09/08/2024 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF -  Entrevista com a Ministra do Meio Ambiente Marina Silva. -  (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

09/08/2024 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF - Entrevista com a Ministra do Meio Ambiente Marina Silva.

crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press

"A perspectiva de alcançar 1,5ºC de temperatura que estava planejada para 2043 chegou no ano passado. Agora é não deixar subir mais, não tem mais janela, não pode ultrapassar 1,5ºC e estamos trabalhando cada vez mais para cumprir as metas até 2050", afirma a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Ela planeja, traça estratégias e trabalha em múltiplas frentes por esse sentimento de urgência.

 

 

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No primeiro ano do governo Lula, o desmatamento caiu 20% na Amazônia, e, no segundo, em 47%. Segundo Marina, esses índices comprovam a eficiência de um plano de preservação. E é essa a estratégia para reduzir o desmatamento em outros biomas: no Cerrado, no Pantanal e no Pampa. "Essa perspectiva é uma demonstração de que os planos testados historicamente na Amazônia funcionam, levando a uma queda de desmatamento durante 10 anos em 83%, e, nesse primeiro ano e meio do governo do presidente Lula, de 47%".

 

Mas ela reconhece que tem de enfrentar muitos desafios. Enquanto a legislação estabelece, no caso da Amazônia, que 80% precisam ser preservados e só 20% usados; no Cerrado é o contrário: "Eu costumo dizer que os homens legislam, mas a natureza não assimila." Marina cita como exemplo desastroso a legislação aprovada pelo Congresso Nacional em 2021, durante o governo de Jair Bolsonaro, que estabeleceu que os municípios podem fazer mudanças nas áreas de preservação permanente. Ou seja, permitir edificações mais próximas à margem dos rios, dos córregos e das encostas: "E isso é um grande retrocesso que agora se refletiu de uma forma avassaladora no Rio Grande do Sul", ressalta a ministra.

 

Aos 66 anos, a integrante do governo Lula de maior visibilidade internacional sabe que, na luta pela causa ambiental, há momentos para avançar e para recuar. Mesmo ao sair do governo petista em 2008, em razão de fortes pressões políticas, acredita que contribuiu para tornar o Brasil um país sustentável. E agradece o apoio da opinião pública na defesa de suas convicções. "No tema ambiental, é muito importante a mobilização da sociedade", diz. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.

 

 

O desmatamento diminuiu na Amazônia, mas aumentou no Cerrado. Como a senhora vê isso?

Nós temos uma situação em que o plano de combate ao desmatamento da Amazônia já vem desde a nossa gestão passada. Foi abandonado no governo Bolsonaro, nós retomamos, e os efeitos da retomada do plano foram imediatos: uma redução. Quando a gente olha para o nosso período (a partir de 2023), sem o período do Bolsonaro, a redução foi de quase 50%. Quando a gente soma com o que herdamos do governo Bolsonaro, dá uma redução de 20%. É preciso fazer a contagem de agosto a julho. E não de janeiro a janeiro.

 

Estamos falando do primeiro período completo, então.

Sim, comparando 2024 com 2023. Nós conseguimos uma redução no primeiro ano (de agosto de 2022 a julho de 2023), quando você toma o período Bolsonaro, de mais de 20%; no segundo ano (de agosto de 2023 a julho de 2024), de 45,7%, em função das medidas todas que foram tomadas, que é essa série histórica que tem aqui.

 

 

Mas e em relação ao Cerrado?

Quando saímos do governo da vez anterior (em 2008), a gente estava começando o plano de combate ao desmatamento. A ideia era ter planos para todos os biomas. Mas isso não se concluiu, e, agora, nós finalizamos o plano, com uma diferença que o plano da Amazônia foi atualizado. O plano do Cerrado teve que ser feito, mas, na hora que ele foi implementado, nós começamos a ver uma inflexão, iniciada pela Bahia que teve uma redução de 52%. Isso ajuda a puxar o conjunto ali daquela região do Matopiba (sigla para designar os estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), mas também do Cerrado como todo. Ainda tivemos um aumento de 10,6% no Cerrado, mas nos últimos quatro meses, notamos que está ocorrendo uma queda consistente, com exceção do Piauí.

 

Há uma tendência de queda.

