Enviado especial do presidente Lula (PT) a Caracas e visto como uma das figuras de maior peso nas negociações internacionais da Venezuela nos próximos dias, Celso Amorim afirma que nem o regime nem a oposição comprovaram suas afirmações de vitória.

 

"A gente tem que ter uma verdade verificada. É uma norma de desarmamento básica: confie e verifique", diz à reportagem. "O resultado só pode ser verificado quando o resultado das várias mesas [de votação] for divulgado. Não basta dar um número geral."

 

A mensagem é ao Conselho Eleitoral da Venezuela (CNE) e ao regime de Nicolás Maduro, que afirmaram que o ditador foi eleito para um terceiro mandato com 51,2% dos votos, ante 44,2% para o opositor Edmundo González neste domingo (28), mas não divulgaram as atas das urnas, tampouco detalhamento da votação.

 

Mas Amorim adenda que tampouco a oposição detalha sua afirmação de que, na verdade, González foi o eleito com cerca de 70% dos votos. "A oposição também não comprovou nada. Não mostrou as atas que diz ter na mão. Por isso temos que esperar. Se não houver solução, então vemos o que fazer, e como o Brasil deve agir."

 

Amorim bate na tecla do Acordo de Barbados, firmado entre regime e opositores e do qual Brasília participa ativamente.

 

"Precisamos não só ter a verdade -e com isso não digo necessariamente que não é verdadeiro o que diz o governo--, mas mas há de ter verificação para convencer os outros parceiros que fizeram o Acordo. Você só pode ter resultado com credibilidade quando tiver isso."

 

O ex-chanceler nos governos Lula 1 e 2 e hoje assessor especial do presidente para a agenda internacional diz que mantém o petista informado. "Mas não posso falar o que o Brasil pode fazer porque o que desejamos agora é que possa haver essa comprovação."

 

Ao longo desta segunda (29) de um silêncio tenso nas ruas de Caracas, Amorim já se reuniu com o Centro Carter, o único observador de peso nessas eleições, com o painel de especialistas da ONU que acompanha o processo e com o membro da oposição Gerardo Blyde.

 

Se reuniria com María Corina Machado, a ex-deputada liberal que levou multidões às ruas e é o rosto mais conhecido da oposição, ainda que tenha sido inabilitada? "Não há chance de reunião com María Corina. Da minha parte não há porque não tenho nada a ganhar com isso. Falo com quem tem informações úteis a me dar. Estaria disposto a me reunir com os dois candidatos: Nicolás Maduro e Edmundo González."

 

O Brasil está se comunicando também constantemente com a Colômbia de Gustavo Petro e o México de Andrés Manuel López Obrador, presidente cessante que em outubro passa a cadeira para Claudia Sheimbaum. "Trabalhamos de maneira sintonizada".

 

Brasil e Colômbia coincidem na leitura de que, se acha que foi prejudicada eleitoralmente, a oposição tem o direito de acionar a Justiça. Ocorre que a Justiça na Venezuela, ao longo de 25 anos de chavismo e 11 anos de autocratização de Nicolás Maduro, foi amplamente cooptada pelo Palácio de Miraflores.

 

Pouco antes de Amorim falar com a reportagem, de Brasília o Itamaraty publicou sua nota protocolar após eleições. Mas nela não parabenizou Maduro. Ao contrário, pediu a publicação dos dados desagregados da mesa de votação, como repete o ex-chanceler.

 

 

Trata-se de "passo indispensável para a transparência, credibilidade e legitimidade do resultado do pleito", disse o Ministério das Relações Exteriores.

 

A oposição afirma que as testemunhas eleitorais, os membros do partido que acompanham a mesa de votação e a auditoria dos votos segundo prevê o regramento eleitoral, só tiveram acesso a 40% das atas. O regime, por sua vez, disse que foi alvo de um ataque hacker, e até aqui só divulgou números gerais, com alegados 80% de votos computados.

 

O site do CNE não apresenta nenhum detalhamento dos votos, algo que é de praxe.

 

Amorim há tempos é ponto de contato do governo brasileiro com a Venezuela. Há mais de um ano, em março passado, quando já havia intensas negociações para que Maduro convocasse eleições, Amorim viajou a Caracas.

 

Na ocasião, depois de se reunir com o líder do regime e com membros de grupos opositores, ele relatou a esta Folha que nunca havia visto "um clima tão grande de incentivo à democracia" em duas décadas de contatos com o país. "Todos manifestaram lá o desejo de eleições competitivas. É a expectativa real", disse na ocasião.

 

No desenrolar dos últimos dias, no entanto, rusgas entre Lula e Maduro se tornaram públicas. O ditador vem dizendo que, caso não vença o processo eleitoral, o país viverá um "banho de sangue". Lula manifestou estar preocupado com o tema, ao que Maduro respondeu, sem citá-lo, que quem está preocupado "deveria tomar um chá de camomila".

 

 

 

O ditador também já havia criticado o processo eleitoral no Brasil, afirmando erroneamente que o sistema não é auditado. Em resposta a isso, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu não enviar mais seus dois técnicos para, como convidados, serem observadores oficiais das eleições. Amorim não é um observador deste tipo.

compartilhe