Desde que a atual legislatura se iniciou na Câmara dos Deputados, há cerca de um ano e seis meses, 58 parlamentares diferentes representaram Minas Gerais. Boa parte deles, no entanto, não aprovou sequer um texto de sua autoria em quase metade do mandato, de acordo com levantamento feito pelo Núcleo de Dados do EM. No total, 40% da bancada mineira ainda não conseguiu passar um único projeto: 23 dos 58 que ocuparam ou ainda ocupam cadeiras na Casa Legislativa.


Desde fevereiro de 2023, quando se iniciou a legislatura, a bancada mineira apresentou 687 projetos na Câmara. Esse levantamento inclui textos assinados "na baciada", ou seja, com a contribuição de dezenas, ou até centenas, de parlamentares do Congresso. Muitas vezes, se tratam de propostas com grande aderência política, o que atrai muitos deputados que querem ter seus nomes atrelados àquele texto. Dos 687, apenas 15 passaram na Casa – 2,1%. Para efeito de comparação, 26 dessas matérias apresentadas na Câmara no período já foram retiradas pelo autor ou arquivadas – quase o dobro das que receberam aval em plenário.

 


“Esses números mostram uma produtividade inútil da bancada mineira. Às vezes, são projetos criados apenas ‘para inglês ver’, porque falta articulação com o presidente da Câmara (Arthur Lira, do Progressistas de Alagoas). Também tem um outro fator. Há, hoje no Congresso, uma monopolização dos líderes partidários e do próprio Poder Executivo da pauta em discussão. Isso faz com que os outros deputados sejam completamente coadjuvantes. São apenas massa de manobra para aprovar determinados projetos articulados pelas lideranças”, afirma o cientista político e professor da ESPM, Paulo Ramirez.

 




O também cientista político Adriano Cerqueira, professor do Ibmec em Belo Horizonte, aponta para um segundo fator para justificar a baixa produtividade da bancada mineira. “O governo federal tem tido uma dificuldade para pautar a Câmara dos Deputados por conta da relação ruim com Lira. Então, se nem o Executivo consegue pautar seus interesses, mais dificuldade vai ter um parlamentar ou um grupo de parlamentares. A oposição ganha mais espaço nesse cenário, mas não necessariamente consegue aprovar seus projetos também”, diz.


Dos 15 projetos aprovados pela bancada mineira na Câmara dos Deputados, quatro se tornaram efetivamente leis, enquanto outros 11 seguem em análise no Senado Federal. Entre os que já receberam sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), dois são assinados por deputados do PT.


A parlamentar Ana Pimentel aprovou o Projeto de Lei 3.183/2023, que dá à cidade de Resende Costa, na Região Central do estado, o título de "Capital Nacional do Artesanato Têxtil". Já Odair Cunha, líder do governo na Câmara, passou o PL 1.026/2024, que altera as regras do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse). O texto fixa um limite de R$ 15 bilhões para incentivos fiscais ao setor, entre abril deste ano até dezembro de 2026. Também retira 14 atividades daquelas que podem recorrer ao benefício. Odair assina a matéria com o deputado federal José Guimarães (PT-CE).


Os outros dois projetos que se tornaram leis envolvem vários parlamentares, de diferentes estados. As mineiras Ana Pimentel e Dandara, as duas do PT, conseguiram a sanção do PL 3/2023 junto a outras 24 parlamentares. O texto cria o protocolo e o selo "Não é Não" para prevenção da violência contra a mulher em eventos com grande circulação de pessoas. Já o Projeto de Lei 1564/2024, que também recebeu o aval do presidente Lula, tem 64 deputados federais como autores, entre eles três mineiros: Nikolas Ferreira e Junio Amaral, do PL; e Pedro Aihara, do PRD. A matéria trata do reembolso por shows e outros eventos cancelados em razão das enchentes do Rio Grande do Sul.


Procurado, o deputado federal Luiz Fernando Faria (PSD-MG), coordenador da bancada mineira em Brasília, afirmou que não tem poder sobre a tramitação de projetos. “Quem conduz e articula votação em plenário são os líderes dos partidos, não o coordenador da bancada”, disse.

 


PECs em tramitação


Outras 11 propostas assinadas por deputados mineiros passaram no plenário da Câmara (veja arte), mas ainda estão em tramitação no Senado Federal ou aguardam o envio do presidente Arthur Lira à essa última Casa. Com a assinatura de 18 representantes do estado, a PEC 44/2023 é uma dessas. Na esteira do desastre no Sul do Brasil, o texto tem objetivo de reservar 5% das emendas individuais ao Orçamento para o enfrentamento de catástrofes e emergências naturais.