Se você observar o caso da Bahia, percebe que o ano passado foi de queda do desmatamento. Nos últimos quatro meses, a mesma coisa em relação ao Tocantins e ao Maranhão. A exceção, como eu falei, é do Piauí, que ainda tem um aumento. Essa perspectiva é uma demonstração de que os planos testados historicamente funcionam, levando a uma queda de desmatamento na Amazônia em 83% durante dez anos e, nesse primeiro ano, e meio do governo do presidente Lula.

 

Costuma-se dizer que a Amazônia recebe todas as atenções e que os outros biomas ficariam prejudicados. Como avalia isso?

Eu acho que tem uma mudança de legislação. No caso da Amazônia, a legislação estabelece que 80% podem ser preservados e só 20% podem ser usados. No caso do Cerrado, é o contrário. Eu costumo dizer que os homens legislam, mas a natureza não assimila. Nós já temos graves problemas no Cerrado, inclusive, na região do Matopiba, com redução da vazão dos principais rios em 19 mil metros cúbicos de água por segundo, uma baixa significativa do lençol freático e um retardo no início das chuvas que chega a ser de quase 25 dias. Isso tem um prejuízo do ponto de vista dos processos produtivos e está relacionado à mudança do clima, além do próprio desmatamento, que, por si só, cria uma dinâmica ruim.

 

 

Houve retrocesso na legislação ambiental?

Olha, no governo Bolsonaro, houve várias tentativas de aprovação de leis no Congresso. Algumas delas tramitam até hoje, como o licenciamento, além de várias tentativas de retrocesso. Mas teve uma, particularmente, que estabeleceu que os municípios podem fazer mudanças nas áreas de preservação permanente, ou seja, permitir edificações mais próximas à margem dos rios, dos córregos e das encostas. E isso é um grande retrocesso, que se refletiu de uma forma avassaladora no Rio Grande do Sul. O Brasil tem um deficit de cerca de 10 milhões de hectares de área de preservação permanente. Desses 10 milhões, cerca de 700 mil estão no estado do Rio Grande do Sul.

 

Pelo que a gente conversa com o pessoal do agro, inclusive, no Congresso, parece que eles estão mais atentos à questão ambiental. Viram que, se não houver preservação, vão perder dinheiro. Está mais fácil dialogar com o agro?

Tem uma parte do agro que há muito tempo percebeu o fator clima — e as circunstâncias estão impondo a todos nós considerá-lo. É um fator que leva à perda de produção, de produtividade. Inclusive, tem um estudo aqui. Há uma redução de mais de 28 milhões de toneladas na colheita de milho e soja na safra de 2023 e 2024 (obviamente que 2024 ainda não fechou) em relação às previsões iniciais. E o prejuízo disso já é algo em torno de R$ 41 bilhões. A tendência é que, quanto mais ocorram eventos extremos, em função da mudança do clima, maiores serão os prejuízos em relação à produtividade.

 

O agro apostou muito no bolsonarismo na eleição de 2022. Foi possível criar um diálogo?

Nossa disposição é do diálogo com todo o setor. O ministro Fávaro (Agricultura) tem procurado fazer uma agenda cada vez mais intensa. Nós trabalhamos juntos o Plano Safra para que seja ele todo com agricultura de baixo carbono, inclusive, criando redutores em termos do percentual de juros para os agricultores que têm boas práticas, que usam bioinsumos, que fazem plantio direto, que respeitam mata ciliar, que têm digamos assim reserva legal, que têm área de preservação permanente respeitada. Cria-se um redutor na taxa de juros de juros. E isso tem sido muito positivo.

 

 

E as práticas sustentáveis têm resultado em ganhos de mercado?

Sim. É a questão de que o ministro Fávaro sempre fala, de que conseguiu abrir mais de 160 novos mercados nesse um ano e meio de governo do presidente Lula. Na base dessa abertura de novos mercados estão os ganhos que alcançamos com uma agenda ambiental confiável. Obviamente que a confiança não é só por termos os planos, não é só por termos os compromissos políticos e os acordos internacionais, é pelos resultados que vêm sendo alcançados; pela redução de desmatamento que já conseguimos na Amazônia. Termos uma redução que foi algo em torno de 250 milhões de toneladas de CO² com os esforços que alcançamos o ano passado.

 

Isso tem impacto nas negociações com novos mercados consumidores?

