Enquanto a proposta de reajuste salarial dos servidores mineiros avança na Assembleia Legislativa em meio a protestos, parte dos funcionários públicos do estado observa as discussões em torno dos percentuais disputados pelo Executivo e parlamentares da oposição. Eles estão preocupados com a hipótese de não ter qualquer ganho real em seus vencimentos. A situação pode afetar justamente o estrato da base do funcionalismo: os que recebem menos de um salário mínimo.


De acordo com o Portal da Transparência do Governo de Minas, quase 62 mil servidores ativos recebem até um salário mínimo, representando 17% do total do estado. Entre eles, há quem receba uma parte dos pagamentos descrita nos contracheques como “vencimento do provento básico”, um valor complementar para que o salário-base chegue à marca de um salário mínimo, conforme apresentado em denúncia elaborada pelo Sindicato dos Servidores da Tributação, Fiscalização e Arrecadação do Estado (Sinfazfisco-MG).


O Projeto de Lei (PL) 2309/2024, de autoria de Romeu Zema (Novo), será votado em segundo turno hoje e prevê um reajuste de 4,62% ao funcionalismo público. O índice incide apenas sobre o salário-base do servidor, por isso, há casos em que esta correção nos vencimentos não será suficiente para que a remuneração supere os R$ 1.412 do salário mínimo e o efeito se dará na parte da folha aplicada apenas para atingir este patamar.

 




Um exemplo enviado à reportagem diz respeito a um servidor da Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG) que trabalha 30 horas semanais. Portanto, deveria receber R$ 1.059, por esse período, com base no salário mínimo. Como salário-base, ele recebe R$ 883,36 e, para atingir o patamar mínimo, tem em seu contracheque R$ 175,64 como “vencimento do provento básico”.


Aplicados os 4,62% de reajuste sobre o salário-base, o valor subiria para 924,17, ainda abaixo do salário mínimo. Neste caso, o efeito seria a redução do “vencimento do provento básico” em R$ 40,81 e uma conta de saldo zero. Na prática, o servidor em questão e muitos outros não terão nenhum aumento real.


A principal argumentação da oposição e de deputados classistas na batalha do reajuste na Assembleia é para que a correção atinja o patamar das perdas inflacionárias de 2022 e 2023, que esteve na casa de 10,67%. Mesmo com este percentual, há casos de servidores que seguirão com aumento zero nos vencimentos, incluindo o exemplo apresentado nesta matéria.

 


Possíveis soluções

Uma das possibilidades para que servidores com vencimento básico abaixo do salário mínimo saiam do zero seria a apresentação de uma proposta de reajuste não linear, conforme apontado pelo diretor de Relações Intersindicais e Parlamentares do Sinfazfisco, Hugo René de Souza. Neste caso, no lugar de um percentual único para todo o funcionalismo, se faria a correção dos valores com taxas diferentes para cada situação.


Após a votação do PL 2309/2024 em primeiro turno, o líder do governo na Assembleia, João Magalhães (MDB), afirmou que a proposta linear atende os limites constitucionais. “A Constituição proíbe níveis diferenciados quando se faz a recomposição salarial das perdas inflacionárias do ano. Tem que ser igual para todas as categorias”, afirmou. O parlamentar ainda argumentou que o Regime de Recuperação Fiscal (RRF) impede que Minas conceda reajustes acima do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).


Outra forma de resolver a situação dos servidores com os menores salários seria a ampliação do reajuste para outras bonificações que não o salário-base, conforme avaliado pelo diretor do Sinfazfisco. Emendas ao PL 2309/2024 com esse objetivo foram apresentadas na Comissão de Fiscalização Financeira e Orçamentária (FFO) de ontem, mas foram derrotadas.


Um exemplo foi a emenda nº 5, apresentada pelo deputado Lucas Lasmar (Rede) que propunha adicionar ao texto uma autorização para que o Executivo aplique “o índice de revisão previsto nesta Lei aos valores pagos a título de ajuda de custo de que trata o art.189 da Lei Estadual n° 22.257, de 27 de julho de 2016".


A FFO é o último estágio antes do projeto ir para a votação definitiva em segundo turno. No entanto, os parlamentares podem apresentar novamente as emendas no plenário e solicitar apreciação separada do texto principal do PL.

 

Situação abrangente


Os dados compilados pelo Sinfazfisco foram apresentados na sessão da FFO de ontem pelo deputado Professor Cleiton (PV). O parlamentar destacou que, considerando servidores ativos e inativos, há cerca de 90 mil pessoas na situação em que os reajustes significarão alteração nula nos vencimentos no fim do mês.


À reportagem, o deputado afirmou que a situação é um símbolo da situação do funcionalismo público no estado e criticou o percentual proposto por Zema para o reajuste. Ele ressaltou que a ampliação do poder de compra do servidor tem um impacto na economia do estado.


“O aumento zero é um escárnio. Não representa melhoria nem na qualidade de vida e muito menos em um aspecto que já foi demonstrado por alguns economistas. Minas Gerais hoje é o que mais depende do salário do servidor pela quantidade de municípios e o tamanho deles. O salário dos servidores públicos determina também a movimentação econômica. Um aumento que não faz jus à recomposição inflacionária compromete o próprio giro da economia”, afirmou.

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