O líder do Partido dos Trabalhadores na Câmara dos Deputados, Odair Cunha (PT-MG), afirmou que o governo de Minas Gerais não tem condições de pagar a dívida com a União, estimada em mais de R$ 165 bilhões. Ex-secretário do governo Pimentel, em entrevista ao EM Minas, programa da TV Alterosa em parceria com o Estado de Minas e Portal UAI, ontem, o deputado destacou a decisão judicial que suspendeu a cobrança do pagamento ainda em 2018.
Na última quarta-feira (28/8), o governador Romeu Zema (Novo) fechou um acordo com a União para que o débito volte a ser executado nos moldes do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), mas o petista também afirma que o pacote econômico não vai resolver o problema. Segundo Odair Cunha, o melhor caminho para os cofres estaduais é o projeto criado pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que ainda precisa ser votado na Câmara. “Se o estado tiver que pagar essa dívida vai acontecer de novo um colapso no sistema financeiro”, declarou.
Eleito para o primeiro mandato ainda no primeiro governo Lula, o líder do PT na Câmara também falou sobre a evolução do Bolsa Família - o qual foi relator da primeira versão -, as mudanças na dinâmica parlamentar dos últimos 20 anos, emendas impositivas e eleições em Belo Horizonte. Leia a seguir a íntegra da entrevista com Odair Cunha.
O senhor assumiu a liderança da bancada do PT no início do ano. Como é ocupar esse cargo em um Legislativo com ideias tão divergentes das bandeiras defendidas pelo PT?
É um exercício produtivo. É claro que o desafio é muito, porque se tem na Câmara dos Deputados uma pluralidade de pensamentos. É preciso compreender que cada parlamentar chega ali com sonhos, com vontade de construir algo no seu estado. É sempre um desafio conformar maiorias, porque o Parlamento é um poder dividido, não é um poder unipessoal que o presidente decide e tá tudo resolvido, ou mesmo um juiz monocrático que tem de tomar uma decisão. Na Câmara você precisa conformar a maioria. Nós temos a liderança do Partido dos Trabalhadores, mas eu diria que é a liderança da federação do PT, PV e do PCdoB.
O senhor percebe que mudou muita coisa desde seu primeiro mandato em 2003? O diálogo hoje é mais difícil?
O diálogo foi muito digitalizado e muito despersonalizado. Você olha para a Câmara de 2003 e vê as pessoas mais concentradas naquele debate. Hoje no plenário da Câmara tem muita gente discutindo na tribuna, mas muita gente com o celular em mãos fazendo discurso para o seu público, isso dificultou bastante.
Outra tecnologia que foi incorporada à Câmara, em razão da pandemia, é a votação eletrônica. Você se credencia presencialmente, então tem que ir no plenário da Câmara e marcar com a sua digital a presença, mas agora pode votar em qualquer lugar. Então se marcar presença de tarde e tiver aqui em Belo Horizonte você pode votar.
Sobre essa questão do diálogo, é importante analisar a polarização da política. Isso criou uma dificuldade?
Eu acredito que a polarização existia e vai continuar existindo sempre. São polos que se diferenciam no debate na sociedade e no Parlamento, porque acaba que o Parlamento é um pouco o espelho da sociedade. O que é triste de ver hoje é o nível de intolerância e de desrespeito, isso é muito negativo para um país democrático como o nosso. As ideias podem divergir, agora as pessoas precisam ser respeitadas.
Há uma multiplicidade de ideias e de pensamentos. As pessoas acabam transformando muitas vezes essas ideias e pensamentos em projetos, que são leis e decretos. Imagina se todas essas leis fossem aprovadas. O Parlamento quando não decide, ele está decidindo. Não pautar é uma decisão de não enfrentar o assunto. E é até melhor que não se enfrente todos, porque tem muitas ideias que são inexequíveis ou seriam contra a sociedade.