Quando você vai para o diálogo com aqueles que gostariam de fechar negócios, para a nossa agricultura, isso dá a eles muito conforto. O ministério (da Agricultura) tem políticas consistentes, porque há uma pressão muito grande da opinião pública internacional, sobretudo na União Europeia, de que a agricultura brasileira possa estar aumentando e reforçando o desmatamento. Quando esses resultados são realizados com essa consistência, isso dá um conforto muito grande para os investidores.

 

A abertura de tantos mercados significa que os outros países entenderam que o Brasil preserva o meio ambiente?

Com certeza as pessoas têm a clareza de que esse governo tem compromisso com o meio ambiente. Agora, é muito difícil dizer que um país já é (preservador do meio ambiente). Até porque, nas democracias, a gente está sujeito às sazonalidades. Em alguns casos, foi possível preservar durante um período, mesmo com troca de governo. No caso do Reino Unido, na transição de um governo progressista para um governo conservador, políticas ambientais foram preservadas. Só não é possível ter alternância entre quem defende a ciência e quem é negacionista. Você pode até ser conservador, mas não pode negar o que a ciência está dizendo. Quando vem essa ameaça negacionista, é muito perigoso. Porque você tem uma descontinuidade, como Trump tentou impor nos Estados Unidos, como Bolsonaro fez aqui no Brasil. Nos Estados Unidos, só não foi mais grave porque alguns estados reagiram e porque uma parte do empresariado ameaçou não comprar energia gerada de carvão.

 

 

Qual o papel do Brasil nessa nova geopolítica ambiental?

O Brasil tem um papel de liderança. Sem dúvida nenhuma. Nenhum debate sobre meio ambiente acontece sem considerar as contribuições e a posição do Brasil. Historicamente, o Brasil é um país que ajudou a avançar a agenda ambiental e ajudou a formular políticas globais de meio ambiente. Nós levamos para a COP 28 uma série de contribuições. Por exemplo, a existência de uma troika dos Emirados Árabes Unidos, Azerbaijão e Brasil, dando continuidade aos resultados da convenção com quem está presidindo, com quem vai presidir imediatamente e quem vai presidir em seguida. Isso foi uma proposta que o Brasil ajudou a formular.

 

Há outro exemplo?

O Brasil foi fundamental na decisão sobre transição para o fim do uso de combustível fóssil. Se o Brasil não tivesse se descolado das posições contrárias a uma transição para o fim do uso de combustível fóssil, teria sido muito difícil. Como o único que se opôs claramente foi a Bolívia, então a gente conseguiu andar. A China não bloqueou, a Índia não bloqueou, e o Brasil teve um peso importante nessa construção.

 

A senhora acredita que será possível cumprir os compromissos estabelecidos no Acordo de Paris?

Nós queremos alcançar esses compromissos, mas não vamos nos esquecer das sazonalidades. O período de aumento de desmatamento, de aumento de emissão de CO2, de fragilidade de quatro anos (do governo Bolsonaro), é computado. Nós temos um compromisso largo de chegar à emissão zero em 2050, e, obviamente, que o ideal é que essa trajetória cumpra todas as suas etapas. Quando você tem uma falha em uma dessas etapas, o que significa? Aumentar um esforço supra.

 

A crise climática é um dos temas do G20. Qual a perspectiva que se está discutindo nesse fórum?

O que nós temos é a perspectiva de alcançar 1,5ºC de temperatura que estava planejado para 2043 e que alcançou o ano passado. Aquilo que a gente estava tentando digamos assim segurar, e ainda ter um espaço para chegar, chegou no ano passado. Agora é não deixar subir mais, não tem mais janela, não pode ultrapassar, né, de 1,5ºC e [estamos] trabalhando cada vez mais para cumprir as metas até 2050.

 

Que discurso a senhora vai levar para o G20?

Nós tivemos grupos técnicos temáticos. Vamos levar o resultado desses grupos: valoração e preservação de serviços ecossistêmicos; a questão dos oceanos; a bioeconomia, que é um debate mais transversal dentro do G20; o pagamento por serviços ambientais, que tem a ver também com o pagamento com serviços ecossistêmicos. E tem uma proposta que é nossa, dos países de floresta tropical, de criar um mecanismo para financiar a manutenção das florestas tropicais dos 80 países que têm floresta tropical. E esse é um esforço que nós pautamos no G20 em parceria com o Ministério da Fazenda e vamos trabalhar para que ele esteja operacional, espero em 2025 já na COP.

 

Há muita resistência dos outros países?

