As mulheres são 52% do eleitorado mineiro, mas, apesar de maioria entre os votantes, não estão proporcionalmente representadas nas Câmaras municipais da maior parte das 853 cidades mineiras. Levantamento feito pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher da Universidade Federal de Minas Gerais (Nepem-UFMG) aponta que 61,4% das casas legislativas municipais no estado têm de zero a uma vereadora. São 189 cidades sem nenhuma parlamentar; 335 com apenas uma. Somente quatro câmaras municipais têm maioria de mulheres em suas cadeiras.
Essa baixa representatividade feminina não é uma peculiaridade de cidades com poucos habitantes ou distantes da capital. Dos 34 municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte, a terceira mais populosa do Brasil, sete não têm vereadora; 16 têm somente uma parlamentar municipal.
Algumas das câmaras com nenhuma ou com apenas uma vereadora integram a lista dos maiores colégios eleitorais do estado, caso de Ribeirão das Neves, que não elegeu candidata nas eleições de 2020, e de Betim, que tem apenas uma parlamentar, Angela Maria (Republicanos).
A baixa representatividade das mulheres nos espaços de poder municipal também alcança as prefeituras, e os índices são ainda piores. Somente 7,5% das 853 cidades mineiras são administradas por prefeitas, ou seja, são apenas 64 mulheres diante de 789 homens no comando dos Executivos municipais.
Abismo de gênero nos cargos eletivos
Os números de mulheres em cargos eletivos em Minas refletem tendência nacional, mostrando que a política de garantia de cotas para candidaturas femininas ainda não foi suficiente para diminuir o abismo de gênero na representatividade.
De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 16% das 5.570 cidades brasileiras não elegeram vereadoras em 2020, e apenas 663 elegeram prefeitas. Somente 45 cidades têm maioria de mulheres na composição das suas câmaras, número que não chega a 1% do total dos municípios. Em 2016, essa proporção era ainda menor: apenas 24 câmaras municipais tiveram mais mulheres do que homens eleitas.
Uma proposta de emenda à Constituição em tramitação no Congresso Nacional institui cotas fixas de vagas para as mulheres nas Câmaras de vereadores, Assembleias legislativas e na Câmara dos Deputados, e não apenas cotas para as candidaturas femininas, como ocorre hoje.
A reserva está prevista na PEC 134/15, que estabelece cotas transitórias para mulheres no Poder Legislativo, de 10%, 12% e 16%, por três legislaturas, para assegurar aumento da representatividade.
A Proposta de Emenda à Constituição 134/15 foi aprovada pelo Senado, mas aguarda há 10 anos ser votada pela Câmara dos Deputados, composta por 91 mulheres em um universo de 513 cadeiras.
Em busca de voz ativa no plenário
Como se não bastasse a dificuldade de ser eleita, exercer o mandato em espaços predominantemente masculinos se revela um desafio para mulheres que muitas vezes sofrem violência política de gênero e têm que se desdobrar para garantir respeito dos demais parlamentares.
A vereadora Juliane Aparecida dos Santos Teixeira (MDB), 37 anos, conhecida como Tia Ju, única mulher eleita para uma das 17 cadeiras na Câmara de Vespasiano, cidade da Grande BH com 129,7 mil habitantes, conta que sua maior dificuldade foi ser ouvida. “Não conseguia ter voz”, afirma a vereadora, que exerce o primeiro mandato e tem como marca registrada sempre usar uma peça de roupa cor-de-rosa.
Ela relata que, em uma atividade parlamentar, convidou a juíza da Segunda Vara Criminal da cidade, Cibele Mourão, para falar sobre a violência contra a mulher. Na hora de ler o currículo da magistrada para apresentá-la aos colegas e à população que acompanhava a sessão, todos os vereadores falavam ao mesmo tempo. “Era como se eu não existisse naquele momento”, queixa-se.
