Se o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), e o governador gaúcho Eduardo Leite (PSDB) são responsabilizados pelos estudiosos em meio ambiente por não terem preparado a cidade e o estado adequadamente para enfrentar o desastre climático que atingiu o Rio Grande do Sul, nas redes de extrema direita a culpa recai toda sobre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

 

Ele e alguns ministros têm sido os principais alvos de notícias falsas sobre a tragédia. O pano de fundo da disputa ideológica é um só: as eleições municipais de outubro, que habitualmente servem de termômetro para as gerais, como a de 2026.

 

A estratégia de desgaste ficou evidente no pagamento do Auxílio Reconstrução, de R$ 5,1 mil, para as famílias atingidas pelas chuvas — efetivado assim que as prefeituras encaminham à União o cadastro dos atingidos. Há localidades onde o procedimento demora por causa da falta de estrutura das administrações municipais, mas há, também, a percepção de que a relação de beneficiados demora a ser entregue ao governo federal apenas porque o prefeito é adversário do PT ou de Lula.

 

Nas redes da extrema direita, as simpatias do bolsonarismo se voltam para Sebastião Melo — que, a princípio, é candidato à reeleição em Porto Alegre e pretende contar com o apoio de Jair Bolsonaro. Um caso semelhante ao de Ricardo Nunes, também do MDB, que busca o segundo mandato em São Paulo. Os dois não fazem acenos explícitos ao ex-presidente, mas querem canalizar para eles os votos anti-PT e anti-esquerda.



Subida no tom


Desde os primeiros dias da tragédia, a disseminação de mentiras tem causado impacto nas ações de resgate e reconstrução. Mas se intensificaram depois de dois movimentos, ambos do governo federal: 1) a indicação de Paulo Pimenta para a Secretaria Extraordinária da Presidência da República de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul; e 2) a conexão direta com as prefeituras para a liberação de verbas às pessoas atingidas e para investimentos na recuperação dos danos causados pela inundação.

 

No primeiro caso, a colocação de Pimenta na função de interlocutor do governo federal dentro do Rio Grande do Sul é encarada como uma "intervenção" no estado, e trampolim para que chegue cacifado à disputa do governo gaúcho, em 2026. No segundo, os adversários de Lula creem que a liberação de recursos diretamente às prefeituras é para a cooptação de adversários — sem contar que os gestores locais que são do PT ou contarão com o apoio do partido serão turbinados com uma enxurrada de verbas federais.

 

 

Mas, na guerrilha das fake news, quem pretende expô-la sofre intensa campanha de difamação e descrédito. A artilharia extremista se volta contra instituições de checagem de fatos ou acadêmicas, que se dedicam ao estudo das mentiras nas redes sociais.

 

 

Uma delas é o Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais (NetLab), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que desde o início da crise gaúcha vem monitorando a desinformação sobre o desastre. Exemplo disso é o artigo que o deputado federal Marcel van Hattem (Novo-RS) publicou, em um jornal do Paraná, acusando a instituição da UFRJ de ser um "serviço político para Lula e o PT, pago pelo Tesouro".

 

Outra é a Agência Lupa, que além de publicar um guia para que o usuário de rede social não se deixe enganar por notícias falsas, atraiu a ira dos extremistas quando desmascarou algumas fake news que circularam sobre a tragédia gaúcha. Uma delas se relacionava a um áudio de um homem que relatou, enquanto ajudava no resgate de pessoas ilhadas pela enchente, ter recolhido um bebê morto pensando tratar-se de um boneco. O mesmo áudio afirmava que havia corpos boiando no bairro Mathias Velho, em Canoas. O Corpo de Bombeiros Militar do estado, porém, negou os dois episódios.

 

Logo no começo das operações no Rio Grande do Sul, diante das hostilidades sofridas por grupos de militares que atuavam nos resgastes, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, fez um apelo. "Seria ótimo que usassem o talento que têm de criar fake news para nos ajudarem a salvar vidas", clamou.

 

Acordo


Em 22 de maio, a Advocacia-Geral da União (AGU) convocou os representantes das plataformas Google/YouTube, Meta, TikTok, X, Kwai e LinkedIn para se comprometerem a moderar e controlar o que é publicado e enfrentar a onda de notícias falsas sobre a tragédia. As big techs assinaram um protocolo para "promover a integridade" das informações sobre o desastre.

 

O compromisso, porém, parece não estar sendo levado a sério. Segundo o NetLab da UFRJ, o YouTube, o Facebook e o TikTok têm permitido que canais lucrem divulgando falsidades sobre a tragédia ou conteúdos negacionistas a respeito das mudanças climáticas.

 

"Em menor escala, conteúdos conspiracionistas alegam que culpar as ações humanas sobre o clima é um pretexto do governo e da mídia para ocultar a verdade: que o desastre foi planejado e visa submeter a população e o agronegócio ao controle de grandes grupos mundiais", diz um trecho do relatório Enchentes no Rio Grande do Sul — Uma análise da desinformação multiplataforma sobre o desastre climático, ao qual o Correio teve acesso.

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