A Polícia Federal mudou de entendimento e indiciou o empresário Roberto Mantovani Filho, a esposa e o genro dele sob suspeita de hostilizar o ministro do STF Alexandre de Moraes e seus familiares no aeroporto de Roma.
O episódio ocorreu em julho de 2023 e resultou na abertura de uma investigação pela PF, que tem como relator o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal. A defesa de Mantovani e de sua família afirmou que "causa perplexidade e enorme surpresa" o novo posicionamento da PF.
Em fevereiro deste ano, o delegado Hiroshi de Araújo Sakaki, então responsável pelo caso, encerrou a investigação e concluiu que Mantovani cometeu o crime de injúria real contra o filho de Moraes. O delegado, no entanto, não indiciou o empresário, ou seja, não imputou formalmente o crime a ele.
O argumento do investigador foi que haveria uma instrução normativa da PF que veda o indiciamento por crime de menor potencial ofensivo, de pena máxima de dois anos. A injúria real se caracteriza no Código Penal pelo "emprego de violência ou vias de fato" para ofender a dignidade ou o decoro de alguém.
O delegado também argumentou a necessidade de que houvesse a extraterritorialidade da lei penal – ou seja, para que a lei brasileira se aplique a episódios acontecidos no exterior. Para isso, o crime deveria estar "incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição", o que não é o caso da injúria real.
Após a conclusão da PF, a PGR (Procuradoria-Geral da República) se manifestou contra o entendimento do delegado. "Há elementos de convicção sobre ter havido, na data e local indicados, atos de hostilidade de gravidade considerável por parte de Alex Zanatta Bignotto, Roberto Mantovani Filho e Andreia Munarão contra o ministro Alexandre de Moraes", diz o pedido enviado a Toffoli.
A PGR pedia que o empresário fosse ouvido para esclarecer se o vídeo gravado do momento da discussão, encontrado em um celular na casa de Mantovani, foi "manipulado para retratar um cenário fantasioso".
A manifestação da Procuradoria dizia ainda que as supostas ofensas contra Moraes "escaparam" do relatório da PF. O posicionamento afirma que a suposta conduta dos investigados autoriza a "extraterritorialidade da lei penal brasileira", portanto, o indiciamento mesmo em caso de crime no exterior.
Após o recurso da PGR, o ministro Dias Toffoli ordenou que a PF desse prosseguimento à investigação. Após a decisão de Toffoli, o delegado Hiroshi de Araújo Sakaki pediu para que o caso fosse enviado para outro investigador.
O caso então ficou sob responsabilidade do delegado Thiago Severo de Rezende, da Diretoria de Inteligência Policial, que mudou de posição em relação ao seu antecessor.
Na nova conclusão, o delegado indiciou o empresário sob suspeita do crime de calúnia, que é quando se imputa falsamente um fato classificado como crime a outra pessoa, com o agravante da ação ter sido "contra funcionário público, em razão de suas funções". Também foram indiciados Andreia Munarão, esposa do empresário, e o genro dele, Alex Bignotto.
Com esse novo posicionamento, o caso não se enquadra na instrução normativa da PF utilizada pelo delegado inicial do caso para não indiciar o empresário.
"Embora o crime de difamação tenha a pena máxima de 2 anos, ao se aplicar a majorante do art.141 a pena máxima do crime passa a ser 2 anos e 8 meses, ultrapassando assim o limite legal. Diante de tal circunstância entendo que, no caso em questão, cabível e necessário o indiciamento dos investigados no referido crime", diz o delegado na sua conclusão.
Além disso, o delegado indiciou o empresário pelo crime de injúria, quando se ofende a dignidade de uma pessoa, com o agravante de ter havido violência. Para essa interpretação, o delegado entendeu que o empresário agrediu com um tapa o filho de Moraes.
Procurada pela reportagem, a defesa de Mantovani e da família disse que a mudança da PF resulta de um "vale tudo".
"Recorde-se que ela nasce da mesma Polícia Federal que, não faz muito, opinou expressamente pelo arquivamento das investigações! Destaque-se: essa drástica mudança acontece sem que nada de novo, nenhuma outra prova, tenha sido juntada aos autos", disse o advogado Ralph Tórtima em nota.
"Este inquérito, que já havia sido relatado, lamentavelmente tem se revelado um verdadeiro 'vale tudo'. Nele só não vale o respeito aos princípios mais sagrados do direito. Lamentável sob todos os títulos."
O delegado também afirma em seu relatório que a agressão contra Moraes se deu um cenário de polarização no Brasil.
"Alas extremistas passaram a difundir nas redes sociais as conhecidas fake news e a propagar o ódio ao lado oposto. Nessa guerra vivenciada, em especial nas redes sociais, passou-se a exaltar algumas personalidades e a atacar de forma vil outras que os grupos veem como contrárias ao ponto de vista defendido por eles", diz ele.
Segundo o investigador, Moraes é "uma das figuras mais atacadas e odiadas por alas extremistas."
A partir dessa análise do contexto, o delegado diz que é possível "apontar a causa de agir dos agressores" ao analisar o conteúdo de um telefone do empresário acessado pela PF.
"Um dos vídeos compartilhados afirma que o ministro teria praticado crimes no decorrer das eleições. Em outro vídeo uma pessoa prega a intervenção militar no Brasil. Um terceiro vídeo o autor afirma que o ministro é um covarde e afirma que o mesmo abusa de senhoras de 60 anos", diz o investigador.
Segundo ele, o compartilhamento desses vídeos "são condizentes com as palavras atribuídas a ele [Moraes] e sua família no aeroporto". "Não é tolerável que, por motivação política ou ideológica, se autorize a agressão, a ridicularização, a propagação de mentiras contra quem quer que seja", afirma.