O advogado e presidente do Conselho Consultivo do Diários Associados, Décio Freire, destaca a criação do caderno “Direito & Justiça Minas”, lançado recentemente pelo Estado de Minas, e aponta a importância de aproximar o sistema judicial mineiro e brasileiro da população. Ele também tratou, na entrevista ao jornalista Benny Cohen no programa EM Minas, programa da TV Alterosa em parceria com o Estado de Minas, de temas como uso de tecnologias no judiciário, a inteligência artificial; o grande volume de ações judicializadas no Brasil; a quantidade de cursos de Direito existentes no país; e a importância de se investir no uso de energias renováveis. A entrevista completa, em texto ou vídeo, está disponível em nosso site (em.com.br) e no canal do Portal Uai no Youtube.

 





O brasileiro parece ter uma cultura, que os advogados dizem litigante de judicialização das questões, desde questões muito básicas. O senhor vê isso como um mal?
Vejo com preocupação. Os dados dizem por si só que, em dezembro de 2023, nós chegamos a 82 milhões de ações judicializadas. Em um ano, 35 milhões de novas ações, contra 32 milhões de processos julgados. Nós temos um acervo de 82 milhões de processos, o que nos transforma em um dos países com maior número de ações judiciais do mundo, se não o maior. Basta comparar com países menores, como Portugal, que tem 11 milhões de habitantes, nós com 211 milhões, mas várias e várias cidades de médio porte brasileiras têm mais ações do que o judiciário português.



Pelos números que o senhor está citando, se são 82 milhões acumulados e 35 milhões foram no ano passado, esse número está aumentando?
Vem aumentando, embora o judiciário tenha feito um esforço porque, em 2020, por exemplo, foram 20 milhões de ações julgadas; em 2023, foram 32 milhões de ações julgadas. Tem sido feito um esforço, mas, de qualquer forma, realmente existe um acréscimo.

 

 

Recentemente tem havido uma série de cancelamentos nos planos de saúde,  especialmente para clientes com diagnóstico de autismo e câncer, e me parece que não há outro caminho do que ir para a Justiça. Tem outra maneira de se livrar de uma situação assim?
Em vários casos a Justiça acaba sendo o desaguadouro final para qualquer tipo de solução. Entretanto, desde 2010, o Conselho Nacional de Justiça tem uma proposta muito interessante que deveria ser mais valorizada pelas classes em geral. Você está falando dos planos de saúde. Nós temos, por exemplo, com base na resolução 125 CNJ, você tem ali uma valorização da mediação e da autocomposição. Todos os tribunais seguiram aquilo. O Tribunal de Justiça Mineiro seguiu com a resolução 873, que criou o Sejusp do Tribunal; o Ministério Público Mineiro com a resolução 45 que criou o Compor do Ministério Público; então acredito que existam soluções para essas questões macro que poderiam ser melhor exploradas, tendo em vista essas questões que geram um grande prejuízo para a população.



Chamar, neste caso, os planos de saúde e as entidades de Defesa do Consumidor?
Dialogar é a melhor saída.
Muito se fala que a inteligência artificial vai alterar a vida e a rotina dos advogados e também do Judiciário. Isso é uma realidade mesmo? Como é que está essa questão da digitalização no Brasil?
É uma realidade. Nós temos hoje o processo 100% digital que é uma bandeira do CNJ. É uma bandeira do CNJ para todos os tribunais e todas as esferas. Sem dúvida a inteligência artificial já afeta a vida do Judiciário e dos advogados, principalmente pós pandemia. Se não fosse também a inteligência artificial, os investimentos feitos de digitalização, simplesmente nós teríamos um momento de paralisação completa durante a pandemia, que nós não tivemos. O Brasil foi um exemplo em relação a o andamento dos processos durante a pandemia. O mal da pandemia ainda trouxe um aspecto positivo, digamos. Pelo menos foi bem enfrentado nesse aspecto. O que preocupa é o seguinte, tem um levantamento recente da advocacia, que é o censo demográfico, que mostra o seguinte que, desses 1,370 milhão advogados que existem hoje inscritos na OAB, 52% tem até 10 anos de formado. Dependendo da forma como esse enorme percentual utiliza a inteligência artificial, isso é algo que preocupa. Porque é claro que a inteligência artificial jamais vai substituir o trabalho intelectual técnico, estratégico.