O senhor foi o relator da medida provisória que criou o Bolsa Família. Como o senhor viu a evolução do programa nesse tempo e os ataques que o programa sofreu?
Eu relatei a primeira versão do Bolsa Família, no governo Lula 1, e naquele momento nós unificamos os cadastros. Tinha cadastro do benefício social que era o bolsa alimentação, bolsa escola, e cada um tinha seu próprio cadastro. Primeiro, unificar isso tudo em um único cadastro para identificar as famílias em vulnerabilidade social foi fundamental. Dois, garantir uma renda mínima necessária à sobrevivência foi muito importante naquele momento. O exemplo é que quando se tem um conjunto de políticas que são descontinuadas, tem o um aumento da pobreza, da miséria e da fome. Quando se acaba com a política de valorização do salário mínimo, congela o volume de recursos para o programa nacional de alimentação escolar, ou acaba com o programa de aquisição de alimentos da agricultura familiar.
Eu tô contando tudo isso para dizer o seguinte: recentemente saiu um relatório da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) apontando que o Brasil reduziu em mais de 80% o número de pessoas que estavam em insegurança alimentar severa, fome. Isso significa algo em torno de 15 milhões de pessoas que saíram da fome. Se nós não temos um colchão de proteção social, que é o Bolsa Família, mas também outras políticas, se aumenta o nível de pobreza e as pessoas padecem.
Eu digo que o fundo do poço que uma pessoa pode ser submetida é a fome. Não há que se falar em educação e saúde se a pessoa não se alimenta. Por isso que esse conjunto de políticas, e o Bolsa Família é o carro-chefe, é fundamental.
O senhor foi secretário de Estado na gestão do governador Fernando Pimentel (PT). Qual foi a maior dificuldade naquele período do governo de Minas?
A maior dificuldade foi o caixa, o orçamento era deficitário. Em 2015 o déficit financeiro quando o Pimentel assumiu era de R$ 7 bilhões. Isso gerou uma dificuldade para poder viabilizar outros pagamentos. Agora está mais claro, porque depois de seis anos de governo Romeu Zema (Novo), ele não pagou um real da dívida com a União porque em novembro de 2018, às vésperas da saída do Pimentel, conseguimos a suspensão do pagamento da dívida. Com a suspensão do pagamento você tem condições de regularizar o fluxo financeiro do Estado. Exatamente por isso ele deu conta de regularizar o fluxo financeiro, coisa que o Pimentel não conseguiu porque não tinha dinheiro.
Acabou que o governo Pimentel gerou um conforto para o governo Zema?
Sim, porque ele não paga. Quando não paga, essa dívida tem um acúmulo. Era cento e poucos bilhões, hoje a dívida está em mais de R$ 160 bilhões. Exatamente por isso nós estamos debatendo no Congresso Nacional, sob a liderança do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), um Projeto de Lei que cria um programa de pagamento pleno da dívida. Esse Regime de Recuperação Fiscal (RRF) não resolve o problema da dívida estrutural do estado, como não resolveu do Rio de Janeiro, como não resolveu do Rio Grande do Sul. Diferentemente da União, que quando tem um déficit ela pode emitir papel, quando falta dinheiro no caixa do estado ou do município, falta mesmo. Alguma coisa não vai pagar.
O senhor gosta do projeto do senador Pacheco para a dívida?
O projeto aceita que os estados possam entregar seus ativos para amortizar a dívida, isso é um ponto importante. Se o governo de Minas vai entregar a Cemig, Copasa, ou outra empresa que valha, isso é uma discussão que compete à Assembleia Legislativa e ao governo de Minas. Mas dar essa oportunidade é importante, porque amortizar a dívida é fundamental para que tenha fluxo financeiro.
