Após a Cúpula do Mercosul, o presidente Lula seguirá para a Bolívia para um encontro bilateral com o presidente Luis Arce -  (crédito: Ricardo Stuckert/PR)

Após a Cúpula do Mercosul, o presidente Lula seguirá para a Bolívia para um encontro bilateral com o presidente Luis Arce

crédito: Ricardo Stuckert/PR

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarca nesta segunda-feira (8/7) em Assunção, no Paraguai, onde participará da 64ª Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul e Estados Associados. Um dos destaques da reunião será o anúncio do ingresso pleno da Bolívia no bloco comercial, após a aprovação do protocolo de adesão ocorrido no último dia 3, pelo Senado boliviano.

 

Ao Correio Braziliense, o assessor especial para assuntos internacionais da Presidência da República, Celso Amorim, ressalta que, além do ingresso definitivo da Bolívia, Lula pretende dar um recado sobre a importância da solidariedade e da democracia, após a tentativa de golpe sofrida pelo presidente boliviano Luis Arce. Dirá que o Brasil e a Bolívia são exemplos de que a extrema direita trama contra as instituições democráticas do continente, que precisam ser valorizadas e defendidas.

 

O grande ausente do encontro será o presidente da Argentina, Javier Milei, que ontem esteve em Balneário Camboriú, em Santa Catarina, para participar de uma conferência de partidos de direita, organizada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, com quem o chefe de estado argentino se encontrou. Milei disse que Bolsonaro "sofre perseguição judicial", mas não citou nomes.

 

Em menos de meia hora de discurso, centrou suas críticas ao socialismo como modelo econômico sem sustentabilidade: "Fazer justiça não é apenas 'todos serem iguais'". "Justiça é oferecer uma vida melhor. Justiça é que cada um seja dono dos seus sonhos", completou. Desta vez, Milei não atacou o petista diretamente, o que seria uma afronta intolerável.

 

 

 

Milei representa a ultradireitista na América do Sul e se opõe ao bloco, cuja presidência, por rodízio, passará do Paraguai para o Uruguai. Milei faz frequentes ataques ao presidente Lula. No último dia 2, em rede social, disse que Lula foi "preso por corrupção", que é "comunista" e se referiu a ele como um "perfeito dinossauro idiota".

 

Tenta travar negociações de temática progressista no bloco. Questionado sobre a relação entre os dois líderes, Amorim se limitou a dizer que "a relação Brasil e Argentina é muito forte, mas que certos protocolos da diplomacia, independentemente dos sentimentos, têm que ser respeitados".


"É obviamente importante nesse momento", disse Amorim sobre as relações comerciais sobre os dois países. "Vamos lembrar que também há uma cláusula democrática e sem nenhuma interferência. Nós queremos que isso seja preservado. Outro aspecto também que nós queremos manter e reforçar é a questão do Mercosul Social. Isso para o Brasil é muito importante, mas acho que é importante para toda a região, no momento em que algumas doutrinas neoliberais extremadas estão em voga em alguns países", aponta. O bloco econômico atualmente representa o equivalente à 7ª maior economia mundial, com PIB de US$ 2,86 trilhões, e engloba 67% do território da América do Sul.

Em 2023, o Brasil exportou US$ 23,56 bilhões para o bloco e importou US$ 17,09 bilhões, com superavit de quase US$ 6,5 bilhões. A maior parte das exportações brasileiras foi composta por produtos manufaturados, e as principais mercadorias comercializadas entre os membros do bloco são automóveis, peças automotivas, energia e soja.

 

Para Márcio Coimbra, presidente do Instituto Monitor da Democracia e vice-presidente da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig), um ponto de ação efetiva do Mercosul será o convênio com o Fundo Financeiro para Desenvolvimento da Bacia do Prata (Fonplata). A entidade apoia a realização de estudos, projetos, programas, obras e iniciativas que promovam o desenvolvimento e a integração econômica dos países-membros da Bacia do Prata: Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai.

 

Distância


O especialista, porém, destaca que Paraguai, Uruguai e Argentina, ideologicamente, estão distantes do Brasil. "As reuniões são pró-forma, com a presidência passando de um para outro. Já a ausência de Milei mostra um certo desprestígio do Mercosul, uma mensagem de que o bloco não é uma prioridade para ele. Isso fica muito claro." Entretanto, ressalva, "há uma perspectiva de acordos importantes com a China e nós queremos ver como os países do Mercosul podem participar disso sem quebrar os princípios básicos do bloco".

 

O Mercosul foi criado há 33 anos, por meio do Tratado de Assunção e, de acordo ao Protocolo de Ouro Preto, a presidência pró-tempore do bloco é exercida pelos Estados Partes, em rodízio e em ordem alfabética, por seis meses. Na cúpula de hoje, o presidente do Paraguai, Santiago Peña, passará a presidência do bloco ao presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, de centro-direita. Durante a liderança do Paraguai, houve 14 reuniões ministeriais em várias áreas, com temas voltados para educação, saúde, justiça, trabalho, cultura, direitos humanos, meio ambiente, turismo, desenvolvimento social e população indígena.

