Em um estado marcado pela violência na política de gênero, com deputadas e vereadoras mineiras andando sob escolta devido a ameaças de morte e violência, e que ocupa o segundo lugar no ranking nacional de casos de feminicídio, cerca de 300 mulheres foram diplomadas neste sábado (22/6) defensoras populares. 


A formação é promovida pela Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG), por meio de sua Escola Superior (Esdep) e Coordenadoria Estadual de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (CEDEM), com o objetivo de capacitar mulheres lideranças em suas comunidades e áreas de militância para que elas possam atuar no combate à violência, ao machismo e em defesa de seus direitos. 




 

“Nós capacitamos mulheres, que já exercem posições de lideranças em suas comunidades, em direitos. Quais são os direitos da criança e do adolescente, quais são os direitos da mulher, como ela pode trabalhar para efetivação dos direitos na comunidade onde ela está, qual o papel da Defensoria Pública, como ela pode garantir o direito à saúde para sua comunidade, à educação, ao emprego, moradia. Com isso a gente potencializa a ação daquela liderança no seio da sua comunidade”, explica Raquel da Costa Dias, defensora-pública geral. 

 


“Informação é poder e ela traz como consequência a independência, não só dessa mulher, mas de todos que convivem com ela”, completa a defensora que, em seu discurso, lembrou uma frase da escritora e ativista feminista, a nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, “precisamos encorajar mais mulheres a mudar o mundo”. 


Trabalhadoras sexuais e desencarceramento

 

Uma das defensoras populares diplomadas é Fátima Muniz, 55 anos, conhecida como Jade, que hoje preside o Conselho Municipal da Mulher e é uma das fundadoras do Clã das Lobas, coletivo de trabalhadoras sexuais da capital mineira.

 

 

“Conseguimos formar cinco trabalhadoras sexuais e esperamos ter mais defensoras para que elas possam conhecer melhor as leis, atuar na defesa dos seus direitos e articular as políticas que precisamos”, afirma Jade. 


Segundo ela, no seu campo de atuação, o curso abriu horizontes e foi muito além do que geralmente é ofertado para as trabalhadoras sexuais, quase sempre pautas relacionadas a doenças sexualmente transmissíveis.

 

 

Ativista pelo desencarceramento e pelos direitos das pessoas privadas de liberdade, Maria Tereza dos Santos, 65 anos, conhecida como dona Tereza, também recebeu ontem seu diploma de defensora pública. 


“Esse curso é fundamental porque trouxe mulheres de várias regiões da cidade que adquiriram conhecimento de como fazer o enfrentamento a tantas mazelas que nos afetam e como acessar às políticas públicas que já estão disponíveis para que a gente não fique naquele lugar de pessoas miseráveis, sem acesso e sem conhecimento”, afirma. 


No seu campo de atuação, conta dona Tereza, os familiares das pessoas presas descobriram “acessos que toda a vida foi negado a eles por serem parentes de uma pessoa privada de liberdade”. “Agora eles sabem onde buscar seus direitos. E eu também aprendi como encaminhá-los para o lugar correto  quando eles buscarem ajuda”, afirma dona Tereza para quem “o saber não ocupa lugar”.

 

”Manda quem sabe, por isso é importante todo mundo saber”, afirma a ativista. 


A arte educadora Elza Russo, 65 anos, também era uma das diplomadas. Para ela, que milita pelo veganismo e pela descriminalização do uso da maconha, o curso de defensora popular o curso “nos antena a como existir no mundo das leis”. “É muito interessante ter esse conhecimento e poder difundi-lo de forma prática”, defende Elza. 


Violência doméstica

 

Vítima de violência doméstica durante uma década, a assistente social Ruth Dias Pacheco, 57 anos, mãe de quatro filhos, se emocionou ao discursar em nome das formandas. “Não se prenda à dor, não se prenda à violência”, aconselhou Ruth, que atribuiu ao estudo sua libertação “das algemas da violência doméstica”. 


Durante a cerimônia de diplomação, a coordenadora da Esdep-MG, Silvana Lourenço Lobo, lembrou da importância das defensoras como multiplicadoras de direito e contou que, semana passada, durante uma audiência na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) sobre direitos dos idosos, nenhum representante da DPMG tinha sido convidado, mas a instituição acabou representada por uma defensora popular presente na plateia. “Ou seja, não estando lá algum defensor público de carreira, lá estarão vocês que são defensoras populares”, afirma Silvana.


O curso é totalmente gratuito e aberto às mulheres de todas as regiões do estado, podendo ser feito presencial ou online. Durante cerca de um semestre, sempre aos sábados, são ministradas aulas com conteúdos sobre  Lei Maria da Penha; violência institucional, saúde, autonomia reprodutiva; direito previdenciário e à moradia, mundo do trabalho; seguridade social, participação política e representatividade, sempre sob uma perspectiva de gênero. 


Ainda não foi definida a data do novo curso, mas as informações podem ser acompanhadas no site e nas redes sociais da DPMG. 

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