Se o estado tiver que pagar essa dívida vai acontecer de novo um colapso no sistema financeiro. Veja, nesse período nós tivemos aumento da conta de luz, aumento da conta dos combustíveis, das telecomunicações, tudo isso aí garante aumento da arrecadação do estado. Não obstante ao aumento da arrecadação do estado, houve um aumento desproporcional da dívida, ou seja, não adianta crescer só a arrecadação de Minas Gerais, é importante que a gente encontre um caminho efetivo para o pagamento da dívida.
Segundo ponto, a União está abrindo mão de 100% dos juros. Isso é uma inovação importante, porque a correção do saldo da dívida é por IPCA + 4%. Se o estado amortizar até 20% do total da dívida, a União não receberá 2% dos juros. Outros 1% o estado vai pagar e vai para um fundo de equalização dos entes federados. Por quê? porque como o dinheiro é público, tem vários estados da União que pagam em dia sua dívida. Como se garante um benefício para o mau pagador? Então se criou o fundo de equalização. Os outros 1% vai poder ser reinvestido no estado se, por exemplo, for investido na infraestrutura. Se o governo de Minas investir esses 1% em Minas Gerais, ele não tem que pagar para União. Se ele não fizer nada disso, ele tem que pagar.
A União tem uma disposição real de congelar a dívida, só tem a atualização pelo IPCA que é a desvalorização da moeda. Agora, a correção desse saldo da dívida a União não pode abrir mão, pelo óbvio, ela tem responsabilidade fiscal.
Já se tem uma data para votação do projeto na Câmara?
Nós temos um momento de esforço concentrado na Câmara na segunda semana de setembro. Nossa expectativa é que nesse momento a gente possa votar. É claro que nós da bancada mineira, aí não é uma questão de partidos, todos nós entendemos que esse esforço coordenado pelo senador Rodrigo Pacheco merece ter eficácia plena votando esse projeto ainda nesse período. Eu não conheço nenhum parlamentar que tenha sido contra nós resolvemos através de um programa que garanta o pagamento pleno dessa dívida, pelo contrário, o que eu vi são todos os meus colegas entusiasmados com a ideia de colocarmos um fim a essa dívida que significa um peso para o desenvolvimento do nosso estado.
O STF suspendeu a execução das emendas impositivas, impondo uma série de medidas que devem ser tomadas para que haja transparência no uso dos recursos. Qual é o impacto dessas medidas?
Primeiro é importante ter clareza que buscar rastreabilidade e transparência na aplicação do recurso público, seja a emenda individual, de bancada, de comissão, é uma boa prática. Os mecanismos de transparência e rastreabilidade podem e devem ser implementados, portanto não vejo problema nessa decisão do Supremo e isso precisa ser especificado. O Congresso e o Executivo estão trabalhando nesta seara. Agora, as emendas parlamentares significam uma forma do orçamento público ser pulverizado Brasil afora em projetos e programas que interessam aos municípios, portanto, interessa ao povo brasileiro.
A grande questão que está em discussão é que não se pode pulverizar tanto o orçamento público federal a ponto de ele não ter condições de incidir em projetos estratégicos que beneficiam o país inteiro. A grande discussão que está posta nesse debate, para além desses dois pontos que eu falei da rastreabilidade e da transparência, é a questão de você garantir que a União tenha orçamento para fazer uma grande ação nacional com o impacto no país inteiro.
Em julho, a direção nacional do PT reconheceu a vitória de Maduro na Venezuela, mas o presidente Lula disse discordar dessa posição. Essa nota foi precipitada?
Essa nota foi feita a partir de um diálogo entre partidos. O Partido dos Trabalhadores tem relação com o partido do Maduro e esse foi um diálogo no âmbito dos partidos, o que não implica no diálogo institucional dos governos. Os governos têm mais critérios para apurar sua posição. No retorno do ex-ministro Celso Amorim, em diálogo com o presidente Lula, se identificou problemas na apuração. Eu digo que a posição da bancada do do Partido dos Trabalhadores está alinhada à posição que o presidente Lula defende.
Então a bancada não foi procurada pela deputada Gleisi Hoffmann (presidente do PT)?