Não, os países que não têm florestas precisam que as florestas continuem, porque destruir as florestas é desequilibrar o planeta inteiro. Hoje nós temos recursos para ajudar a não destruir, mas não temos, digamos assim, como gratificar economicamente quem preserva a floresta, e isso é fundamental para países detentores de floresta, inclusive, para essa meta de desmatamento zero.

 

Como está a negociação com os congressistas para evitar que projetos nocivos ao meio ambiente sejam aprovados? Tem funcionado com os partidos do centro?

Tem funcionado. Conseguimos aprovar o PL do manejo do fogo, com gestos muito importantes do senador Kajuru, do senador Nelsinho Trad, da senadora Tereza Cristina —, houve uma verdadeira força tarefa com a senadora Leila — com a senadora Lisiane Gama. Nós todos ficamos envolvidos para aprovar o projeto do manejo integrado do fogo. Os governadores também, principalmente o do Mato Grosso e o do Mato Grosso do Sul para dialogar com as bancadas; Simone Tebet e o ministro Fávaro, todos nós.

 

A resistência é menor entre os parlamentares, agora?

Não dá para você tratar o Congresso estático. Tem uma relação projeto a projeto, PL a PL, medida a medida. O importante é que, em cada um deles, há disposição para o diálogo e para mostrar as coisas que são necessárias com base em evidência. Quando eu digo que, às vezes, o homem legitima e a natureza não assimila, significa dizer que é preciso levar a evidência científica para ver se a lei humana está em conformidade com a lei natural. Qualquer ideia de que a vida possa controlar uma lei natural não tem base científica. Nós chegamos à era dos limites em relação a determinadas coisas. E há uma disposição para o diálogo.

 

Chegamos à era dos limites em relação ao meio ambiente. Não dá mais para dizer "depois a gente vê"...

Essa era já estava posta em 1992. Há mais de 30 anos. Nós estamos em meio a uma verdadeira guerra. É chuva demais num canto, seca demais no outro, incêndio no outro. Tem todo um desafio e um debate sobre como a gente ter uma estratégia para fazer um enfrentamento da emergência climática, que é a proposta preliminar que nós apresentamos ao presidente e à Casa Civil. Não é fácil você sair da lógica da gestão do desastre para lógica da gestão do risco. Nós conseguimos fazer isso no Pantanal, mesmo sem ter ainda uma lei na prática. O período de incêndio foi antecipado em dois meses e meio. Se nós não tivéssemos trabalhado desde o ano passado — porque as evidências científicas estavam mostrando isso — a gente estaria no pior dos mundos agora.

 

O governo se preparou para o Pantanal?

Nos preparamos: planejamento, pacto com os governadores, treinamento de brigadista, acordos com a Defesa Civil, tudo que foi mobilizado. Na hora que aconteceu já tinha como montar a sala de crise, já tinha como movimentar as equipes. Inclusive, o pacto com os estados foi fundamental para não ficar aquela briga se o fogo é municipal, estadual ou federal. É um trabalho, tudo foi feito numa ação prática.

 

 

Planejamento, cooperação e ciência são o tripé para salvar o meio ambiente?

É o que eu digo: precisamos cada vez mais de política pública com base em evidência e bom senso, e uma, digamos assim, uma boa dose de humildade para dialogar com os diferentes setores, com o setor produtivo, com a sociedade, com a comunidade científica, com os agentes públicos que acumulam uma experiência muito grande. E trabalhar em parceria.

 

Educação ambiental não é essencial?

É, sim. Nós restabelecemos o Departamento de Educação Ambiental, que é do trabalho que eu fiz muito com o ministro Fernando Haddad, depois com os parceiros. Há todo um esforço de trabalhar a educação ambiental como um tema transversal. Esse ano nós vamos ter a conferência infantojuvenil, que foi retomada e ao longo das várias edições, foi criada na minha gestão em 2003. Já passaram por elas cerca de 20 milhões de jovens e adolescentes.

 

Em 2008, a senhora saiu do governo Lula decepcionada com o que estava acontecendo. Agora a senhora volta. Quem mudou mais: o Lula ou a Marina? Ou foi essa guerra climática que levou a senhora a pensar "Eu tenho que dar a minha contribuição"?

