Uso de alcunhas religiosas em nome de urna é estratégia conhecida das eleições brasileiras -  (crédito: José Cruz/Agência Brasil)

Uso de alcunhas religiosas em nome de urna é estratégia conhecida das eleições brasileiras

crédito: José Cruz/Agência Brasil

O uso da fé para tentar se eleger não é lá grande novidade das corridas eleitorais. Números apurados pelo Núcleo de Dados do Estado de Minas confirmam que a já conhecida estratégia de campanha permanece presente nos pleitos municipais deste ano no estado. No total, 923 nomes de urna usam quase 40 termos religiosos compilados pela reportagem com colaboração do Instituto de Pesquisa e Reputação de Imagem (Ipri), entre palavras ligadas às vertentes evangélicas, católicas e de matriz africana.

 

 

“Pastor” e “pastora” são as escolhas preferidas de quem alia religião e política para ter sucesso nas urnas. Das 923 chapas com esses termos, 64% usam especialmente o título do ministro do cristianismo, ligado às igrejas evangélicas. São 464 pastores e 131 pastoras tentando sucesso no pleito.

 

 

Na sequência, os termos que mais aparecem são irmão (96), irmã (58), mãe (38), bispo (35), padre (29) e missionária (27). Entre as cidades, a que mais computa candidaturas com termos religiosos é Contagem, na Região Metropolitana de BH, com 21. Depois, aparecem Juiz de Fora (Mata) e Santa Luzia (Grande BH), com 15 cada. BH soma 13 chapas do tipo.

 

 

Entre os partidos, aquele com mais candidatos religiosos é o Republicanos com 93. A legenda tem como presidente da executiva nacional o deputado federal Marcos Pereira, eleito em São Paulo, que é bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, cristã evangélica.

 

 

Depois, aparece o Partido Liberal (PL) com 87 concorrentes com nomes religiosos. Essa é a agremiação em que o ex-presidente Jair Bolsonaro está filiado. Vale lembrar que o líder da direita adotou o lema "Deus, pátria e família" quando assumiu o Planalto. Em terceiro está o PSD com 76 candidaturas do tipo.

 

A aliança entre a fé e a política também foi vista nos últimos dois pleitos municipais, de acordo com as bases de dados anteriores do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em 2020, 1.065 candidaturas citavam os termos religiosos em questão. Já em 2016, esse número era de 847.

 

Proporcionalmente ao número total de concorrentes, 1,2% dos candidatos nos 853 municípios mineiros esse ano usam termos religiosos em seus nomes de urna. Esse dado era de 1,3% em 2020 e 1,07% em 2016.

 

A realidade do Sudeste

 

Levantamento feito pelo Instituto de Pesquisa e Reputação de Imagem (Ipri) mostra que as candidaturas religiosas explodiram em 163% nas eleições municipais desde 2000, considerando os estados da Região Sudeste. Também com uso dos dados do TSE, o Ipri mapeou 847 candidaturas no primeiro pleito do milênio, dado que disparou para 2.230 neste ano. Para efeito de comparação, o total de concorrentes nas quatro unidades da federação subiu 9% no período: de 160.758 para 175.428. Nesse balanço, o Ipri usou as mesmas palavras citadas acima.

 

Especialista analisa

 

O cientista político Camilo Aggio, professor e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), afirma que o uso desse "distintivo" é algo histórico das eleições brasileiras. "É uma estratégia bastante conhecida, que antecede o advento da popularização das plataformas digitais. É a representação de uma identidade, que tem uma interseção cada vez maior com a política, principalmente com a ascensão da extrema direita brasileira. Não necessariamente todos os pastores e pastoras têm uma adesão acrítica a esse processo. O mesmo vale para o evangélico. Não necessariamente ele vota em quem o seu líder religioso indica. Há muita desconfiança nesse sentido também", afirma.

 

Ainda segundo o especialista, a efetividade do uso das nomenclaturas religiosas nas eleições depende de vários fatores. "Ela é bem vista a depender do tipo de nicho, do público-alvo, do eleitorado, que esses candidatos pretendem atingir. No interior, é muito comum isso com o termo 'doutor', usado por advogados e médicos. Muitas vezes, é um distintivo conferido por um bacharelado (em vez do doutorado). Também é um expediente tradicional", diz.

 

A análise de Aggio vai além. Para o cientista político, "estado e religião não podem ser confundidos", mas o aspecto liberal precisa ser respeitado. "Um dos pilares da democracia moderna é o liberalismo, que funda um conjunto de separações, de muros, para garantir direitos e liberdades, entre elas a liberdade religiosa. O que não pode é uma religião ou instituição religiosa impor seus próprios dogmas, ética e lógicas de funcionamento contra o estado moderno", diz.