo de seu mandato, Bolsonaro questionou em diversas ocasiões, sem provas ou indícios, a segurança das urnas eletrônicas, sistema usado desde 1996 e considerado eficiente e confiável por autoridades e especialistas do país. Depois da derrota, o PL, seu partido, moveu uma ação para buscar invalidar os votos depositados em parte das urnas no segundo turno das eleições.
Em vários momentos o ex-presidente deu a entender que não aceitaria outro resultado que não fosse a sua reeleição, o que provocou uma forte crise institucional em 2021. A ameaça mais contundente ocorreu em julho. "Eleições no ano que vem serão limpas. Ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições", disse Bolsonaro a apoiadores.
No 7 de Setembro daquele ano, em discursos diante de milhares de eleitores em Brasília e em São Paulo, o ex-presidente fez ameaças golpistas contra o STF, exortou desobediência a decisões da Justiça e disse que só sairia morto da Presidência da República.
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Nas poucas falas após a derrota de 2022, enquanto acampamentos golpistas se multiplicavam pelo país, Bolsonaro não admitiu diretamente a derrota, reforçou as acusações sem provas contra o sistema eleitoral e manteve um discurso dúbio dando a entender que a posse de Lula na Presidência não estava garantida.