Após um fim de semana marcado por manifestações em todo o Brasil, o PL do aborto 'respira por aparelhos' no Congresso Nacional. Enquanto senadores discutiam o tema em uma sessão esvaziada, a deputada Ana Pimentel (PT-MG), presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher na Câmara, organizava uma manifestação ao lado de outras parlamentares femininas para a próxima quarta-feira (18/6).
Nesta segunda-feira (17/6), o deputado Sóstenes Cavalcanti (PL-RJ), autor do projeto, anunciou o adiamento da votação para depois das eleições, em resposta à crescente pressão pública sobre o texto, que propõe equiparar o aborto após a 22ª semana de gestação ao crime de homicídio.
Fato é que, a pressão é tão grande, que não é mais interessante debater o tema em um ano eleitoral, onde os deputados e senadores precisam construir novas bases. A reação das mulheres, que foram às ruas em diversas capitais do país ao longo dos últimos dias, o desgaste midiático e a reação das redes dividiram inclusive a bancada evangélica e líderes religiosos em todo o país.
No Congresso, alguns poucos parlamentares persistem na defesa do texto. Sessão que aconteceu hoje no Senado, e teve até mesmo uma contadora de histórias que simulou o feto dentro da barriga da mãe, contava com a presença de poucos senadores.
O desgaste é nítido e pode se comprovar quando a deputada Renilce Nicodemos (MDB-PA) - que é evangélica e conservadora - solicitou à Mesa Diretora da Câmara, que seu nome fosse retirado da lista de assinaturas do texto. Em sua publicação nas redes, a parlamentar disse que é a favor “da vida e contra o aborto, menos em casos quando há risco de vida para a mulher causado pela gravidez, ou quando a gravidez for resultante de um estupro”. Os casos citados pela parlamentar, são as situações já previstas em lei para aborto legal, como também anencefalia do feto (má formação do cérebro).
Ana Pimentel, que preside a Comissão da Mulher conversou com o Estado de Minas sobre o tema e pontuou a resistência à proposta chamando o texto de “neoliberal e fascista”. Ela é a responsável pela organização de uma manifestação que vai acontecer no Salão Verde na próxima quarta às 16h. "A sociedade brasileira, não concorda com o projeto político que este projeto representa. A minha posição, como presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, que é também a posição da bancada do PT, é de recusa absoluta deste projeto, não queremos sequer que ele seja votado. Este projeto não traz benefício algum para a vida de crianças e de mulheres brasileiras. Então, por que devemos votá-lo? Não faz sentido.”
Segundo a deputada mineira, o texto é considerado um grave retrocesso na proteção das meninas brasileiras vítimas de violência sexual. Isso porque, estatísticas recentes revelam um quadro alarmante: 75% das vítimas de estupro no Brasil são garotas menores de 13 anos. Além disso, a cada hora, seis denúncias deste tipo de abuso são registradas no país. “Em vez de proporcionar o suporte necessário a essas crianças, o projeto de lei propõe medidas que podem perpetuar ainda mais o ciclo de violência e sofrimento ao qual elas estão submetidas”, afirmou.
Como o projeto prevê que mulheres e crianças ao realizarem, até mesmo, o aborto legal como no caso de vítimas de estupro, possam ser condenadas a penas de prisão de até 20 anos, enquanto esse crime sexual tem pena máxima de 10 anos, grupos contrários ao texto começaram a chamar a proposta de "PL do estuprador". A oposição sentiu. Uma das principais vozes do PP, o partido de Lira, o senador Ciro Nogueira (PP-PI), presidente da sigla, diz que nem ele, nem Lira, têm qualquer compromisso com o mérito da proposta. "O acordo, o gesto para a bancada evangélica, era apenas o de votar a urgência. Apenas isso. Não há qualquer acordo sobre o mérito (conteúdo) da proposta."
No grupo mais próximo a Lira, a avaliação é a de que o deputado Sóstenes Cavalcanti pode ter garantido "umas três eleições" em seu nicho, mas acabou expondo a oposição a um desgaste inédito desde o 8 de janeiro de 2023.
Quem também falou sobre desgaste foi Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais e responsável pela articulação política do governo no Congresso. “Não tem clima e ambiente e nunca houve compromisso dos líderes, não só do governo, de votar o mérito, e não tem ambiente para se continuar o projeto”, disse.
Na semana passada, Padilha já tinha dito que o presidente Lula sempre garantiu, atendendo a solicitações de lideranças religiosas, que “nunca ia fazer nada para mudar a legislação atual do aborto no país”.
Na última semana, a Câmara dos Deputados aprovou, em votação relâmpago, a tramitação em regime de urgência do texto. O projeto quer equiparar o aborto realizado após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio simples, do artigo 124 do Código Penal. A pena, nesse caso, varia entre 6 e 20 anos de prisão.