A juíza então, conta a vereadora, subiu à tribuna para fazer sua explanação e aproveitou para relatar como era desagradável para uma mulher não conseguir falar. E explicou que isso também era uma espécie de violência.
A partir desse dia, relata a vereadora, “houve uma comunhão entre os demais parlamentares para me dar ouvidos, prestar atenção às minhas falas e me colocar no mesmo nível de importância e representatividade em plenário. Afinal, o meu voto vale tanto quanto o deles”, relata a parlamentar, pré-candidata à reeleição.
Hoje, afirma a vereadora, as relações melhoraram. Ela passou a conhecer na palma da mão o Regimento Interno, ferramenta importante para atuação parlamentar, está se graduando em direito, seu segundo curso superior, para conhecer melhor as leis.
“Mas a gente, mulher, tem que trabalhar três, quatro vezes mais para conquistar o respeito no plenário. Por sermos mulheres, penso eu, já estamos sempre um passo atrás, porque a política é predominantemente masculina”, afirma a vereadora, que tem gabinete composto exclusivamente por mulheres.
Só quatro eleitas em 100 anos de história
Filha de Helenice Salomão Bastos, uma das primeiras mulheres eleitas para a Câmara de Pedro Leopoldo, também na Grande BH, a professora Cynthia Salomão (MDB), de 53 anos, é hoje a única vereadora entre os 10 parlamentares da cidade.
Suplente, ela tomou posse no fim de 2022, depois do falecimento de Zé Justino, garantindo ao menos uma vaga feminina no Legislativo. Tornou-se, assim, a quarta mulher eleita em 100 anos de fundação do município, completados neste ano.
Com orgulho, Cynthia se identifica publicamente como a “única vereadora mulher de Pedro Leopoldo”, mas sente falta de maior presença feminina no Parlamento. “Se tivesse mais uma vereadora, com ideias não iguais, mas pelo menos bem parecidas, ou o mesmo olhar para defender as mulheres, acredito que facilitaria o meu trabalho, seria mais uma força, mais uma para somar”, defende Cynthia.
Ela afirma que não enfrenta dificuldades por ser a única mulher. Porém, acrescenta: “Vamos dizer, assim, que fácil não é”. “Eu procurei, com muita humildade, me inteirar de tudo o que acontecia, também respeitando os meus pares. Mas é uma Câmara que tem nove vereadores e só eu de mulher”, relata Cynthia, também pré-candidata à reeleição.
Seu desejo, afirma, é que “outras mulheres ocupem este espaço, que também é delas”. “Para a gente mesclar e avançar nas pautas necessárias para as mulheres. Não podemos desanimar”, reflete a parlamentar.
Sozinha, mas não solitária
Também única vereadora em Santa Luzia, na Grande BH, Luiza do Hospital (PSD), eleita em 2020 para seu quinto mandato, já dividiu em outras épocas a tarefa com mais mulheres, mas hoje “dá conta sozinha” das pautas de interesse feminino e das demandas que chegam ao gabinete, a maioria, segundo ela, da área da saúde.
“Nós, mulheres, temos essa capacidade de dar conta de muitas coisas”, afirma a vereadora, que alega não se sentir solitária nem isolada nesses quase 20 anos de mandato. “Os homens sempre chegam para somar nas pautas importantes”, afirma a parlamentar, que não vai concorrer à reeleição, mas sim ao cargo de vice-prefeita na chapa encabeçada pelo vereador Wander do Delegado (PSD).
Ausência feminina se reflete nas pautas
Em Ribeirão das Neves, segundo pior município para uma mulher viver no Brasil, de acordo com estudo da Fundação João Pinheiro (FJP) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), não há vereadora. Na legislatura anterior, havia apenas uma, Neusa do Depósito (PPS), que não se reelegeu na disputa de 2020.
Moradora de Neves, a servidora pública Marcela Menezes, 33 anos, ex-presidente do Conselho da Mulher do município, lembra que a Câmara já chegou a ter três parlamentares, mas diz que a representação feminina sempre foi restrita. “Nós não temos nenhuma mulher na Câmara para tentar reverter esse quadro.”
