Romeu Zema, Rodrigo Pacheco e o ministro Alexandre Silveira reunidos em novembro de 2023: negociações sobre dívida ainda dependem de consenso -  (crédito: PEDRO GONTIJO/EM/D.A. PRESS 22/11/23)

Romeu Zema, Rodrigo Pacheco e o ministro Alexandre Silveira reunidos em novembro de 2023: negociações sobre dívida ainda dependem de consenso

crédito: PEDRO GONTIJO/EM/D.A. PRESS 22/11/23


Anunciado na última terça-feira (9/7), o Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag) formalizou no Congresso Nacional a proposta que tem sido construída pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), desde o fim do ano passado. Este novo capítulo da novela do débito bilionário de Minas Gerais com a União foi avaliado com otimismo em diferentes escalas por autoridades mineiras e economistas. A eficiência do plano e sua capacidade de equacionar os mais de R$ 160 bilhões devidos pelo estado são vistos por prismas menos e mais esperançosos, mas, em meio a um cenário ainda incipiente, o que se pode esperar com alguma certeza é que essa dívida, que já soma quase três décadas de negociações, protelações e discussões, está distante de encerramento simples e rápido.



Contraída em 1998, a dívida mineira só aumentou sob variados indexadores de juros e sete governadores de cinco partidos. Tema central nas últimas duas campanhas eleitorais que tiveram Romeu Zema (Novo) como vencedor ao encampar um discurso favorável ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) como alternativa, a tendência é que a dívida mineira siga em alta nos debates em 2026 e nos pleitos seguintes.



O Propag foi apresentado como alternativa menos austera ao RRF e com mais mecanismos para pagamento dos débitos dos estados. Em linhas gerais, o programa cria instrumentos para reduzir os 4% cobrados além do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Estados podem federalizar ativos que reduzem o indexador em um ponto percentual caso o valor chegue a 10% do estoque da dívida e em dois pontos percentuais caso chegue a 20%. Outro ponto percentual pode ser retirado caso a economia feita com a redução da cobrança seja revertida em investimentos no próprio estado. A redução de mais um ponto percentual diz respeito a uma contribuição para um fundo de equalização para atender todos os estados da federação.

 



O plano, no entanto, ainda tem diversos pontos que geram dúvidas sobre sua eficiência. Eulália Alvarenga, especialista em gestão pública e integrante da Coordenação Executiva da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia, destaca pontos do projeto de Pacheco que ainda precisam ser apresentados de forma mais específica e deixam margem para negociações políticas que tornam a adesão ao Propag um caminho tão moroso quanto o ingresso no RRF.



“No texto do projeto está previsto que os estados têm 12 meses, após a assinatura, para adequar aos moldes do plano. Então, por enquanto ainda é um esboço. A situação vai melhorar, mas a gente não sabe se vai ser suficiente para resolver ou se a dívida vai continuar eterna”, diz a economista. Ela também destaca que o plano não define pontos como a obrigação de pagamento de parcelas da dívida durante o período de adequação, que exige negociações políticas.



Ao tratar sobre uma hipotética adesão ao Propag, Alvarenga ressalta que é preciso que a União tenha interesse tanto nos ativos que os estados têm a oferecer como referendar a adequação aos critérios de investimento com os recursos economizados e a contribuição ao fundo de equalização interestadual. “Tudo isso tem que ser aprovado pela União. Qual o investimento será feito, por exemplo. Não basta o estado afirmar que alocou verbas para o ensino profissionalizante se não houver um aval da União para a redução do ponto percentual no indexador de juros da dívida. O mesmo vale para a forma como será feita a contribuição para o fundo de equalização”, analisa.



A discussão se mostra, portanto, complexa. Embora a percepção generalizada seja de uma alternativa mais factível que o RRF, as especificidades de cada estado e as exigências de adequação impostas pela União levantam debates que podem esbarrar em questões como a ingerência entre diferentes partes do pacto federativo. Outro ponto é o tempo. O Propag prevê o equacionamento das dívidas em 30 anos. Dentro deste período, a adequação às prerrogativas do plano podem variar de acordo com a realidade e governo de cada estado e mesmo o IPCA está sujeito a alterações que influenciam na capacidade de pagamento das parcelas.



Ativos do estado



Desde que Rodrigo Pacheco começou a ventilar uma alternativa ao RRF no fim do ano passado, seus interlocutores em Minas, como deputados do estado e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD-MG), tratam as estatais sob gerência do governo mineiro como os principais ativos a serem envolvidos em uma negociação direta da dívida. Na miríade de reuniões, entrevistas e propostas feitas por atores de diferentes esferas e espectros políticos envolvidos na discussão, a federalização de Copasa, Cemig e Codemig foi um argumento constante. “Eu não vi ninguém efetivamente apurando o valor de mercado dessas empresas. Meu receio é que isso seja feito a toque de caixa como foi feito na década de 1990 quando o estado cedeu o Ceasa, a Casemg e várias ações de estatais. Esse prazo é muito corrido e hoje se trabalha com muito achismo”, avalia Eulália Alvarenga.

 

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A economista ainda aponta que Minas tem hoje, basicamente, imóveis e empresas estatais como ativos negociáveis. Ela questiona que o principal crédito transferível à União já foi negociado quando os cerca de R$ 135 bilhões em perda de arrecadação atrelados à suspensão da cobrança de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) pela Lei Kandir foram reduzidos a R$ 8,7 bilhões após acordo judicial firmado entre Zema e o governo federal em 2020.

