Por Pedro Cerqueira
O número de cidades brasileiras que terão apenas um candidato para o cargo de prefeito dobrou nas eleições municipais de 2024. De acordo com uma pesquisa da Confederação Nacional de Municípios (CNM), 107 municípios estavam nessa situação em 2020, número que subiu para 214 no pleito deste ano.
Minas Gerais está em segundo lugar no ranking de estados com maior número de candidaturas únicas. Conforme o estudo da CNM, o estado tem 41 cidades que apresentam esse cenário, atrás apenas do Rio Grande do Sul, que soma 43 municípios que terão apenas um candidato à prefeitura.
Porém, conforme levantamento do Estado de Minas a partir de dados do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG), o estado possui 48 municípios (veja lista abaixo) em que apenas um candidato vai concorrer ao cargo de prefeito, o que o coloca na liderança. Considerando esse número, o crescimento de candidaturas únicas em Minas é de quase três vezes em relação às eleições municipais de 2020, quando 17 cidades apresentaram esse cenário.
Já no ranking da CNM que analisa o percentual de cidades em situação de candidatura única dentro de cada estado, o fato de ter 853 municípios alivia um pouco a situação de Minas Gerais, que cai para a sétima colocação, com 5% das cidades. O Rio Grande do Sul lidera essa lista, com 9% dos municípios com um candidato a prefeito, enquanto a média nacional é de 4% – não haverá candidaturas únicas no Acre, Amazonas, Amapá, Bahia, Espírito Santo e Roraima.
Outro fato revelado pelo estudo da CNM é que o número total de candidatos às prefeituras do Brasil diminuiu 20% em relação às últimas eleições municipais. Enquanto no ano de 2020 eram 19.379 candidatos ao cargo, no pleito de 2024 esse número caiu para 15.441. Segundo o estudo, o volume de candidaturas para o atual pleito é o menor desde as eleições de 2004, quando havia 15.155 candidatos.
Desafios desestimulam candidatos
A CNM traçou um perfil das cidades com candidaturas únicas, que têm uma média populacional de 6,7 mil habitantes, oscilando entre Borá (SP), com apenas 907 habitantes, e Batatais (SP), com 58.402 habitantes. Já o percentual de cidades que têm apenas dois candidatos disputando o cargo de prefeito é de 49%, alcançando 2.738 municípios. O que pode estar por trás do aumento das candidaturas únicas?
“Quando avaliamos todos esses dados, pensamos na hipótese mais provável de que os desafios crescentes desestimulam as pessoas a entrarem na disputa eleitoral, especialmente para a vaga de prefeito. E não falo apenas da falta de recursos financeiros e de apoio técnico. As dificuldades incluem questões burocráticas e entraves jurídicos, que tornam a vida pública muito penosa na ponta”, afirma Paulo Ziulkoski, presidente da CNM.
Para ele, a situação se agrava para o cargo de prefeito porque este lida diretamente com as demandas da população e muitas vezes se vê de mãos atadas pela falta de recursos (da carga tributária de 33% do Produto Interno Bruto, só 6,5% vão para os municípios) e pelo excesso de responsabilidades.
“Muita gente qualificada está deixando de concorrer por receio, tendo em vista que um prefeito pode assumir no dia 1º e, no dia 2, já estar respondendo a processos por improbidade administrativa. Basta dar continuidade a algum projeto anterior que tenha algum problema, ficando sujeito a indisponibilidade de bens. Se é algo doloso, eu até concordo que se puna. Mas, muitas vezes, isso ocorre por questões complexas envolvendo a gestão pública”, avalia o presidente da CNM.
Cidades mineiras com apenas um candidato a prefeito
- Aiuruoca
- Alpercata
- Bandeira
- Bertópolis
- Cabo Verde
- Cachoeira da Prata
- Campanário
- Campos Gerais
- Carmésia
- Centralina
- Conceição das Alagoas
- Corinto
- Couto de Magalhães de Minas
- Divisa Nova
- Estrela do Indaiá
- Fortuna de Minas
- Franciscópolis
- Iapu
- Igaratinga
- Inimutaba
- Ipuiúna
- Itambé do Mato Dentro
- Itanhandu
- Itaobim
- Japonvar
- Joaquim Felício
- Maripá de Minas
- Natércia
- Nova Era
- Papagaios
- Pedro Teixeira
- Pequi
- Pequeri
- Pingo d'Água
- Presidente Juscelino
- Ribeirão Vermelho
- Rio Doce
- Santana do Riacho
- Santo Antônio do Amparo
- São Bento Abade
- São Gonçalo do Abaeté
- São Gonçalo do Pará
- São João do Pacuí
- São Sebastião do Maranhão
- Sem Peixe
- Senador Cortes
- Senador José Bento
- Serra dos Aimorés
“Consegui montar um grupo mais forte”
Um dos municípios de Minas Gerais mais populosos que tem apenas um candidato para a Prefeitura é Papagaios, cidade com 15.922 habitantes. A candidata é Rislâine de Faria Cançado (Avante), vice-prefeita que assumiu o cargo após o falecimento do prefeito Mário Reis Filgueiras (PSDB), em setembro de 2023.