Na elaboração de uma petição, por exemplo, isso é legítimo?
Dependendo de como ele é utilizado, o advogado pode esquecer um pouco da tecnicidade e focar muito mais no que a gente chama de copia e cola, aí sim podemos ter uma substituição pela inteligência artificial. Fora que a inteligência artificial ainda não está tão inteligente nesse aspecto que é saber separar, por exemplo, o que é fake news do que é real. Eventualmente, o advogado pode ser induzido a erro. Já tá avançando muito. Por exemplo, na área criminal, tenho um departamento de Direito Penal muito grande, e eu me recordo que há pouco tempo os meus criminalistas passavam dois, três dias com o fone decupando depoimentos para eles entenderem, para anotar o minuto, para utilizar na sua peça. Hoje em dia determinados softwares fazem isso em dois, um minuto. Isso é uma ferramenta extraordinária. Vejo com muito bons olhos a inteligência artificial.



Especialmente para combater essa questão da famosa lerdeza da Justiça. Isso que se fala tanto no Brasil?
Isso é o que eu também tenho dito, hoje, por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça investe muito, e o próprio CNJ, em digitalização. Por exemplo, a aplicação de jurimetria é uma coisa fantástica. Jurimetria, você tem condição de entender a tendência de determinado tribunal em relação àquele caso. Então você pode inclusive aconselhar melhor o seu cliente, se deve ou não recorrer à Justiça e isso acaba afetando até na redução da judicialização.

 

 

Temos agora também uma outra novidade que é DJE, que é o domicílio judicial eletrônico, foi criado pelo CNJ. É algo que vai impactar os processos e também a vida das empresas e dos advogados?
É curioso que o brasileiro tem fama de deixar tudo para a última hora, declaração de Imposto de Renda, abastecimento de carro no dia de aumento de combustível, é aquela coisa que nós estamos acostumados. Estou achando interessante porque, embora as grandes empresas estejam já preocupadas com o domicílio judicial eletrônico já há algum tempo, eu acho que a grande massa de médias e pequenas empresas ainda não estão familiarizadas com o sistema. Porque isso realmente muda e muda tudo. Só para você ter uma ideia, até 30 de maio, todas as empresas privadas, com exceção de microempresas, são obrigadas a se cadastrar no DJE. Isso as empresas privadas, as empresas públicas têm até 30 de setembro. Se elas não se cadastrarem, o CNJ vai cadastrá-las compulsoriamente com base nos dados da Receita Federal. A partir daquilo, ela vai receber a citação, que até hoje era feita por carta, por oficial de justiça, ela vai receber lá. Se em três dias ela não der ciência, a citação será feita por oficial de justiça ou carta, mas a empresa ficará sujeita a aplicação de uma multa de 5% sobre o valor da causa.

 

Nos últimos anos, especialmente com essa polarização desagradável da política, houve muito questionamento sobre o poder judiciário. Há pessoas que consideram que o poder judiciário tem se exacerbado, desrespeitando aquele sistema de freios e contrapesos, que inclusive está previsto pelas regras da Constituição, e que significa gerar aquele equilíbrio entre os poderes do país. Como é que o senhor tem visto esses últimos anos no país?
O poder judiciário tem adotado posições que podem agradar ou não, mas que são muito importantes para o país. Sobretudo naquelas situações em que pode existir lacunas provenientes do próprio Legislativo que se atrasa muito, demora muito a tomar determinadas medidas ou decisões em termos de projeto de lei. O judiciário diante de uma situação formada ele entra. Não acho errado isso, isso não fere o equilíbrio entre os poderes. Acho que até estão muito harmônicos.



O senhor está à frente de um dos maiores escritórios de advocacia do país, que atua em diversos segmentos, e dessas áreas é exatamente o direito de energia. O senhor enxerga o segmento de energia como vetor importante de desenvolvimento nos moldes do agronegócio brasileiro?
Sou um entusiasta absoluto do setor energético brasileiro, simplesmente porque as potencialidades do Brasil são absolutas em relação a geração de energia, sobretudo as energias renováveis. O Brasil tem uma insolação maravilhosa, tem canais de vento maravilhosos, tem o regime hídrico maravilhoso, então ele tem tudo para ser cada vez mais principal protagonista na área de energia mundial.