“É claro que homens também podem fazer política para as mulheres, mas a gente sabe que quem sofre as dores são elas. Por isso, têm maior capacidade de representar suas necessidades”, reflete Marcela.
Segundo ela, o debate sobre as pautas que afetam diretamente as mulheres não é feito pelo Legislativo municipal “por um único motivo”. “Não tem mulher na Câmara”, afirma. “Aqui em Neves, nós temos, por exemplo, pouquíssimos debates sobre creche, sobre violência contra a mulher”, afirma a servidora, que pretende disputar uma vaga de vereadora nas eleições deste ano.
Corrida de obstáculos
Para Marlise Matos, professora e pesquisadora do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher da UFMG (Nepem), a eleição de mulheres é praticamente “uma corrida de obstáculos”, que começa desde a socialização de gênero, passa pela família e pelas regras da política “forjadas por homens e para homens”.
“É um conjunto de obstáculos que impede as mulheres de estar na política, desde o acesso a recursos de campanha, o próprio partido político que as invisibiliza, o eleitorado que não está sensível, que não é socializado para a importância dessa participação e depois a própria violência que elas vivem dentro das estruturas parlamentares”, destaca.
E as que conseguem, com todas essas dificuldades se eleger, enfrentam “uma solidão política” que dificulta sua atuação, pois são minoria. “A gente precisa ter uma quantidade maior (de mulheres) para que possam formar uma rede de socialização política, de atuação político-parlamentar para fortalecer o protagonismo dentro das casas legislativas”, avalia a professora.
“Elas têm que estar lá por uma questão de justiça, mas, para além disso, por uma questão de estabilidade social e democrática. É fundamental contar com a perspectiva, com a visão de mundo das mulheres no jogo político”, conclui.
Por trás das cotas
Sobre as cotas que garantem que 30% das candidaturas legislativas sejam de mulheres, a pesquisadora Marlise Matos, coordenadora do Nepem/UFMG, destaca que a reserva se baseia na teoria da massa crítica, que aponta ser esse o percentual mínimo para que haja qualidade na atuação parlamentar. “Mas quando a gente olha as Câmaras do Brasil, as mulheres não passam de 17%, 18%”, afirma. Mesmo essa garantia, lembra Marlise, não é eficaz devido às fraudes no preenchimento das cotas. Para combater essa situação, ela defende que haja, além de fiscalização rigorosa, um “processo de esclarecimento público sobre a importância da participação das mulheres na política”.
Preconceito resiste mesmo onde mulheres predominam
Nas Câmaras de apenas 45 das 5.570 cidades brasileiras há mais mulheres que homens nos cargos de vereador. Em Minas Gerais, do total de 853 municípios, esse cenário atípico ocorreu em apenas quatro: Pedra do Indaiá, no Centro-Oeste do estado; Buenópolis, na região Norte; São João da Mata, no Sul de Minas; e Silvianópolis, no Sudoeste.
A maior parte das cidades com predomínio feminino nos legislativos, conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), são municípios com menos de 15 mil habitantes. Essa é, exatamente, a realidade mineira: nenhuma das quatro cidades onde as Câmaras têm mais mulheres do que homens têm mais de 10 mil habitantes.
Em São João da Mata, por exemplo, são cerca de 2,9 mil habitantes, segundo o censo de 2022. Buenópolis tem 9,1 mil; Silvianópolis, 6,1 mil; e Pedra do Indaiá, 4,1 mil moradores.
Em 2016, a participação feminina nas Câmaras de cidades brasileiras era ainda menor, com apenas 24 municípios com mais representatividade feminina nos Legislativos. Em média, ainda conforme o TSE, pouco mais de 13% das vagas estavam ocupadas por mulheres. Com as Eleições de 2020, esse percentual subiu para 16%.