Para Rislâine, não houve falta de interesse para concorrer à Prefeitura de Papagaios. “As pesquisas demonstraram aprovação do meu governo em torno de 90%. A pesquisa de intenção de votos contra outros possíveis concorrentes dava em torno de 70% para mim, o que os levou a desistir. Mas teve procura para as eleições. Eu consegui montar um grupo mais forte, com mais apoio, e o apoio deles foi migrando ou desistindo”, explicou a candidata e atual prefeita.
Mas, para Professor Mário, presidente do PT em Papagaios e candidato a vereador, a explicação para a candidatura única no município não é essa. Cientista político, Mário trabalha como assessor político em outras prefeituras da região. “Em Pequi, o candidato à reeleição tinha aprovação de 89% nas pesquisas, enquanto seus concorrentes chegavam a 10% de intenção de voto. No final, ninguém quis concorrer com um cara com uma intenção de voto dessa. Mas em Papagaios não foi esse o caso”, declarou o líder local do PT.
De acordo com Professor Mário, a prefeita de Papagaios tinha 56% de intenção de votos na última pesquisa, enquanto os concorrentes tinham 30%. “Era uma diferença de 25%, e, se polarizasse, como todo mundo juntou para polarizar, isso aí ia cair para 10%, 8%. Dava para disputar”, defendeu. Na visão do candidato, a disputa única no município pode ser explicada por uma concentração financeira que fez com que poder econômico falasse mais alto que o político, não tendo nenhum adversário de perfil ideológico preparado para essa disputa.
Para o taxista Adão José Duarte, morador de Papagaios, a candidatura única deixou os eleitores sem opção de escolha. “Não tenho nada contra a atual prefeita e candidata, mas acho que todo mundo quer ter opção de escolha. A gente não sabe o que aconteceu. Tinha outros candidatos que estavam lançando o nome nas redes sociais e simplesmente desapareceram. Na noite do lançamento das candidaturas simplesmente o pessoal ficou sabendo que era só uma chapa”, disse o taxista.
Os moradores de Papagaios ouvidos pela reportagem não souberam apontar os motivos que levaram a cidade a ter apenas um candidato à prefeitura, mas todos gostariam de ter mais opções. “Se tivesse mais candidatos seria melhor, aumentaria as possibilidades de ver as propostas dos outros”, avaliou Robério Rezende, borracheiro. “Eu gostaria que tivesse outros candidatos, seria melhor ter uma política mais disputada”, falou Denis Braga da Costa, cabeleireiro.
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Voto decisivo
“O que vai acontecer com essa prefeita, que não vai passar pelo crivo da disputa eleitoral, nós não sabemos. Ela precisa de apenas um voto para se eleger, mas qual será o tamanho da insatisfação da população com a candidatura única nós vamos saber em outubro (data das eleições municipais)”, avaliou Professor Mário.
Para o cientista político, a oposição é de extrema importância para dar um norte para uma administração. “Não essas oposições burras, mas uma que mostra o caminho, faz críticas, faz um dirigente crescer. A longo prazo é péssimo para qualquer município, a pluralidade faz a democracia”, avaliou. Rislâine concorda que, a longo prazo, é prejudicial não ter uma pluralidade de ideias. Mas para a candidata e prefeita, sua grande rede de apoio dá credibilidade à eleição.
“Uma candidatura única do Executivo também faz parte da democracia. Direta ou indiretamente representa a vontade do povo local”
Evaldo Paulo dos Reis (MDB), prefeito de Corinto
Silvério da Luz (PT), ex-prefeito por diversos mandatos e candidato único à prefeitura de Rio Doce, na Zona da Mata, avalia que essa tem sido uma campanha muito diferente. “Para o processo eleitoral em si, de forma muito honesta, acho que é ruim. A gente tendo uma oposição mais ativa, ajuda a pautar as ações de governo, as propostas, o debate. Isso ajuda, mas, de qualquer forma, a gente tem feito o nosso trabalho de contato com o eleitor, de discussão, de ouvir o eleitor, mas o processo de maneira geral fica prejudicado”, avaliou.
Já Evaldo Paulo dos Reis (MDB), prefeito de Corinto e candidato único à reeleição, afirma que não há nada prejudicial: “Uma candidatura única do Executivo também faz parte da democracia. Direta ou indiretamente representa a vontade do povo local”.
Os candidatos únicos ouvidos pela reportagem também falaram sobre a campanha eleitoral nesse contexto inusitado, onde basta um voto para elegê-los à prefeitura. Para Rislâine, é um conforto, mas não tira a responsabilidade: “vou trabalhar da mesma forma, como se fosse uma candidatura com outros concorrentes, até porque eu tenho minha chapa de vereadores que preciso eleger e dar visibilidade. Vou fazer comício, caminhada, então nesse aspecto não mudou”.
Para Silvério da Luz, de Rio Doce, ficou uma campanha totalmente atípica. “O receio é que, por ser uma cidade pequena, a gente imagina que tenha um número de abstenções um pouco maior que o normal, de votos nulos e brancos”. Evaldão, prefeito de Corinto, garante que esse cenário não interfere na campanha: “trabalharei com a mesma força da campanha anterior. O ideal é que todos os candidatos únicos, em respeito a seu povo, façam uma campanha como a grandeza do seu trabalho”.