O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), afirmou nesta terça-feira (18/6) que o instituto da delação premiada está sob ataque no país. A declaração foi dada durante o julgamento para abertura de ação penal no caso Marielle Franco, cuja denúncia teve como base a colaboração do ex-PM Ronnie Lessa, executor do crime.
A declaração foi dada em meio às discussões no Congresso sobre mudanças na legislação que impediriam a assinatura de acordos com investigados presos. Segundo especialistas, a alteração pode, na prática, inviabilizar a assinatura de novas colaborações.
"Estamos num momento de ataque ao instituto de colaboração premiada. Estamos num momento em que alguns defendem a extinção da colaboração premiada", afirmou o ministro.
"A colaboração premiada foi sendo ajustada no Brasil. Num primeiro momento a legislação não permitia a condenação só com base na delação premiada. A jurisprudência e depois a legislação foi mais além, impedindo o recebimento de denúncia tão somente com base na delação premiada".
Moraes faz referência às mudanças instituídas na lei anticrime, em 2019. Ela passou exigir provas de corroboração para o uso das informações do delator na fundamentação de medidas cautelares, como prisões preventivas ou busca e apreensão.
De autoria do então deputado Wadih Damous (PT-RJ), atual secretário Nacional do Consumidor no governo Lula (PT), a proposta foi elaborada em 2016, no contexto da Operação Lava Jato. A proposta também criminaliza a divulgação do conteúdo dos depoimentos colhidos no âmbito de acordos de colaboração premiada, pendente ou não de homologação judicial.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), incluiu na pauta de votações do plenário da Casa há duas semanas um requerimento de urgência, que acabou sendo aprovado, agilizando a tramitação do projeto.
Damous disse à Folha de S.Paulo que o texto está sendo usado "oportunisticamente". "Eu pensei que tudo isso já tivesse arquivado lá na Câmara, é de se perguntar ao atual presidente da Câmara por que na época ele não assinou um requerimento de urgência, como agora está assinado", disse.
No julgamento do caso Marielle, os ministros da Primeira Turma decidiram tornar réus os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão sob acusação de serem os mandantes da morte da vereadora Marielle Franco (PSOL), em março de 2018.
Também responderão ao processo o delegado Rivaldo Barbosa, ex-chefe de Polícia Civil, os policiais militares Robson Claixto, o Peixe, e Ronald Pereira, sob acusação de auxiliarem no planejamento do crime.
O relatório final da Polícia Federal, porém, não apresenta provas que confirmem os encontros entre Lessa e os irmãos Brazão relatados na delação do ex-PM. As evidências sequer estabelecem uma vinculação entre os dois e Rivaldo Barbosa.
Os ministros entenderam que não são necessárias provas de corroboração que comprovem as falas do delator. O entendimento firmado foi de que bastam indícios para a abertura da ação penal, sendo possível a ampliação da corroboração ao longo do processo.
"Se os indícios de autoria vão ser confirmados durante a ação penal, é para isso que temos o contraditório e a ampla defesa. Da leitura da denúncia e das provas juntadas pelo Ministério Público, verifica-se que a PGR expôs de forma compreensível todos os requisitos", disse o ministro.
O ministro Cristiano Zanin também afirmou que o nível de provas exigido para o recebimento da denúncia é distinto do necessário para a condenação.
"Neste momento não estamos analisando provas para fins de condenação, mas sim para instauração de ação penal na qual a Procuradoria-Geral da República terá de produzir prova de culpa", disse ele.
"É justamente essa a oportunidade de ouvir e confrontar esse colaborador de forma ampla. De poder inclusive demonstrar eventuais inconsistências, ou até mesmo uma versão mentirosa que tenha sido por ele contada. Mas isso se dará durante a instrução [da ação penal]."
A ministra Carmen Lúcia, por sua vez, afirmou que o conjunto apresentado pela PGR não contêm provas, mas "descrições de fato que podem, em tese, constituir delito a ser punido na forma da legislação vigente".
"São indícios que indicam a possibilidade de ter havido tudo o que foi descrito de maneira clara e objetiva. Sem provas, porque as provas se dão na instrução. Agora é apenas o recebimento. Um cenário que tende a ser suficiente como justa causa para instauração de uma denúncia."
A delação de Lessa foi alvo de ataque das defesas na tribuna antes do voto.
O advogado Roberto Brzezinski Neto, que defende Domingos Brazão, criticou a falta de corroboração das declarações de Lessa em sua colaboração.
"É inacreditável que não se tenha prova de nenhum dos três encontros [entre os Brazão e Lessa, descritos na colaboração]", disse ele.
"Não se tem prova da entrega e devolução da arma. Quem acredita que um sicário profissional iria pedir a arma para o mandante e aceitar a devolução da arma ao mandante. E o risco que ele não correria dessa arma ser descoberta?"
O advogado Marcelo Ferreira, que representa Rivaldo, afirmou que a única nova informação produzida pela PF após a investigação da Polícia Civil sobre o homicídio foi a "discutida e controvertida colaboração premiada de Ronnie Lessa, que muito mais confundiu que esclareceu".
"Ronnie Lessa disse exatamente o que a PF queria ouvir. Ele conduziu a Polícia Federal como um boiadeiro conduz a boiada", afirmou o advogado de Rivaldo.
Em sua sustentação oral, o subprocurador da República Luiz Augusto Santos Lima rejeitou a alegação de que falta corroboração à delação de Ronnie Lessa.
"Não há palavra tecida por Ronnie Lessa que destoam do quadro probatório. Qual outra justificativa se encontra para que milicianos se infiltrassem nas fileiras do PSOL. Como Ronnie Lessa teria obtido informações?", disse ele.