FOLHAPRESS - As duras críticas feitas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à política de juros do Banco Central, conduzido por Roberto Campos Neto, não são exclusividade do Brasil.
Nos Estados Unidos, diferentes presidentes também pressionaram o Fed (banco central norte-americano) pela queda dos juros -algumas vezes, com sucesso.
O mandatado de presidente do Fed dura quatro anos, após ser indicado pelo presidente dos Estados Unidos e aprovado pelo Legislativo.
No caso de Donald Trump e do nomeado por ele, Jerome Powell, a relação começou a azedar logo nos primeiros anos.
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Já em 2018, o presidente foi a público dizer que estava "decepcionado" com o banco central e que a instituição poderia atrapalhar a recuperação econômica. Ainda acusou o presidente da instituição de se comportar como um político.
Na ocasião, a autoridade monetária tinha subido os juros por duas vezes e sinalizou que poderia aumentá-los duas vezes mais até o fim daquele ano.
"Minha única pergunta é: quem é nosso maior inimigo, Powell ou o líder [da China] Xi [Jinping]?", chegou a escrever o então presidente em suas redes sociais, em agosto de 2019.
Em contrapartida, quando Powell e o Fed deixaram os juros perto de zero em um corte extraordinário no início da pandemia de Covid-19, Trump fez raros elogios a ele.
Apesar de não terem sido exclusividade de Trump, ataques desse nível são considerados sem precedentes pela mídia norte-americana.
As postagens de Trump sobre o assunto no X (antigo Twitter) afetavam o mercado -e, por consequência, poderiam influenciar as decisões do Fed--, de acordo com um estudo de 2019 do National Bureau of Economic Research.
Após a derrota do republicano, Powell foi reconduzido ao cargo pelo atual mandatário, Joe Biden. Mas mesmo agora, em 2024, quando busca voltar à Casa Branca, Trump não tem poupado Jerome Powell de novos ataques.
A campanha do republicano não dá detalhes de seus planos para o Fed, caso o ex-presidente retorne ao poder, mas circula a ideia -ainda que seja um passo improvável-- de que ele pode tentar limitar a capacidade da instituição de definir a taxa de juros.
Pessoas próximas a Trump dizem que o ex-mandatário estaria pronto para, mais uma vez, fazer críticas públicas para pressionar o Fed ao longo de um eventual novo mandato, caso julgue necessário, e ele mesmo já deixou claro que deve substituir Powell.
"Acho que [Powell] vai fazer algo para provavelmente ajudar os democratas", especulou Trump em fevereiro à Fox Business Network. "Parece que está tentando baixar as taxas de juros, talvez para conseguir que essas pessoas sejam eleitas, não sei."
Outro caso semelhante ocorreu na presidência de Richard Nixon, quando ele teria pressionado o Fed de Arthur Burns a manter uma política monetária expansionista perto das eleições de 1972.
Quem traz detalhes dessa história é o professor Burton A. Abrams, da Universidade de Delaware, em um artigo de 2006, chamado "How Richard Nixon Pressured Arthur Burns: Evidence from the Nixon Tapes" ("Como Richard Nixon Pressionou Arthur Burns: Evidências em Gravações de Nixon").
"Richard Nixon exigiu e Arthur Burns lhe deu uma política monetária expansionista e uma economia em crescimento no período que antecedeu a eleição de 1972", relata Abrams, a partir de gravações de conversas entre os dois.
O professor conta que, em outubro de 1971, Nixon expressou a Burns sua preocupação: "Eu não quero ter de sair da cidade rapidamente", diz, se referindo à possibilidade de perder a reeleição.
Nixon também apela, dizendo que a sua presidência poderia ser "a última administração conservadora em Washington".
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"Independentemente da fonte de motivação de Arthur Burns, suas ações como presidente do Federal Reserve ajudaram a desencadear um ciclo de alta da inflação extremamente custoso", conclui o professor.
No trabalho "Estimating the Effects of Political Pressure on the Fed" ("Estimando os Efeitos da Pressão Política sobre o Fed"), Thomas Drechsel conta que Nixon e Burns se reuniram 34 vezes no segundo semestre de 1971. Em 1974, Nixon renunciou à Presidência, na esteira do caso Watergate.
Um outro exemplo, ainda que mais discreto, ocorreu na década de 1980, com Ronald Reagan.
Em 1982, a imprensa norte-americana relatou que o presidente se queixara publicamente da estratégia do Fed de Paul Volcker na época, que considerava "errática" e com impacto negativo sobre o emprego.
"Não posso falar sobre isso, porque o Fed é autônomo", disse Reagan ao ser questionado pelos jornalistas se concordava com pedidos de renúncia de Volcker.
Mas a pressão foi menor. "A contribuição da pressão política para a inflação diminuiu e até se tornou negativa nos anos 1980. Há argumentos na literatura de que o ambiente fiscal (e político) criado pela gestão Reagan ajudou Volcker a alcançar isso", escreve Drechsel.
O aperto dos juros a partir daquela década esfriou a economia, mas ajudou a reduzir a inflação. No fim, Volcker foi aclamado pelos governistas.
Inflação
A política quase não afetou o comportamento da inflação nos anos 1990, segundo Drechsel. "Esse período coincidiu com uma crença nos benefícios da independência do banco central, compartilhada por republicanos e democratas."
Só anos após deixar a Casa Branca, George H. W. Bush lamentou que a relutância de Alan Greenspan em cortar os juros de forma mais agressiva, no início dos anos 1990, tenha ajudado a empurrar a economia para uma recessão. Isso, na visão do ex-presidente, abriu caminho para a eleição de Bill Clinton.
"Acho que se os juros tivessem sido reduzidos de forma mais drástica, eu teria sido reeleito presidente por causa da recuperação [econômica] ", disse Bush em entrevista a um canal de TV em 1998. "Eu o reconduzi [ao cargo no Fed] e ele me decepcionou."