Outra Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nas mãos dos senadores é a 9/2023, que conta com a chancela de 20 políticos de Minas. Trata-se de um dos textos com maior repercussão no ano legislativo. A ideia é criar um programa de refinanciamento das dívidas dos partidos e das entidades ligadas às siglas, como institutos e fundações. Com isso, as legendas apenas pagariam as correções monetárias, portanto com isenções de juros e multas.


Prioridades dos mineiros


O Núcleo de Dados do EM também analisou as ementas (espécie de resumo) dos projetos apresentados pelos deputados de Minas Gerais. Para isso, a reportagem separou as palavras de cada texto, com uso de técnicas de programação, para mapear quais os assuntos mais abordados pela bancada. Para isso, foram excluídas aquelas palavras que não carregam informação temática, como verbos, números, conjunções, preposições, artigos, etc.


O levantamento apontou para uma prevalência de projetos ligados às áreas da saúde e da segurança pública. A palavra “saúde” aparece em 45 textos assinados por parlamentares de Minas Gerais. Na mesma toada, "crime" é mapeada em 67 e "penal" em 48. Para efeito de comparação, "educação" está em 30 ementas e "social" em 29. "Meio ambiente" consta em apenas cinco textos.


A prevalência da área da segurança pública nos projetos da bancada mineira, na visão do cientista político Adriano Cerqueira, acompanha o alto número de deputados com perfil conservador. O PL do ex-presidente Jair Bolsonaro tem o maior número de parlamentares em Minas Gerais – 11, contra 10 do PT. “Os conservadores são muito preocupados com isso. Então, eles apresentam propostas que são fáceis de serem compreendidas pelo eleitorado. Isso cria uma mobilização eleitoral para a direita”, afirma.


Quanto ao foco da bancada mineira na área da saúde, o também cientista político Paulo Ramirez não acredita que haja relação com a tragédia sanitária da Covid-19. “É um tema crucial tanto para a esquerda quanto para a direita, principalmente em um ano eleitoral. Isso atrai votos. É algo histórico. Acho que o reflexo da pandemia é pequeno nesse sentido. A pauta da saúde sempre foi permanente no debate político”, diz.


Mais de cem


Novato na bancada mineira em Brasília e na política, o deputado federal Pedro Aihara (PRD-MG), ex-porta-voz do Corpo de Bombeiros, é o parlamentar que mais apresentou projetos no estado nesta legislatura até o momento. Segundo o levantamento da reportagem, ele assina 110 matérias desde fevereiro do ano passado.


No entanto, Aihara, assim como acontece com a bancada como um todo, articulou a aprovação em plenário de poucos projetos. Apenas dois, para ser preciso, o que representa um índice de sucesso de apenas 1,8%.


O primeiro texto aprovado por ele é a PEC 44/2023, já citada pela reportagem, que reserva 5% das emendas para a área de desastres naturais. Também conseguiu aval dos colegas com o Projeto de Lei 3.115/23, que amplia a punição para cambistas de eventos esportivos, shows e outros espetáculos. A pena contínua de detenção de 1 a 2 anos e multa igual a 100 vezes o valor do ingresso, mas agora não fica restrita apenas a eventos esportivos. A matéria aguarda apreciação do Senado Federal.


Em resposta à reportagem, Aihara reconheceu as dificuldades para acelerar a tramitação dos seus mais de 100 projetos apresentados na Câmara. “Estamos trabalhando intensamente para superar esses obstáculos. É essencial que avancemos nessas pautas para garantir o progresso e o bem-estar da população. Apesar dos desafios, continuamos firmes em nosso compromisso de aprovar as medidas necessárias. A colaboração entre as diversas comissões é crucial. Estamos empenhados em encontrar soluções que acelerem o processo legislativo. Acredito que, com diálogo e perseverança, conseguiremos superar essas dificuldades e entregar resultados positivos para a sociedade”, disse.


Mandato tampão


Atualmente, Minas tem 53 vagas na Câmara dos Deputados. No entanto, alguns parlamentares exerceram ou ainda exercem mandatos temporários, muitas vezes por conta das eleições municipais. Na prática, funciona assim: um correligionário cede a cadeira ao suplente para cacifar o nome daquele político substituto, de olho no pleito a ser realizado em outubro deste ano.


Foi assim que cinco reservas entraram em campo pelo time mineiro no período: Délio Pinheiro, no lugar de Mário Heringer, ambos do PDT; Duarte Gonçalves Jr. em substituição de Euclydes Pettersen, do Republicanos; Gláucia Santiago na vaga de Cabo Junio Amaral, do PL; Ulisses Guimarães em acordo com Newton Cardoso Jr., do MDB; e Felipe Saliba na vaga de Fred Costa, do PRD. Entre afazeres eleitorais em suas bases e o pouco tempo de mandato, nenhum dos cinco aprovou sequer um projeto nesta legislatura.

compartilhe