 


Os cenários hipotéticos para solução da dívida bilionária



O projeto apresentado pelo presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para equacionar as dívidas de estados com a União não foi recebido de forma uníssona entre as autoridades potencialmente envolvidas nas negociações. Em Minas Gerais, por exemplo, ainda que a proposta tenha recebido elogios no Legislativo e no Executivo, há diferentes níveis de otimismo em relação tanto às condições de se adequar às prerrogativas da alternativa quanto ao enquadramento das parcelas da dívida no orçamento.

 

Entusiastas da ideia, como o presidente da Assembleia, Tadeu Martins Leite (MDB), chegaram a colocar na ponta do lápis um cenário fiscal hipotético com os moldes sugeridos pelo senador. Economista ouvido pelo Estado de Minas, João Batista Soares, auditor fiscal da Receita estadual e vice-presidente do Sindicato dos Servidores da Tributação, Fiscalização e Arrecadação do Estado de Minas Gerais (Sinfazfisco-MG), também sugere diferentes contextos em que o bilionário débito é equacionado. Segundo ele, Minas nunca teve situação de fluxo de caixa tão confortável, de R$ 37 bilhões em caixa por não pagar a dívida, por isso, tem plenas condições de retomar o pagamento.



Horas após Pacheco apresentar o Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag) no Congresso Nacional, Tadeu Leite concedeu entrevista coletiva para tratar do o projeto de lei complementar. Na ocasião, o deputado estadual elogiou a alternativa e apresentou um cálculo para defender a viabilidade do equacionamento da dívida mineira nos moldes propostos pelo senador.

 

“Se tivermos um abatimento em torno de R$ 40 bilhões, que dá em torno de 24% da nossa dívida, mais o perdão desses dois por cento, estamos falando de uma parcela em torno de R$ 8 bilhões para Minas Gerais. Sendo que, desse valor, R$ 6 bilhões são para o pagamento de vida e R$ 2 bilhões vão para o fundo e para serem reinvestidos em infraestrutura, segurança pública ou educação, como foi anunciado. É uma parcela que, de uma certa forma, já estava prevista dentro do orçamento do estado pela peça que foi encaminhada para a Assembleia”, projetou o deputado.



O texto inicial do Propag apresenta quatro instrumentos para que os estados reduzam o indexador de juros da dívida, hoje fixado a partir do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mais 4% do estoque do débito. Os entes devedores podem reduzir a taxa em um ponto percentual caso usem ativos estatais como as empresas Copasa, Cemig e Codemig para abater 10% da dívida. A redução pode chegar a dois pontos percentuais no caso de alcançar 20% do valor total. Há ainda a possibilidade de reduzir um ponto percentual se a economia da redução for aplicada em investimentos nas áreas de educação, infraestrutura, segurança e saneamento do estado.

 

Outro ponto percentual é retirado mediante contribuição para um fundo de equalização” dos débitos estaduais. Caso o estado cumpra com todos os requisitos, a dívida passa a ter apenas o IPCA como indexador. Em cenário simulado pelo auditor fiscal da Receita estadual, o economista João Batista Soares, caso Minas se adeque a todos os pontos do projeto de Pacheco, pagaria uma parcela mensal de cerca de R$ 475 milhões para sanar o débito total nos 30 anos propostos no plano do senador. Este cálculo é feito a partir de um cenário em que o IPCA anual seja de 4%.

 

Com um IPCA anual de 5%, por exemplo, a parcela subiria para R$ 539 milhões. Como o índice é variável, trata-se apenas de uma estimativa das parcelas ao longo das três décadas de vigência do Propag. O valor anual desembolsado nos dois cenários propostos seriam de R$ 5,7 bilhões e R$ 6,46 bilhões. Atualmente, sem adesão a nenhum programa de renegociação da dívida, o Governo de Minas trabalha com o cálculo de R$ 22 bilhões a serem pagos já em 2025.

 

Soares acredita que o projeto de Pacheco, apesar de contemplar todos os estados endividados, teve Minas Gerais como uma base para a construção das contrapartidas. Um dos pontos apresentados pelo economista é o de que as estatais mineiras configurarem um ativo mais relevante do que nos cenários gaúcho e fluminense, por exemplo. Outra questão é a reserva acumulada nos cofres do governo de Romeu Zema (Novo) pelo não pagamento de parcelas da dívida desde seu primeiro ano de mandato.

 

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“Minas Gerais nunca teve uma situação de fluxo de caixa tão confortável. Zema não pagou nada da dívida, então acumulou uma caixa um colchão enorme e está com R$ 37 bilhões em caixa. (Com o Propag), o estado vai ter plenas condições de pagar, se quiser”, analisa o economista. No fim de 2018, ainda sob o governo de Fernando Pimentel (PT), Minas Gerais conseguiu no Supremo Tribunal Federal (STF) a suspensão do pagamento das parcelas da dívida. Os efeitos da decisão venceriam em dezembro do ano passado, mas Zema conseguiu a prorrogação em dois pedidos, o último feito em abril. O prazo vigente se encerra em 20 de julho, mas o Executivo Estadual já solicitou nova extensão diante da promessa de tramitação do Propag em Brasília.

 



Fachin dá prazo para Zema e Pacheco



O vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin, intimou o governo de Minas Gerais e o presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a se manifestarem até 20 de julho sobre a prorrogação do pagamento da dívida de Minas Gerais com a União.

 

A decisão ocorre após a Advocacia-Geral da União (AGU) solicitar ao STF a retomada do pagamento. No dia 20, termina o prazo da última prorrogação concedida pelo STF ao governo de Minas. No despacho, Fachin determina que Pacheco preste as “informações que entender cabíveis, maxime diante do noticiado Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag) -  PLP 121/2024”, dentro de prazo estabelecido.

 

Já o vice-governador Mateus Simões (Novo) considerou natural a manifestação da AGU, mas espera que o STF conceda nova prorrogação pedida pelo governo de Minas para manter a suspensão do pagamento de parcelas.