E onde o direito entra ali?
É necessário para qualquer tipo de desenvolvimento de novas áreas, sobretudo é no ramo energético, tem as regulações que são necessárias. Você precisa regular o mercado. Você tem mercados novos que precisam criar regulações para aquele mercado. O Brasil sempre teve uma um regime de energia voltado para o sistema hídrico, mais recentemente a energia solar tornou-se a segunda energia mais gerada no Brasil, passando a eólica. Vejo que existe um potencial muito maior para o país frente a outros países, como por exemplo, a própria Comunidade Europeia. O Brasil precisa investir nisso.

 


O álcool entra nisso também, como energia combustível?
Sim, o Brasil é o segundo maior produtor de etanol do mundo. Só para vocês terem uma noção, vou dar só um dado aqui, só no âmbito da energia solar, desde 2012, mais de R$ 120 bilhões foram feitos de investimentos em energia solar. Isso gerou uma arrecadação tributária de mais de R$ 38 bilhões para os cofres públicos, gerou mais de 7,5 mil empregos e, mais do que isso, evitou 33 milhões de toneladas de CO² na geração de energia. Esses dados por si só mostram a capacidade brasileira de se tornar um protagonista nessas áreas.

 

Vamos falar um pouquinho sobre o caderno Direito & Justiça. O jornal acaba de lançar esse caderno e o senhor, como um dos patronos, está à frente desse projeto. Queria que o senhor contasse um pouquinho, como foi essa ideia e que propósito esse caderno tem?
A ideia foi trazer para Minas Gerais uma alternativa para o judiciário mineiro, Ministério Público Mineiro, a advocacia mineira e os demais órgãos do sistema de Justiça de Minas Gerais, poderem expor ali as suas ideias, as suas notícias, as suas informações a ponto de serem acessadas nacionalmente através do portal UAI, das redes, YouTube, através dos canais de comunicação e não só do Jornal Estado de Minas. O caderno Direito & Justiça já existia, mas existia como uma reprodução do caderno de Direito & Justiça do Correio Braziliense. Que é um ótimo caderno, mas eu entendia que Minas Gerais merecia ter um caderno de Direito & Justiça Minas, pela própria tradução do Estado de Minas dentro do nosso estado de Minas Gerais. É um projeto magnífico que o jornal está desenvolvendo e a primeira edição que circulou hoje já diz por si só.

 

Minas Gerais é um estado de destaque quando a gente fala de direito?
Muito! Até hoje é muito respeitado nacionalmente. Temos grandes ministros, sempre tivemos, aliás, grandes ministros e continuamos tendo, temos grandes juristas e o nosso judiciário é referência. Seja em termos de prazo de atendimento ao jurisdicionado, seja em relação à qualidade das suas decisões. Como também o Ministério Público que é referência, por exemplo, na forma como vem tratando esses acidentes que houve em Minas Gerais, com composições grandes, com diálogo, mas trazendo para o estado muitos benefícios. É muito respeitado nacionalmente. Eu tenho uma relação muito grande em termos de judiciário brasileiro, em termos de sistema de Justiça brasileiro e posso testemunhar quanto a o sistema de Justiça Mineiro. O caderno é quinzenal e vai ser um caderno com uma diversidade de voz enormes, Todos esses participantes desse sistema judicial tendo oportunidade de escrever de se relacionar com leitor.

 

Teremos páginas cativas destinadas ao Judiciário, chama o Judiciário em Foco; ao Ministério Público, chama A Voz do MP; a advocacia que se chama Tribuna da Advocacia; teremos sempre uma entrevista com um expoente, seja mineiro, seja nacional, mas que seja importante para o meio jurídico. Na primeira edição é o ministro Anastasia, uma das melhores e mais respeitadas cabeças pensantes da história de Minas Gerais, eu posso lhe afiançar. Temos uma coluna inédita, muito interessante, que tem um apelo extremamente bacana, que se chama Sem a Toga. O que quer dizer “Sem a Toga” é uma entrevista com uma autoridade, advogado que vai dizer o que ele faz nas horas vagas. Se pretende com isso humanizar mais a relação, aproximar mais o sistema de Justiça do cidadão, dos leitores. Isso é muito interessante. Então nós estamos muito animados. (Com Thiago Bonna)


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