Em seis meses, a Polícia Federal receberá a atribuição de manter a vigilância sobre um "exército" armado de 783 mil caçadores, atiradores e colecionadores (CACs) espalhados por todo o país. Esse grupo é responsável por um arsenal de 1,3 milhão de armas registradas.

 

Por uma decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a corporação vai herdar do Exército a tarefa de fazer o controle do armamento para integrantes do grupo. Atualmente, a força terrestre destaca 2 mil militares para manter a fiscalização e o controle em atividade. No entanto, a PF, que tem contingente total de 13 mil pessoas, frente a 220 mil do Exército, não dispõe de estrutura ou pessoal suficientes para cuidar dessa atividade.

 

Delegados da corporação, ouvidos de maneira reservada pela reportagem, apontam que, sem investimentos necessários, podem ocorrer falhas substanciais no controle e facilitar a aquisição de armas por grupos ilegais ou, até mesmo, manter nas mãos de pessoas não capacitadas, que cometeram crimes, por exemplo, o poder sobre o armamento. Em um planejamento interno, a corporação se articula para ampliar a Divisão Nacional de Controle de Armas (Darm) e dar status de coordenação-geral para o departamento.

 

Além disso, devem ser realizadas alterações nas superintendências da PF nos estados, inclusive com obras físicas para alocar novos departamentos para cuidar da fiscalização de armas e munições. No entanto, para atender à demanda, uma das possibilidades é fazer uma espécie de canibalismo nas equipes — desmontando grupos, divisões e departamentos para alocar mais pessoal no controle de armas. Tudo isso em razão da falta de pessoal e de orçamento para atender à nova demanda. A expectativa é de que seria necessária a contratação de 3 mil servidores para dar conta da demanda — sem que as obrigações atuais fiquem prejudicadas com os deslocamentos e as alterações internadas no quadro de pessoal.

 

Em poder do Exército, que dota de maior estrutura e maior contingente, o controle de armas já registrou falhas graves. De acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU), 16,6 mil munições foram liberadas para pessoas mortas entre 2019 e 2022, na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, que facilitou o acesso a munições e armas, banalizando a política armamentista no país. No mesmo período, 5,2 mil pessoas com condenações na Justiça conseguiram obter, manter ou renovar certificados de registro de armas de fogo.



Avaliação


Flávio Werneck, vice-presidente da Confederação de Sindicatos Brasileiros (CSB) e diretor jurídico da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), aponta que o aumento das equipes e dotação financeira são grandes preocupações para colocar em prática a mudança realizada pelo governo federal.

 

"Existe, sim, grande preocupação da direção-geral com a migração. Isso porque a PF se esforça, por meio de seus policiais federais, a prestar o melhor serviço possível para a sociedade. E essa migração sem o lastro necessário vai sobrecarregar a área de controle de armas da PF. Por isso, é necessário vir com o incremento orçamentário e de pessoal, além do suporte em tecnologia da informação para que os sistemas sejam devidamente adequados e migrados com grau de certeza", afirma.

 

 

No governo federal, o problema é palco de um jogo de empurra entre as pastas. O Correio procurou o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão para questionar se seriam abertos concursos para contratação de pessoal para a Polícia Federal. A pasta orientou que a reportagem procurasse o Ministério da Justiça, que, ao ser questionado, afirmou que o tema deveria ser perguntado à própria PF. A corporação não respondeu às indagações até a publicação desta reportagem.

 

De acordo com fontes na corporação ouvidas de maneira anônima, cada nova alteração no registro da posse ou porte de armas deverá ser monitorada. Cada arma deve ser registrada pelo CAC e, caso algum novo equipamento seja comprado, o cadastro deve ser atualizado. Ao mesmo tempo, quem for condenado na Justiça perde direito ao registro. Além disso, de acordo com as regras alteradas na gestão Lula, as armas transportadas pelas ruas do país devem estar desmuniciadas. Violações das regras e da legislação levarão a PF a suspender o registro, o que exige dos servidores, além de monitoramento intenso, a atualização constante das informações.

 

Preocupação


Uma fiscalização frágil pode lançar armamento relevante nas mãos de facções criminosas, grupos armados e permitir que os equipamentos sejam utilizados em delitos urbanos nas cidades pelo país. Investigações das polícias civis e da PF, conduzidas em diferentes unidades da Federação, apontam que facções criminosas se aproveitam de facilitações na emissão de registros para fazer a aquisição de armas de fogo para serem usadas em ações criminosas.

 

Além do risco de descontrole nos registros de armas de fogo, outra preocupação é que aumentem os números de violência doméstica praticada por pessoas que não têm capacidade de portar armamento, mas permanecem com acesso mesmo após se envolverem em casos como ameaça e agressões e, até mesmo, de quem já foi condenado pelo Poder Judiciário por envolvimento em crimes previstos na Lei Maria da Penha.

 

A expectativa interna é de que seriam necessários pelo menos mais 3 mil concursados para dar conta das novas demandas. Dentro da corporação, já existe o conceito de que o contingente atual é bem menor do que o necessário para cuidar das investigações sobre crimes federais, combate ao narcotráfico, garimpo ilegal, crimes contra os cofres públicos, o chamado colarinho branco, e agora a nova função de fazer o controle de armas de fogo por pessoas que têm autorização temporária para a posse e porte.

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