Não houve esse debate. Nem as informações sobre o processo eleitoral com o rigor de detalhes nós tínhamos. O partido tem instância, não houve uma reunião para discutir as eleições na Venezuela. Teve a notícia que saiu de lá, de um partido com o qual o nosso partido se relaciona internacionalmente, e fizeram a nota. A opinião nossa é de que como não apresentaram as provas nos órgãos adequados, a prudência recomenda que nós não reconheçamos o governo de Maduro nesse momento.
Falando de eleições, em Belo Horizonte o candidato do PT, Rogério Correia, ainda não decolou nas pesquisas. O senhor vê condições de ele reverter esse quadro?
O Rogério é um grande quadro político, conhece a cidade, tem experiência, tem proposta para Belo Horizonte. É o tempo da campanha eleitoral. É claro que ele vai ter oportunidade de mostrar quais são as nossas propostas para o povo de Belo Horizonte. O mais importante para nós, é claro, eleger uma boa bancada de vereadores, ter uma boa representação na Câmara Municipal, e manter um diálogo permanente com o campo democrático na cidade. O que nós não queremos é que BH seja tomada pelo bolsonarismo, este é o pior dos mundos. Agora, quando se tem um processo eleitoral em lugar com dois turnos este debate tem espaço para acontecer. Nós podemos continuar discutindo, apresentando nossas propostas, e deixar o eleitor resolver o que ele quer no segundo momento do período eleitoral.
A gestão do Fuad agrada o senhor? Ou acha que está na hora de mudar o estilo de gestão da capital?
O Fuad é uma pessoa que merece o nosso respeito. Agora, nós temos um outro projeto para a cidade e queremos submeter esse projeto ao povo de Belo Horizonte. Tendo essa aprovação, nós esperamos que as forças que apoiam o Fuad possam estar conosco no segundo turno. Se a decisão do povo for em outra perspectiva, nós vamos dialogar com essa perspectiva no segundo momento. Mas nós entendemos que neste primeiro turno é muito importante que a população veja novamente tudo que os governos do PT tiveram oportunidade de fazer aqui na cidade desde Patrus Ananias, Célio de Castro e Fernando Pimentel. Nós temos o que mostrar na cidade e temos condições de apontar um futuro promissor. Negar ao partido dos trabalhadores essa possibilidade não seria democraticamente aceitável.
A Câmara aprovou o regime de urgência do projeto de sua autoria batizado de 'mar de minas'. Ele transforma a região dos lagos de Furnas e Peixoto em uma Área Especial de Interesse Turístico (AEIT). Como é que isso pode beneficiar a região?
A água no reservatório ela precisa ser usada para o turismo, abastecimento de água humano, abastecimento da pecuária, irrigar a agricultura, produção de peixes. Quando se tem uma variação muito grande do volume de água sem estabelecer uma cota mínima necessária você prejudica o uso múltiplo das águas. O nosso projeto fixa a cota 762 no Lago de Furnas e 663 no Lago de Peixoto (metros em relação ao nível do mar). A partir dessas cotas, o operador nacional do sistema de geração de energia elétrica não poderia autorizar o rebaixamento. Isso garantiria um nível mínimo de água para o uso múltiplo.
A Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) fez um tombamento do Lago para fins de preservação, no entanto, o operador nacional do sistema não obedece a essa legislação. Ela é questionada no STF, mas ele não suspendeu a eficácia da Lei, ela é válida.
O que o operador faz neste momento, rebaixando o Lago de Furnas para algo que o valha abaixo da cota 762, ele está descumprindo a lei. No caso do lago de Furnas essa variação pode ir de 768 até 750, ou seja, uma variação muito grande, isso traz prejuízos econômicos para aquele território. A aprovação dessa lei é um normativo federal que vai estabelecer uma trava para que o operador obedeça essa cota mínima no lago de Furnas e no lago de Peixoto.