O ex-jogador José Reinaldo de Lima é um dos maiores ídolos e goleadores do Atlético. Hoje, funcionário do grupo privado que administra o clube, o antigo centroavante do Galo chama a atenção no tour da nova e moderna Arena MRV, onde trabalha. Quando o veem, os grupos de torcedores-turistas o cercam nas instalações do estádio. “São cerca de 200 fotos por dia com as pessoas, mais ou menos”, contou Reinaldo à reportagem.
Esse também é número de vezes que o craque brasileiro acredita ter repetido, a cada gol marcado, o gesto que o caracterizou e que incomodou os generais da ditadura militar: o braço estendido para o alto com o punho cerrado, em uma referência explícita da luta dos Panteras Negras, movimento negro que atuou contra o racismo e pela conquista dos direitos civis nos Estados Unidos, na década de 1960. Um gesto que ganhou o mundo.
Celebrar seus gols dessa forma também lhe trouxe incômodos, como ter sido advertido por um dos presidentes do regime, Ernesto Geisel, em 1978, antes do embarque da seleção brasileira para disputar a Copa do Mundo da Argentina. Na despedida do general, em Porto Alegre (RS), a delegação foi até o Palácio Piratini, sede do governo estadual.
Reinaldo lembra-se em detalhes dessa passagem. O então ministro da Educação, Ney Braga, o leva a uma sala. Geisel queria falar com o atacante da seleção. Até elogiou seu futebol, mas pediu que não misturasse futebol com política. Sugeriu que, em caso de assinalar gol no Mundial, evitasse comemorar daquele jeito, com braço erguido e punho fechado.
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“Fomos nos despedir do presidente, até porque a CBD (hoje CBF), por si só, era uma junta militar. Tinha o almirante Heleno Nunes (presidente), o capitão Cláudio Coutinho (técnico) e outros, como Admildo Chirol (preparador físico). O Ney Braga me chamou e disse: 'Vem cá, quero te apresentar o presidente', num lugar mais reservado. Me apresentou, eu era o artilheiro do Campeonato Brasileiro. E o presidente me disse: 'Você joga muito bem, mas deve se preocupar só com a bola. Deixa que política a gente faz. Não fale de política'. Não falei nada, só obedeci”, relatou Reinaldo à reportagem.
Recado direto
No avião, conta, veio o recado direto, de outro militar da comissão técnica, André Richer, diretor da então CBD, que sentou-se a seu lado: “‘Olha, se fizer gol na Copa, não faça aquele gesto não’. Não atendi. Fiz o gol contra a Suécia (no empate da estreia em 1 a 1), até abro os braços, mas, na sequência, não teve jeito. Estendi o braço. Não ia perder essa oportunidade”.
“Comecei a fazer esses gestos nos anos de 1974 e 1975. Era também um gesto socialista. Quando fiz, aí sim, comecei a sofrer retaliações. As pessoas me diziam: 'Reinaldo, o que é isso?'”.
Esse episódio de perseguição do regime militar e várias outras tentativas de coação motivaram o jogador a entrar com um pedido de reparação do Estado, para que lhe seja concedida a condição de anistiado político, com direito a uma indenização, em prestação única, de R$ 100 mil. O pedido já está formulado e será protocolado na Comissão de Anistia por seu advogado e amigo Rodrigo Janot, ex-procurador-geral da República entre 2013 a 2017.
Ficha
O Arquivo Nacional reúne antigos documentos sobre a atuação da ditadura, detalhes de perseguição, prisões e monitoramento dos considerados opositores daquele regime de exceção. São milhares de papéis e folhas das atividades “subversivas” de centenas de brasileiros. A “ficha” de Reinaldo reúne, pelo menos, 40 páginas com informações sobre o atleta levantadas pelo SNI (Serviço Nacional de Informações), e que detalham suas ações, reuniões e até participação em atos da campanha pelas Diretas Já, movimento que pedia a volta das eleições livres para presidente da República, entre o período final da ditadura e a chamada Nova República.
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Entre os registros do SNI estão, até mesmo, encontros de Reinaldo com seu amigo e antigo vizinho Frei Betto, frade dominicano que foi perseguido e preso pelos agentes da repressão política. Consta nesse material, ainda, a presença de Reinaldo no lançamento do livro do religioso, “Batismo de sangue”, que conta a história da resistência de um grupo de frades às violações do regime.
“O Estado me deve esse pedido de desculpas pela perseguição que sofri na ditadura”
José Reinaldo Lima, ex-jogador
Uma entrevista que concedeu ao jornal alternativo Movimento, em 1978, também foi parar na papelada do SNI, que não gostou do que foi publicado. O título da reportagem era Reinaldo, bom de bola, bom de cuca.
“Ali, defendi a volta da democracia, o retorno dos militares para os quarteis, as eleições diretas e uma nova Constituição para o país. Eram tempos da chamada abertura lenta e gradual. O que fiz foi – como pessoa pública e de expressão nacional, que chegava a receber 500 cartas por dia – levantar minhas bandeiras, que eram as do povo brasileiro. Outros contribuíram de formas distintas, fazendo o enfrentamento até diretamente. Outros se posicionaram à sua maneira. No futebol, incomodei”.
O conteúdo comprobatório da perseguição a Reinaldo o faz crer que alcançará a reparação e o reconhecimento de ter sido alvo de prejuízos na sua carreira. Nos julgamentos da Comissão de Anistia, quando um caso é aprovado, há um pedido público de desculpas do Estado. “O Estado me deve esse pedido de desculpas pela perseguição que sofri na ditadura, muito mais do que a reparação econômica”, é o que espera Reinaldo.