 

Entre as medidas tomadas, também está a criação de comitês, sendo um dos mais importantes o de controle integrado nas fronteiras. "Esses comitês são onde se decidem as coisas mais concretas. É importante para a região equacionar um pouco a questão das fronteiras. De não ter fila, de ter mais facilidades, de decidir as coisas. Vamos sentar e conversar", avalia a embaixadora Gisela Padovan, secretária de América Latina e Caribe do Ministério das Relações Exteriores.

 

 

Fronteiras


Na análise do especialista Ricardo Mendes, da consultoria Prospectiva Ricardo Mendes, porém, a agenda do Mercosul está esvaziada. "Basicamente, o Paraguai vai passar o bastão para o Uruguai. O Brasil deve levar temas políticos como o ingresso da Bolívia, mas as divisões políticas não vão permitir grandes avanços. Devem falar sobre a criação de um comitê para tratar de fronteiras dentro do Mercosul. Possivelmente, Lula deve levantar o tema da integração da infraestrutura e da questão climática por conta das enchentes no Rio Grande do Sul e na Argentina", aponta.

 

A professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Mayra Goulart, porém, avalia que o petista segue na tentativa de continuar como um líder da América do Sul. "A participação do Lula no Mercosul reforça essa atuação como agente legítimo e que quer construir essas instâncias multilaterais, mas também reforça a importância do bloco, que reúne o principal parceiro comercial do Brasil e outros países com que nosso país faz fronteira". Segundo ela, a nação compartilha com os vizinhos questões geopolíticas fundamentais para a segurança nacional, como o controle de armas e a Itaipu Binacional.

 

"São questões relevante em termos geoestratégicos. Cabe ressaltar que o Brasil também exerce uma função de potência regional na estabilização de conflitos. Daí, a importância da visita ao presidente à Bolívia. De pacificar, deixando claro que golpes e atentados ao Estado democrático de direito não vão proliferar", avalia Mayra. Amanhã, Lula segue para Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, para visita oficial ao presidente Luis Arce, em meio ao esforço de tentar barrar a ascensão da extrema direita na América do Sul. É a primeira vez que o presidente brasileiro visita o país neste terceiro mandato. O presidente da Bolívia, por sua vez, esteve no Brasil quatro vezes no último ano, o que reforça a proximidade de laços entre os dois países.

 

Cenário ruim, ma non troppo


Ao se recusar a comparecer à reunião do Mercosul, hoje, em Assunção, o presidente da Argentina, Javier Milei, protagoniza o pior momento político do bloco, cuja correlação de forças políticas se alterou profundamente desde a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo com a entrada da Bolívia. Entretanto, por sua ausência e posição ambígua em relação à tentativa de golpe militar para destituir o presidente boliviano Luis Arce, que acusou de simular a própria destituição, quem está isolado é o presidente argentino.

 

Apesar das diferenças ideológicas, devido ao peso econômico do Brasil, o maior mercado consumidor, e dos laços econômicos consolidados com os vizinhos, o presidente Lula continua sendo o grande fiador das negociações de acordos comerciais do Mercosul com os Emirados Árabes, a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA) — bloco formado por Islândia, Noruega, Suíça e Liechtenstein —, e, principalmente, União Europeia.

 

Os dois primeiros acordos estão quase concluídos; o terceiro, depende da atual presidente da Comissão Europeia, a alemã Úrsula von der Leyen, democrata-cristã, permanecer no cargo, o que é muito provável, porque a centro-direita venceu as eleições europeias. Embora a França se oponha ao acordo, devido à resistência de seus agricultores, o novo presidente do Conselho Europeu, o ex-primeiro ministro português Antonio da Costa, socialista, também apoia o acordo, que precisa ser referendado pelo parlamento por maioria. Ou seja, os franceses não têm poder de veto.

 

A vinda de Milei ao Brasil, para participar de um encontro de organizações de extrema direita, em Santa Catarina, organizado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, que governador Jorginho Melo (PL) legitimou institucionalmente, criou uma oportunidade para o presidente Lula empunhar a bandeira da democracia como um compromisso vital do Mercosul. Embora políticos conservadores, os presidentes do Paraguai, Santiago Peña, e do Uruguai, Luis Lacalle Pou, que assumirá a presidência rotativa bloco, são democratas.

 

O posicionamento do chefe do Executivo brasileiro será corroborado pelo presidente da Bolívia, que chega à reunião como um exemplo de que a ameaça à democracia no continente é uma realidade. Ontem, na reunião dos chanceleres do bloco, o ministro das Relações Exteriores de Brasil, Mauro Vieira, deu o tom da posição de Lula no encontro de hoje: "No Brasil, também tivemos de enfrentar, ainda nos primeiros dias deste terceiro mandato do presidente Lula, uma tentativa de reverter por meio da violência a vontade soberana do povo expressa nas urnas. No Brasil, assim como na Bolívia, a democracia venceu, e tenho certeza de que sairá mais forte".