Do isolamento à maioria
Apesar do discreto avanço da participação feminina nas cidades, a maioria dos municípios ainda é governada por homens. Pedra do Indaiá, onde 95% da população está apta a votar (3,9 mil eleitores), é um exemplo. Para o comando do Executivo, foi eleito o prefeito Mateus Marciano dos Santos (Solidariedade). Mas na Câmara, pela primeira vez, a representatividade feminina superou a masculina.
Em seu segundo mandato, a vereadora Ivone Andrade (Solidariedade) já tentou ocupar a cadeira máxima da Prefeitura de Pedra do Indaiá. Isso em 1996, quando a presença feminina na política era mais tímida e o preconceito, ainda maior. “A política para mulheres naquela época era muito discriminada. Além disso, eu estava grávida de sete meses”, relembra. Foi a primeira vez que ela disputou um mandato.
Desde então, “nasceu uma experiência nova e um novo conhecimento de mulheres na política”, avalia ela, que vem de uma família com trajetória política. O pai, Benevides Antonio de Andrade, foi prefeito na década de 1970 e também vereador. Os dois irmãos também ocuparam cadeiras no Legislativo.
Com isso, em 2000 ela voltou para a disputa, sendo eleita vereadora pela primeira vez. “Como opositora em local pequeno, não se permitia caminhar oposição e situação. A discriminação teve mais voz ativa”, comenta.
Devido ao cenário, ela decidiu não entrar nas disputas seguintes, colocando o nome à disposição apenas no último pleito, quando, com outras quatro mulheres, somaram cinco das nove cadeiras da Câmara Municipal. Ivone foi a segunda mais votada da legislatura, com 166 votos, 34 a menos que o mais votado, Zé Elidio (Avante).
“O que nos incentiva são as próprias mulheres, que são trabalhadoras, batalhadoras, são mães, pais, filhas, esposas, educadoras, tudo ao mesmo tempo”, afirma. Ivone atua ao lado das vereadoras Cleidiane (Avante), Andreia Motorista (Avante), Bruna do João Bruno (Solidariedade) e Zilda Pedrosa (PSD).
“Presente” ou conquista?
Mesmo sendo maioria, as vereadoras de Pedra do Indaiá tiveram que ouvir de um colega de Parlamento, o vereador Reveter Rainer da Silva (PL), durante transmissão ao vivo em suas redes sociais, que “mulher não conquistou nada: foi dado”.
A fala ocorreu durante uma live em que o parlamentar criticava uma postagem da prefeitura sobre apoio ao Dia do Orgulho LGBTQIA+, parcela da população que também foi alvo de ataques. Postura que causou indignação entre moradores, que foram para a porta da Câmara Municipal protestar.
A Câmara aprovou uma moção de repúdio assinada pela presidente, Zilda Pedrosa (PSD), para quem a fala do parlamentar agrediu até mesmo as vereadoras, que são maioria no Legislativo municipal.
“Susto” entre o eleitorado
Em Buenópolis, o Parlamento municipal também conta com cinco vereadoras e quatro homens. Eleita pela primeira vez em 2020, Eva de Fátima Barbosa, conhecida como Fatinha Professora (PL), divide a bancada feminina com Jucineide Calixto (PDT), Sandra Diretora (PDT), Ana de Teu (Avante) e Simone do Deraldo (Republicanos).
Ela conta que nunca tinha se aventurado na política partidária, mas que sempre atuou em defesa da comunidade onde mora, Salobro, e presidiu a associação que representa a localidade. Para ela, a presença das mulheres nas Câmaras é importante, pois as pautas são “mais específicas”. Porém, ela afirma que sempre teve apoio dos vereadores para debater esses assuntos.
Também sustenta que nunca se sentiu discriminada em função do gênero, mas conta que a eleição majoritária de mulheres para o Legislativo causou, na época, um certo espanto entre a população do município do Norte de Minas. “Agora, todo mundo já se acostumou”, assegura.
Com informações de Amanda Quintiliano