Mesmo quando eu saí, eu saí para dar a minha contribuição. Havia uma pressão muito forte em cima. As pessoas falam que eu saí por causa de Belo Monte. Belo Monte, na minha gestão, nem entrou para licenciamento. Foi encaminhado para estudos. Então, isso não foi uma questão. Não foi em função do licenciamento. (O que motivou minha saída) foi a questão do plano de prevenção ao controle de desmatamento, o plano Amazônia Sustentável, no qual houve uma pressão muito grande do governador Blairo Maggi, do governador Ivo Cassol e de uma parte muito pesada do ruralismo resistente à agenda ambiental. Naquele momento, eu avaliei que a melhor forma de continuar contribuindo para que o plano fosse mantido era criar um fato político. E o fato político foi criado. A sociedade brasileira se mobilizou e o presidente Lula se sentiu respaldado e manteve o plano, tanto é que o plano durante os governos do PT foi mantido. No governo Temer ele foi severamente enfraquecido. No governo Bolsonaro ele foi abandonado.

 

Perdeu-se o cargo, mas manteve-se a causa.

Isso se chama sustentabilidade política e aconteceu em todos os governos, menos no governo Bolsonaro. O governo do presidente Fernando Henrique, quando o maior desmatamento da história do Brasil na Amazônia chegou a 29.000 km² em 1995, baixou a medida provisória que aumentou a reserva legal de 50% para 80%. Naquela oportunidade, o mundo caiu na cabeça dele. E havia audiências públicas. A única pessoa que ia nessas audiências públicas em Rondônia, sei lá onde, era eu. Eu ia para defender a proposta do governo porque da base do governo não tinha um filho de Deus para defender. Eu ia lá entrava lá na arena, era vaiada, o povo falava, mas, eu ia fazer a defesa. Tinha até alguns companheiros do PT que diziam: "Mas por que você vai defender o governo? Ninguém do governo defende, você fica aí apanhando".

 

E por que a senhora defendia, afinal?

Eu defendia porque o mérito da proposta é bom. Conseguimos fazer uma grande mobilização… Lembra do Prodasen, que era considerado o mais moderno que tinha de base de dados. Foram tantos e-mails que chegaram que o Prodasen caiu, colapsou. O sistema do Palácio do Planalto ficou entupido também. Foi uma mobilização incrível.

 

E como foi a votação da MP no Congresso?

Na hora da votação, que era uma comissão mista, eram 14: 7 senadores e sete deputados. Só eu e Gabeira éramos a favor da medida provisória. Todo mundo fez uma mobilização para votar contra. Eles iam ganhar quase que por unanimidade. Na hora, o Fernando Henrique ligou para o Arthur Virgílio, o Arthur foi ficando vermelho que nem um camarão. Eu pensei: o que tá acontecendo com ele? Aí ele parou o telefone e disse: "Lamento muito, mas o presidente pediu para tirar o projeto de pauta; e eu vou tirar porque eu sou líder do governo". Nós tínhamos só dois votos de 14. A sociedade deu sustentabilidade política para o Fernando Henrique manter 80%, assim como a sociedade deu sustentabilidade política para o presidente Lula manter o plano de combate ao desmatamento.

 

A sociedade tem voz?

No tema ambiental, é muito importante a mobilização da sociedade. Às vezes, os governos têm um nível de pressão que vem do Congresso, que vem sei lá de onde… E o importante é que funcionou. O único que não se comoveu com nenhum clamor público foi o Bolsonaro.

 

A senhora vai ser candidata em 2026?

Eu nunca fico planejando a minha próxima eleição. Eu faço aquilo que é necessário. Em 2006, eu decidi que não seria mais candidata, ia ter [no máximo] só dois mandatos para o Senado. E não fui mesmo. Aí veio toda uma circunstância, que considero super correta, de ser candidata à Presidência da República com a agenda ambiental. Depois agora no contexto de tudo isso que estava acontecendo, eu achei que poderia dar uma contribuição como deputada federal e saí por São Paulo. Agora estou contribuindo com o presidente Lula.

 

E está disposta a colaborar por um bom tempo, aparentemente.

Eu tenho 66 anos de idade. Graças a Deus e ao povo brasileiro, já dei contribuição em tudo quanto é canto. E agora fico muito honrada de estar aqui, no governo do presidente Lula, fazendo todos esses esforços numa frente ampla, com toda a complexidade de uma frente ampla que ajudou a preservar a nossa democracia.

Colaboraram Isabela Stanga e Gabriella Braz